Acórdão nº 618/14.4TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Abril de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução27 de Abril de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: C. LDA instaurou acção declarativa, com processo comum, contra LF e B., pedindo que: a)-O 1º R. seja condenado a pagar à A. o montante de € 433.397,04, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas legais em vigor para as obrigações comerciais, os primeiros no valor de €36.971,98 e os segundos desde a presente data até integral pagamento; b)-Ser reconhecido à A. o direito de retenção sobre o imóvel dos presentes autos, como garantia de pagamento do valor do seu crédito peticionado em a).

Alegou, em síntese, que entre a firma VFR e o 1º R. foi celebrado um contrato de empreitada, pelo preço de € 320.000,00+IVA, tendo por objecto a construção de uma moradia sita na Herdade A. onerada com três hipotecas constituídas a favor da 2ª R.

Mais alegou que este imóvel foi entregue a VFR em 01/04/2012, tendo sido elaborada uma proposta de trabalhos a mais no valor de € 146.189,15, aceite pelo 1º R., tendo a referida firma realizado os trabalhos previstos incluindo os trabalhos a mais, elaborando conjuntamente com este R. os respectivos autos de medição, e remetendo-lhe facturas no valor dos referidos trabalhos, e de custos suportados pela VFR, mas imputados ao 1º R., e que tendo cedido os referidos créditos à A. em 04/04/12 e efectuada essa comunicação em 30/04/2012, o 1º R. não procedeu ao seu pagamento.

Alegou, ainda que a VFR, comunicou ao 1º R. a suspensão da empreitada por falta de pagamento destes facturas e, com a cedência do crédito, a retenção da obra pela A.

Por último alegou que em 02/01/2014 a VFR entregou o prédio à A. onde esta se encontra desde então, pelo que tem direito à retenção do mesmo até ser ressarcida do seu crédito.

O 1º-R. não contestou, tendo apresentado procuração.

O 2º-R. contestou alegando que por escritura pública de 12/03/2009, emprestou ao 1º R. a quantia de € 145.000,00 para aquisição de lote de terreno para construção, com constituição de hipoteca a seu favor e que na mesma data celebrou um contrato de mútuo com hipoteca, fiança e mandato, no valor de € 405.000,00 de capital, com nova constituição de hipoteca, tendo o mutuário utilizado o valor total mutuado e que celebrou um terceiro contrato de mútuo com o 1º R. no valor de € 27.000,00, igualmente com constituição de hipoteca e que estes se encontram sem indicação de incumprimento.

Mais alegou que a A. não foi investida na posição de empreiteira e apenas lhe foi conferido o direito de exigir, em regime de cobrança em outsourcing de gestão e tesouraria, recebendo para o efeito uma remuneração, tendo sido mandatada apenas para cobrar os créditos alegadamente cedidos.

Invoca assim a ilegitimidade activa da A., mais considerando que este direito de retenção constitui um acessório do crédito mas inseparável da pessoa do cedente, não tendo sequer a A. a efectiva posse sobre o bem retido.

Por despacho proferido em 01/06/2015 foi admitido B1 a intervir na posição detida por B..

Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: a)-Condenou o 1º R. a pagar à A. o montante de € 433.397,04, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas legais em vigor para as obrigações comerciais, os primeiros no valor de € 36.971,98 e os segundos desde a presente data até integral pagamento; b)-Absolveu o 1º R. do demais peticionado.

c)-Absolveu o 2º R. do pedido.

Inconformada, interpôs a autora competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma: 1.–A cessão de créditos dos autos é uma cessão de créditos futuros, porque feita antes da celebração do contrato de empreitada e de o empreiteiro ser credor do 1º R., dono da obra, sem que, contudo, a lei o impeça (cf. artigo 399º do Código Civil).

  1. –A transmissão jurídica dos créditos cedidos pelo empreiteiro (cedente) à A. (cessionária) ocorre quando aquele os adquire (cf. artigo 408º, nº 2, do Código Civil), à medida que os trabalhos são executados, medidos e facturados.

  2. –Sem prejuízo, a cessão de créditos é eficaz face ao 1º R. desde 30.04.2012, quando o empreiteiro lho comunicou (cf. artigo 583º do Código Civil).

  3. –O direito de retenção que coubesse ao empreiteiro no âmbito da obra dos autos foi também transmitido à A., conforme decorre da cláusula 5ª do contrato de cessão de créditos, conjugado com o artigo 582º do Código Civil.

  4. –No caso dos autos, a constituição do direito de retenção a favor do empreiteiro e a sua transmissão à A. ocorre nos mesmos termos da cessão de créditos: o direito de retenção nasce na esfera jurídica do empreiteiro quando ele recebe do 1º R. a obra (01.04.2012 – facto 8) e inicia, ao abrigo do contrato de empreitada, a execução dos trabalhos (01.06.2012 – factos 1 e 2), transmitindo-se, por força da cláusula 5ª do contrato de cessão de créditos conjugada com o artigo 760º do Código Civil, nesse momento para a A..

  5. –Quando, em 14.01.2014, é comunicado ao 1º R. a suspensão dos trabalhos e a retenção da obra pela A., ou seja, quando o direito de retenção é exercido – o que não se confunde com o momento em que ele é constituído e transmitido –, a obra já havia sido entregue pelo empreiteiro à A.: no início de Janeiro de 2014 (factos 18 a 21 e 23).

  6. –O artigo 760º do Código Civil apenas diz que o «direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante», tendo por fim somente evitar que se transmita o direito de retenção sem o crédito respectivo, sem impor qualquer momento temporal para a transmissão do direito de retenção, designadamente qualquer simultaneidade entre a cessão de créditos e a transmissão do direito de retenção, e sem impedir que o direito de retenção seja transmitido depois da cessão do crédito, desde que este também o seja ou tenha sido (cedido ou transmitido).

  7. –O factor tempo, influenciando determinantemente o cumprimento, pelas partes, do contrato de empreitada, obriga a que o empreiteiro, para poder executar os trabalhos, tenha que estar na coisa onde os trabalhos decorrem, ou seja, juridicamente, tenha que detê-la, sob pena de não poder cumprir o contrato de empreitada e inutilizar a cessão de créditos, porque a falta de execução da obra impede o pagamento do preço.

  8. –Por essa razão o empreiteiro manteve a obra em seu poder, apenas para poder cumprir o contrato de empreitada, sem que tal detenção seja juridicamente oponível à A. (cessionária) ou ao 1º R. (cedido e dono da obra).

  9. –Assim, a especificidade do contrato de empreitada, no âmbito da cessão de créditos do empreiteiro a terceiro, com o direito de retenção da obra, está na necessária coordenação e concordância que, entre o empreiteiro e o terceiro (cessionário), tem que existir, de modo a que o empreiteiro possa ceder créditos futuros a terceiros e cumprir o contrato de empreitada e o cessionário possa receber o seu crédito com todas as garantias associadas, designadamente o direito de retenção, precisamente decorrente do cumprimento do contrato pelo empreiteiro cedente.

  10. –O raciocínio do Tribunal recorrido adequa-se perfeitamente ao incumprimento definitivo das obrigações do credor perante devedor retentor, mas não ao caso dos autos, de mora do 1º R. no cumprimento das suas obrigações decorrentes do contrato de empreitada: é, ao invés, a tese exposta que, tutelando todas as situações, permite que o contrato de empreitada possa ainda ser cumprido pelo próprio devedor empreiteiro – uma vez cessada a mora do credor cedido –, que o...

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