Acórdão nº 1015/06.0PDCSC.L2-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Setembro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO FERREIRA
Data da Resolução18 de Setembro de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

No processo comum supra identificado, da Secção Criminal- Juiz 3 da Instância Local de Cascais- Comarca de Lisboa Oeste, foram julgados os arguidos: C...

, (…); J...

, (…), tendo ali sido proferida a decisão que se transcreve, na parte dispositiva: Assim, pelo exposto, e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal, decide julgar a pronúncia integralmente procedente, por integralmente provada, e decide julgar integralmente procedente, por integralmente provado, o pedido de indemnização cível deduzido pela assistente/demandante Ordem dos Advogados, e, consequentemente: Condenar o arguido CJ... pela prática, em autoria material, de um crime de procuradoria ilícita, previsto e punido pela interpretação conjugada dos arts. 7.°, n.° 1, al. b) e 1.°, n.°s 1 e 6, al. b) da Lei n.° 49/2004, de 24/08, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz a multa de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); Condenar o arguido J... pela prática, em autoria material, de um crime de procuradoria ilícita, previsto e punido pela interpretação conjugada dos arts. 7.0, n.° 1, al. b) e 1.0, n.°s 1 e 6, al. b) da Lei n.° 49/2004, de 24/08, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz a multa de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); Condenar o arguido/demandado C… a pagar à assistente/demandante civil Ordem dos Advogados, a quantia de € 1000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais; Condenar o arguido/demandado J... a pagar à assistente/demandante civil Ordem dos Advogados, a quantia de € 1000,00 (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais. * Mais condeno os arguidos C... e J... nas custas do processo, fixando a taxa de justiça individual em 4 U.C.'s.

Sem custas cíveis.

** Inconformados, os arguidos vieram interpor recurso da sentença, com os fundamentos constantes das motivações de fls. 588 a 619 com as seguintes conclusões que vão transcritas: I. Vem o presente recurso interposto da Sentença que condenou os ARGUIDOS, ora RECORRENTES, pela prática, em autoria material, de um crime de procuradoria ilícita, previsto e punido pelos artigos 7.°, n.º 1 alínea b), conjugado com o artigo 1.°, n.°s 1 e 6, alínea b), da Lei n.º 49/2004, de 24 de Agosto, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 25,00 (vinte e cinco euros), o que perfaz a multa de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), e, bem assim, no pagamento de indemnização cível por danos não patrimoniais, à ORDEM DOS ADVOGADOS, no valor de € 1.000,00 (mil euros), cada um.

  1. Sucede, porém que a Sentença padece de erros na apreciação da matéria de facto cuja correcção necessariamente obriga à absolvição dos RECORRENTES, padecendo, igualmente, de erros na aplicação do Direito.

  2. O tribunal a quo julgou incorretamente os seguintes pontos da matéria de facto provada: 2. (ultima parte), 3. (primeira parte), 7., 8. (e, em consequência, 9 a 12), 13. e 14.; e, bem assim, os seguintes pontos da matéria de facto não provada: a) a e), g) a l).

  3. Sendo certo que deveria ter considerado outros factos relevantes para a boa decisão da causa.

  4. O erro no julgamento da matéria de facto, decorrente de uma deficiente análise da prova, centra-se numa questão essencial: a prática, pelos RECORRENTES, de atos de negociação tendentes à cobrança de dívida de terceiro.

  5. Existe, desde logo, uma contradição entre os factos provados 2., 3. 7. e 8., os quais que indicam a existência de "negociação", e a matéria vertida nos números 21 a 24 da matéria de facto provada, aliás, em grande parte, alegada na Contestação.

  6. Estes factos (21 a 24) estão suportados nos depoimentos de E…, ouvido na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h39 e A..., ouvida na mesma sessão e cuja gravação se inicia às 10h32 (na ata da audiência a gravação dos referidos depoimentos está identificada do seguinte modo E... - 00:00:00 a 00:06:19; A... - 00:00:00 a 00:10:54).

  7. Os números 2., 3. 7 e 8. da matéria de facto provada, onde se refere que a G... podia aceitar o pagamento da forma que entendia conveniente, negociando com o devedor, estão em absoluta contradição com estes, devendo, ad limine, ser considerados como não provados.

  8. Em consequência, pelo menos, as alíneas a) a e), g) a l) da matéria de facto não provada devem ser consideradas provadas.

  9. Seja como for, toda a prova produzida nos autos obriga a concluir pela não demonstração da matéria dos pontos da matéria de facto identificados sob os n.°s 2. (ultima parte), 3. (primeira parte), 7 a 14.

