Acórdão nº 57/17.5YUSTR.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução06 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.

– Nestes autos de processo de contra-ordenação, a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), interpôs recurso da decisão proferida em despacho de 27-02-2017 pelo Exm.º juiz do 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão.

O recurso foi admitido em 27-03-2017 com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

O Ministério Público, por intermédio do Exm.º Procurador da República junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, apresentou resposta, concluindo que a ANACOM carece de legitimidade para intentar autonomamente o recurso e que o Tribunal da Relação de Lisboa deverá sustar o processo e submeter ao TJUE um pedido de decisão prejudicial por via do qual questione sobre a interpretação mais conforme ao Direito da União.

O processo foi recebido neste Tribunal da Relação de Lisboa em 03-05-2017 e no momento processual a que alude o artigo 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público, por intermédio do Exm.º procurador-geral adjunto, exarou parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso por ilegitimidade.

A ANACOM respondeu ao parecer, sustentando a legitimidade para recorrer.

  1. – Em 7 de Junho de 2017, o relator proferiu o seguinte despacho liminar (transcrição):.

    A questão a resolver neste âmbito consiste em saber se a ANACOM, pessoa colectiva de direito público, com a natureza de entidade administrativa independente, tem legitimidade para recorrer da decisão proferida pelo tribunal no recurso de impugnação judicial.

    As normas do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) sobre o regime dos recursos para os tribunais da relação não contêm preceito sobre a legitimidade processual no recurso da sentença ou do despacho judicial.

    Na ausência de norma própria, sabemos que o direito processual penal é direito subsidiário para o regime geral das contra-ordenações. O apelo ao correspondente artigo 401º nº 1 do Código de Processo Penal não permite seguramente a atribuição de legitimidade para recorrer do despacho judicial destes autos a uma entidade administrativa como a Autoridade Nacional de Comunicações.

    Nem o diploma legal que prevê as atribuições e competências das entidades administrativas reguladoras (Lei nº 67/2013 de 28 de Agosto), nem os estatutos da ANACOM (aprovados pelo Decreto-Lei nº 39/2015, de 16 de Março) contêm preceito específico sobre esta matéria.

    A própria requerente reconhece que não existe disposição legal que lhe confira o direito de nesta situação concreta suscitar a apreciação da decisão por um tribunal de segunda instância e fundamenta a sua posição como sendo decorrente do estatuto de participante processual.

    Sob a epígrafe participação das autoridades administrativas, estabelece o artigo 70º do RGCO que o tribunal deve conceder às autoridades administrativas a possibilidade de participarem na audiência através de um representante e de trazerem à audiência ou ao processo os elementos que reputem convenientes para um boa decisão da causa. A norma prescreve ainda que o tribunal deve informar as autoridades administrativas da data de audiência e comunicar-lhes as decisões finais.

    A propósito e em anotação deste preceito, Oliveira Mendes e Santos Cabral, citando Costa Pinto, sintetizam o estatuto processual das autoridades administrativas no processo de contraordenação nos seguintes termos (transcrição): “A autoridade administrativa é na fase organicamente administrativa do processo de contra-ordenação titular da pretensão sancionatória de natureza contra-ordenacional com poderes decisórios e, na fase organicamente judicial, um participante especial em juízo, “um órgão de apoio do Tribunal”. Nesse sentido, a autoridade administrativa representa em juízo os interesses que por lei lhe estão confiados e colabora tecnicamente com o Tribunal e o Ministério Público para a boa decisão da causa. Não é por isso verdadeiramente uma parte processual, mas sim uma entidade pública sujeita a um dever de objectividade decorrente dos quadros de legalidade a que está sujeita. A pretensão sancionatória na fase organicamente judicial do processo de contra-ordenação passa a ser assumida pelo MºPº quer em função do seu estatuto geral quer em função do valor acusatório que a lei atribui à apresentação dos autos em juízo nos termos do artigo 62º do presente diploma” (Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 3ª edição, Almedina, p 248).

    Afigura-se-nos assim que a norma que define o estatuto da autoridade administrativa na fase judicial não lhe atribui a posição de sujeito processual nem autonomia que envolva o direito de recurso da sentença ou do despacho final absolutório.

    A este entendimento não se pode logicamente opor a possibilidade de a autoridade administrativa reagir processualmente caso lhe seja postergado o conhecimento da data da audiência ou omitida a notificação da sentença: o direito de arguir invalidade processual perante o tribunal de primeira instância não significa necessariamente a atribuição do direito do recurso para o tribunal de segunda instância da decisão que for proferida sobre essa arguição.

    A circunstância de o legislador ter vindo a atribuir expressamente a legitimidade para recurso nos estatutos de algumas autoridades administrativas em sectores específicos (v.g. CMVM, Banco de Portugal, ERS), ao mesmo tempo que mantem a redacção dos artigos 70º e 73º do RGCO, deve ser logicamente interpretada no sentido inverso ao propugnado pela ANACOM: a previsão do direito ao recurso em normas “especiais” do procedimento do recurso por contra-ordenação só se pode compreender logicamente se se pensar que o legislador partiu do princípio que o regime geral é distinto e não permite o recurso da sentença judicial. Se pretendesse apenas afastar a interpretação praticamente unânime na jurisprudência neste âmbito, o legislador regularia a matéria no local próprio, ou seja, por alteração ou aditamento de normas no Regime Geral das Contra-Ordenações.

    Afigura-se-nos ainda que a atribuição de legitimidade ao Ministério Público e ao arguido para o recurso extraordinário (nº 2 do artigo 73º do RGCO) não conduz logicamente à atribuição de legitimidade a qualquer outra entidade para todos os recursos ordinários. Como se escreveu no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 16-02-2016, a atribuição da legitimidade a determinadas autoridades administrativas para recorrerem autonomamente das decisões judiciais, não transformando essa faculdade numa regra das contra-ordenações, justifica-se pelo reconhecimento a essas entidades de um papel superior ao de vulgar participante processual com dever de colaboração e auxílio técnico ao tribunal".

    Assim, o citado art.73, nº2 (do RGCO), tem o efeito útil ao restringir a legitimidade para recorrer nessa hipótese ao arguido e ao Ministério Público, já que no nº1 admite a possibilidade de outras entidades recorrerem, as autoridades administrativas em relação às quais a lei expressamente prevê essa faculdade, o que não é o caso da reclamante em relação à situação dos presentes autos. (Relator Vieira Lamim, processo 60/15.0YUSTR.L1-5).

    Em conclusão, a Autoridade Nacional de Comunicações carece de legitimidade e o recurso não devia ter sido admitido.

    A anterior decisão não constitui caso julgado formal, nem vincula o tribunal superior e impõe-se a...

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