Acórdão nº 1062/14.9TVLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: * I–Maria .......

intentou a presente acção declarativa com processo comum contra Teresa .......

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Alegou a A., em resumo: A A. que conferiu à R. mandato forense, outorgando várias procurações para que esta a representasse em diversos processos judiciais, sofreu danos pela actuação/omissão da R. em processos em que esta interveio, pela sua falta de diligência, computando-se os prejuízos patrimoniais sofridos no montante de 33.090,00 €.

Por causa da actuação da R. a A. sofreu desgaste, frustração, preocupação e angústia e sente-se envergonhada, angustiada e preocupada, pelo que a R. deverá ressarcir a A. pelos danos não patrimoniais sofridos em quantia não inferior a 2.000,00 €.

Em dois dos processos a R. fez precludir o direito de agir da A., devendo ser condenada pela perda de chance e oportunidade em montante não inferior a 3.000,00 €.

A A. entregou à R. um valor global de 1.300,00 € destinados a que fossem propostas duas acções que não chegaram a ser intentadas, pelo que deverá satisfazer à A. aquela quantia, a título de enriquecimento sem causa.

Pediu a A. que a R. seja condenada a pagar-lhe o valor total de 33.090,00 € (sendo 33.090,00€ a título de danos patrimoniais, 2.000,00€ a título de danos não patrimoniais, 3.000,00€ por perda da chance e 1.300,00€ considerando o enriquecimento sem causa).

A R. contestou, impugnando parte da matéria de facto alegada.

O processo prosseguiu vindo, a final, a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

Apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1.–O recurso incide sobre a atuação ilícita e culposa da R., ora Recorrida, nos processos em que interveio enquanto mandatária da A., tal como ficou demonstrado na sentença de que se recorre, e consequentemente, passível de ressarcimento a título de perda de chance, danos patrimoniais e danos morais.

2.–No mandato judicial forense, “o advogado está obrigado a tratar com o maior zelo a causa que lhe foi confiada, recorrendo a todos os meios para o bom desempenho da sua missão, incorrendo, se o não fizer, em responsabilidade contratual ou obrigacional, prevenida no artigo 798.º do Código Civil (aresto antes mencionado) (…) sendo-lhe exigível, portanto, que pautem a sua conduta pelos valores da fidelidade, da lealdade, da honestidade e da confiança na cabal realização do negócio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, página 4)” (Ac. TRC Processo nº 265/06.4TBGVA.C1, de 08-09-2009).

3.–De acordo com o disposto no artigo 798.º do Código Civil (CC), “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (Ac. TRC Processo nº 265/06.4TBGVA.C1, de 08-09-2009).

4.–Dispõe o artigo 88º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), que o advogado tem que cumprir pontual e escrupulosamente os deveres consignados no Estatuto e na lei. A Recorrida, ao não comunicar a alteração do seu domicílio profissional à Ordem dos Advogados não recebeu as notificações do tribunal.

5.–O que “constitui omissão reveladora de negligência muito grosseira, já a caminho de um nexo de imputação ético-jurídica do facto ao agente de grau superior”(Ac. STJ Processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05/02/2013).

6.–Ficou provado que, pelo menos, durante dois anos, desde julho de 2009 e até maio de 2011 (vide 3.1.35 a 3.1.44 dos factos provados), as cartas remetidas para o escritório da Ré foram todas devolvidas. De acordo com o disposto no artigo 254º, nº 4, do CPC, as notificações produziram todos os efeitos que lhe são específicos, nomeadamente, dando lugar a inícios de prazos processuais para a prática de atos.

7.–Ora, a Recorrida, ao omitir a informação sobre a mudança do seu endereço profissional, causou danos à A., que se traduziram na impossibilidade desta ser notificada da decisão singular da Relação, do Acórdão da Relação, do despacho proferido no tribunal da Relação, das alegações do recurso de revista e do Acórdão do STJ (vide factos provados 3.1.35 a 3.1.44 e 3.1.61), todas no âmbito do Processo nº 8667/03.1TBCSC, que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Cascais, o que inviabilizou a possibilidade da A. poder interpor recurso de Revista da sua condenação e contra-alegar no recurso de revista apresentado pela parte contrária.

8.–Também, no Processo nº 8667/03.1TBCSC, ficou demonstrado que a Recorrida não requereu a realização da perícia necessária de forma a aferir-se das obras em falta, das realizadas e das realizadas com defeitos.