  10. Da mesma forma, e consequentemente, pela consideração como provados dos factos identificados sob as alíneas a) a e), g) a 1) da matéria de facto não provada.

  11. Sendo certo que é necessário nunca deixar de ter presente que a matéria que está a ser julgada nestes autos é a existência de um concreto ato de negociação, em especial relativamente ao Ofendido L..., não se se afere da legalidade da atividade da G..., em geral, no que respeita a atos próprios de advogados.

  12. Outro entendimento sempre padeceria de inconstitucionalidade, isto é, a norma segundo a qual os administradores de uma sociedade cuja atividade, em abstrato, seja a cobrança de créditos de terceiro, por via da negociação, sem que se demonstre em concreto a existência de um ato de negociação, praticam o crime de procuradoria ilícita, é inconstitucional por violação dos artigos 18.°, n.° 2, e 29.° da CRP.

  13. De todo modo, a verdade é que não há prova nos autos que permita concluir, como consta da última parte do ponto 2. da matéria de facto provada, ou seja, que fazia parte da atividade da G... a prática de atos reservados aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, nem tão pouco, que os ARGUIDOS propunham aos clientes a celebração de contratos de cobrança de créditos por via da negociação, como consta da primeira parte do facto elencado sob o n.° 3.

  14. A inexistência de tal prova decorre do teor dos depoimentos de L... (depoimento prestado na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se iniciou às 09h52 - identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:15:42), V…, I… (Testemunhas ouvidas na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h09, e 10h20, respetivamente, e identificados na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:15:55; 00:00:00 a 00:09:46, respetivamente), da Testemunha A... (ouvida na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h32 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:10:54), e, bem assim, da Testemunha E... (ouvido na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h39 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:06:19).

  15. Não existe, assim, qualquer prova que possa demonstrar que a G... praticou, em geral, atos próprios de advogado, designadamente a cobrança de créditos por via da negociação, devendo considerar-se como não provados os factos n.° 2 (última parte), 3 (primeira parte) e provados os factos sob as alíneas a) a e), g) aj).

  16. Seja como for, tal prova seria irrelevante, na medida em que, para a demonstração da existência do crime de procuradoria ilícita é necessário provar a prática de, pelo menos, um ato próprio de advogado.

  17. A única prova que revela um contacto da G... para com o OFENDIDO é a carta de fls. 5, não se podendo retirar do teor desta a existência de um ato de negociação.

  18. Atente-se, mais uma vez, em primeiro lugar, às declarações do OFENDIDO L..., das quais se retira cristalinamente a prova de que o único contacto entre si e a G... foi a carta de fls. 5 (depoimento prestado na sessão de 21.11.2014, cuja gravação se iniciou às 09h52 - identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:15:42).

  19. Por outro lado, atente-se novamente às declarações das Testemunhas, produzidas em audiência de julgamento.

  20. Confrontada com a carta, a Testemunha V... (ouvida na sessão realizada em 211.1.2014, cuja gravação se inicia às 10h09 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:15:55) limita-se a fazer uma interpretação da mesma, sem, contudo, conhecer qualquer ato concreto de negociação ocorrido antes ou depois do envio da carta.

  21. A Testemunha I…, por sua vez, perguntado sobre a "interpretação" da carta (que não se lembrava sequer se constava do processo da Ordem do qual foi instrutor), imediatamente a descreveu como "interpelação para cobrança de um valor" (Testemunha ouvida na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h20 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:09:46), afirmando expressamente: "não sei o que se passará depois daqui" XXIII. A... (ouvido na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h32 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:10:54) declarou não ter ideia de contactos na sequência da carta no que respeita a este cliente em particular.

  22. E... (ouvido na sessão realizada em 21.11.2014, cuja gravação se inicia às 10h,39 e identificado na ata do seguinte modo - 00:00:00 a 00:06:19) declarou não se recordar se falou com L...

    Eventualmente terá falado, mas não foi capaz de reproduzir o teor de tal contacto ou sequer confirmar a sua existência.

  23. Em suma, (i) do depoimento do OFENDIDO e do funcionário da G... E..., no que respeita a atos praticados relativamente à cobrança da dívida do primeiro, apenas resulta o envio da carta de fls, 5, ii) do depoimento da Testemunha A... que declarou ter conhecimento sobre o contrato celebrado entre a G... e o X…, decorre que a G... não procedia à negociação das dívidas com os devedores, sendo que quanto a este cliente não conseguiu confirmar qualquer outro contacto, iii) as testemunhas da ORDEM DOS ADVOGADOS apenas se limitaram a fazer juízos interpretativos da carta de fls. 5, não podendo o seu depoimento fundamentar a prova no que respeita a esta matéria.

  24. Assim, não...

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