Acórdão nº 1524/12.2TVLSB.L1 -8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelFERREIRA DE ALMEIDA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: 1. J... e mulher, T..., P... e mulher, A..., e C..., vieram propor, contra B... SA, E... SA, L... e mulher, F..., D... e mulher, P..., e W... Lda, acção comum, distribuída à 1ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a declaração de nulidade de deliberações tomadas em assembleia de condóminos do prédio sito na Av. Almirante Reis, nºs 247 a 247-D e Praça do Areeiro, nºs 1 e 1-A, em Lisboa, relativas à afectação de partes comuns desse edifício, bem como a condenação dos 4ºs e 5º RR. a reparar danos alegadamente provocados por obras efectuadas na respectiva sequência.

Contestaram os 1º, 2º, 4ºs e 5º RR., sustentando, nomeadamente, a validade das deliberações impugnadas – concluindo pela improcedência da acção.

Admitida a respectiva intervenção, o Banco ...SA, apresentou articulado, afirmando não ter sido convocado, na qualidade de condómino, para a assembleia em causa.

Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, declarando-se a nulidade das deliberações impugnadas - absolvendo-se os RR. do restante pedido.

Inconformados, vieram os 4ºs e 5º RR. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões : 4ºs RR. - D... e mulher -A sentença proferida pelo tribunal recorrido não pode subsistir, pois: a)A escritura de alteração da propriedade horizontal do prédio identificado nos factos provados, foi outorgada em 16/2/2012, em execução das deliberações de condóminos do prédio tomadas por unanimidade em 20/9/2010; b)O voto emitido nessas deliberações, imputável à fracção "I", não pode ser posto em causa, pelo menos na relação com os ora apelantes; c)Mesmo que pudesse, o alegado vício das deliberações sempre seria de mera anulabilidade, nunca nulidade ou tão pouco ineficácia; d)E, em qualquer caso, à procedência do vício das deliberações (fosse ele de nulidade, anulabilidade ou mesmo ineficácia) sempre obstaria o abuso de direito.

-Em primeiro lugar, a matéria de facto permite concluir, sem sombra de dúvida, que nas deliberações modificativas do título constitutivo, de 29/7/2010, como nas anteriores de 26/5/2009 e 7/7/2009, que tiveram igual propósito, o locatário financeiro sempre foi visto por todos como quem legitimamente representava a fracção "I", independentemente de estar a actuar em nome próprio, em nome de outrem ou sob o nome de outrem.

-Por força do art. 10º, nº2 e) do Dec-Lei 149/95, de 24/6, na sua redacção actual, é ao locatário financeiro que compete exercer os direitos próprios do locador em relação à fracção autónoma, tendo este assim legitimidade para aprovar as deliberações em causa, não se verificando qualquer violação do art. 1419º do C.Civil, por ter sido ele a estar na assembleia e não o locador.

-Em qualquer caso, a matéria de facto provada demonstra uma tolerância absoluta do locador financeiro em relação à representação que em seu nome vinha sendo exercida pelo locatário da fracção "I", a qual determina que o mesmo fique vinculado pela deliberação, uma vez que, nos termos do art. 334º, constituiria um verdadeiro venire contra factum proprium pôr agora em causa essa representação tolerada.

- Mesmo que não existisse essa representação tolerada, a suposta falta de acordo do B... não conduz à nulidade mas a mera anulabilidade, como tal inoponível aos 4ºs RR., pelos AA., que careceriam de legitimidade para o efeito.

-De facto, a entender-se que o acordo do locatário financeiro não teria sido suficiente e que continuaria a ser exigida a autorização do locador financeiro para estas deliberações concretas, tal não afectaria nos termos gerais a validade da representação da fracção "I" efectuada pelo locatário financeiro, havendo nesse caso apenas um abuso de representação, nos termos do art. 269º, que poderia ser invocado única e exclusivamente pelo B..., nunca pelos AA.

-Ainda que se considere que o caso sob análise não configura abuso de representação, o desvalor das deliberações associado à suposta violação da regra da unanimidade do art. 1491º, nº 1, nunca poderia ser a nulidade mas a anulabilidade simples, inoponível aos 4ºs RR. pelos AA., que continuariam a carecer de legitimidade para o efeito.

-A respeito do alegado desvalor das deliberações, a sentença denota uma confusão manifesta, entre normas imperativas e normas dispositivas, por um lado, e entre inderrogabilidade e inviolabilidade, por outro - Vasco Lobo Xavier, "Invalidade e ineficácia das deliberações sociais no projecto de Código das Sociedades", Separata da RLJ, 118º, 1985, nº 15.

-Normas imperativas são aquelas cuja disciplina, atenta a importância dos interesses tutelados (indisponíveis por natureza), se impõe às partes, de forma que nem sequer por acordo destas é possível estabelecer disciplina oposta ou divergente àquelas, ou seja, são as também chamadas normas inderrogáveis - pelo contrário, as normas dispositivas são, à partida, susceptíveis de derrogação pelas partes.