Contudo, aquela, não a requereu e a que foi realizada, a pedido da parte contrária, foi ao exterior do imóvel.

9.–Pela omissão da prática destas diligências, a Recorrida causou danos à A. que se objetivaram na impossibilidade de demonstrar a versão dos factos que apresentara, no articulado inicial, e reflexamente, na inviabilidade de fazer valer, na totalidade ou em parte, a sua pretensão, deixando, assim, esta de receber o quantitativo pecuniário peticionado de 50.000,00€ (para retificação dos defeitos e indemnização devida pelo pagamento de honorários a Advogado, custas judiciais, deslocações, telefonemas e demais danos morais), a que se tinha proposto quando passou procuração forense à Ré com vista à propositura da ação com essa finalidade. Ao invés, foi condenada a pagar à parte contrária, a quantia de € 9.850, acrescida de IVA e de juros de mora, às respetivas taxas legais.

10.–Também no Processo nº 87/02, a Ré ao não recorrer da sentença, causou danos à A., não tendo havido a possibilidade de viabilizar o direito de visitas aos netos.

11.–Nas obrigações de meios, o devedor terá de demonstrar que a falta de cumprimentos ou o cumprimento defeituoso da prestação a seu cargo, não procede de sua culpa, tal como decorre da conjugação dos artsº 798, 799º nº 1 e 342º nº 2, todos do CC. O que a Recorrida não fez.

12.–A Recorrida (profissional, legalmente, habilitada para a prática do mandato forense) não requereu a perícia, não interpôs recurso de revista, não contra-alegou (estas três situações no Processo nº 8667/03.1TBCSC) e não recorreu (Processo nº 87/02). Houve uma omissão, ético juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário.

13.–Pelo que, a Ré violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com a A., nos termos das disposições combinadas dos artigos 798º e 799º, nº 1, ambos do CC.

14.–Dispõe o artigo 483º, nº 1, do CC, que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Tal como refere a sentença, “a obrigação de indemnizar exige um nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos”.

“A propósito do nexo de causalidade, a lei concretizou, no artigo 563º,do CC, que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (Ac. STJ Processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05/02/2013).

15.–A “perda da chance” ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a “chance” de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu no caso concreto, com a omissão da Ré, que privou a A. da “chance” de obter um resultado favorável, isto é, de conseguir o que peticionou, nos vários processos.

16.–Ao não ter sido requerida a perícia, ao não recorrer e ao não contra alegar, a Ré, desde logo, fez a A. perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na ação.

17.–“Quando o mandatário judicial constituído, por negligência, não propõe a ação antes de o direito do mandante prescrever, ou não contesta a ação, no prazo devido, ou não apresenta, atempadamente, o requerimento de produção de prova, conduzindo a que os factos alegados pela contraparte sejam considerados confessados ou à não demonstração dos factos que fundamentavam o pedido, ou não interpõe recurso da decisão que foi desfavorável ao seu cliente, impossibilita, com a sua omissão, que a pretensão da respetiva parte seja sujeita a apreciação jurisdicional, ou à sua reapreciação, em sede de recurso, comprometendo a oportunidade de sucesso do processo judicial em causa” (Ac. STJ Processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05/02/2013).

18.–Tal como decorre da sentença de que se recorre, e no que ao Processo nº 8667/03.1TBCSC diz respeito, “no caso em referência, devido à omissão da Ré, a A. perdeu a chance de interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação que julgou parcialmente procedente a reconvenção e de contra-alegar no recurso de revista interposto pelo Réu”, bem como, o facto de não ter sido requerida a perícia, levou a que a A. tivesse perdido a chance de conseguir provar os trabalhos não realizados e os que apresentavam defeitos.

19.–Refere a sentença que, “provada que está a verificação de um facto ilícito omissivo (violação do dever de diligência plasmado nos artigos 92º n.º 1 e 95º n.º 1 alínea b) do EOA) e culposo e de um dano (a perda da chance de interpor recurso) e o nexo de causalidade entre ele e aquela omissão (a perda daquela chance resulta do facto de a Ré não ter comunicado ao processo a alteração do seu domicilio profissional e, assim, não ter recebido as notificações que lhe foram endereçadas) resta determinar o montante indemnizatório”. O que depois não faz.

20.–“Não podendo ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará, equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto pelo artigo 566º, nº 3, do CC” (Ac. STJ Processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1, de 05/02/2013).

21.–“O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, fixando-se o quantum indemnizatório, atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia...

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