-O que distingue umas das outras não é o facto de umas não poderem ser violadas (supostamente as imperativas) e outras poderem sê-lo (supostamente as dispositivas) - o que as distingue é a susceptibilidade de o respectivo conteúdo (entenda-se, disciplina legal) poder ser afastado, ou não, pois, violável, toda a norma jurídica o é por natureza.

-Foquemo-nos apenas nas imperativas, para dizer que a sua derrogação é cominada com a nulidade - já à mera violação de uma norma, ainda que imperativa, corresponde apenas anulabilidade.

-É o conteúdo da norma imperativa que justifica a diferença do desvalor - a norma imperativa não visa proteger apenas os interesses das partes actuais, mas também das partes futuras, de terceiros e o interesse público em sentido estrito.

-É neste contexto que foi acolhido na doutrina, na jurisprudência e na lei o princípio de que "só há nulidade quando a contrariedade a normas imperativas se traduz no conteúdo - e não no procedimento, no modo ou processo de formação - das deliberações.

" -É por este motivo que não tem razão a sentença recorrida, a qual se limitou a dizer que as deliberações de 29/7/2010 são nulas porque alegadamente violaram o art. 1419º, nº1 (norma indubitavelmente imperativa), sem atender também ao modo como a violação se teria configurado.

-Não tendo as deliberações, supostamente inquinadas, pretendido afastar com carácter de permanência a disciplina do art. 1419º, nº1, é inquestionável que, na hipótese em apreço, a ofensa daquele "preceito imperativo, só afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momento" da aprovação da deliberação eram condóminos, "interesses, portanto, que, por via de regra (e é o que sucede aqui) tais condóminos perfeitamente podem defender através de acção anulatória".

-As deliberações que derrogam preceitos de natureza imperativa são nulas - as que apenas violam tais preceitos são anuláveis.

-Podemos assim concluir que o vício resultante da pretensa falta de acordo do B... não é susceptível de ser impugnado nos termos gerais do art. 286º, nem tão pouco do art. 281º, pois, não obstante ser um caso de anulabilidade (e não de nulidade) é aqui aplicável - ao abrigo da ressalva inicial do art. 285º - o regime especial de anulabilidade previsto no art. 1433º, nº1, obviamente temperado pela regra prevista no art. 178º, nº 2, cuja aplicação analógica nestes casos não oferece qualquer dúvida, até em coerência com o disposto no art. 380º, nº3, do CPC, aplicável na propriedade horizontal por remissão do art. 1433º, nº 5.

-Abordada a questão por estas duas perspectivas (a da representação aparente e da existência, quando muito, de mera anulabilidade), sempre se conclui que os AA. - que, em qualquer caso, aprovaram as deliberações visadas - carecem de legitimidade para impugná-las com fundamento na falta de acordo do B....

-Não se coloca qualquer dúvida quanto à ilicitude do conteúdo das deliberações de 29/7/2010, designadamente não lhe é apontada a derrogação de nenhuma das normas imperativas habitualmente indicadas pela doutrina e jurisprudência como geradoras de nulidade.

-Por outro lado, a interpretação das normas acolhida pelo tribunal a quo - segundo a qual a violação do art. 1419º, nº1, mesmo quando é meramente procedimental, acarreta a nulidade da deliberação nos termos gerais dos arts. 286º e 294º, arguível por qualquer interessado e até suscitável oficiosamente pelo tribunal, enquanto a violação do art. 1415º, muito mais gravosa por estarem em causa indubitavelmente interesses de ordem pública, apenas poderia ser arguida pelos condóminos e pelo Mº Público - viola abertamente a presunção prevista no art. 9º, nº3, pelo que não poderia deixar de ser julgada errada.

-No que respeita ao direito do B... opor a suposta falta do seu acordo, repete-se que, quando muito, há apenas um abuso de representação, nos termos do art. 269º, que teria de ser invocado pelo Banco para considerar o negócio ineficaz em relação a si e apenas perante os outros condóminos junto dos quais o locatário exerceu o voto, isto se estes conhecessem ou devessem conhecer tal abuso de representação, o que não sucedeu como resulta claramente da factualidade provada.

-Quanto aos 4ºs RR., não sendo eles os declaratários do voto emitido pelo locatário, porque não eram condóminos à data das deliberações, nem sequer se coloca a questão da oponibilidade da ineficácia resultante do abuso de representação - os 4ºs RR. não tinham, por isso mesmo, qualquer forma de conhecer o abuso, nem estavam obrigados a tal.

-Por outro lado, considerando que, segundo o Banco declarou em tribunal e se infere do seu comportamento antes e depois de tomar conhecimento das deliberações, a declaração de nulidade era-lhe mais ou menos indiferente pois aquelas não lhe causaram qualquer impacto nem representam risco para o seu negócio, é forçoso concluir que sempre faltaria ao B... um pressuposto essencial para as poder impugnar, o chamado interesse em agir.

-Em...

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