Acórdão nº 931/13.8TBMTJ.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução06 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I -A, instaurou acção declarativa de condenação contra J e M, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado com os RR., sendo estes condenados a despejarem o imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e no pagamento das reparações necessárias, cuja determinação será relegada para a execução da sentença, bem como no pagamento à A. de uma indemnização equivalente ao valor da renda (cfr. artigo 35º/2 al a) e b)) até à efectiva entrega do locado livre e devoluto.

Alegou que em 1/2/1964, foi dado de arrendamento ao R. o prédio urbano a que os autos respeitam, sido no Afonsoeiro, Montijo, para sua habitação e do seu agregado familiar, e que, sendo a renda mensal actual de 11,60 €, desde, pelo menos, o ano de 2005 que os RR. não habitam o locado, o qual se encontra em estado de abandono e deteriorado, a carecer de obras, não sendo possível de momento determinar as reparações necessárias.

Os RR. contestaram, alegando que o R. foi imigrante em França durante largos anos, de onde só regressou no ano de 2011, sendo a sua filha e mulher que sempre residiram no locado. Alegam, no entanto, que em Setembro de 2012 o R. teve um acidente de viação, tendo estado internado, em consequência do que, a R., devido aos seus problemas de saúde, passou algumas noites e dias em casa da filha, pese embora tivesse sempre ido diariamente ao locado. Alegam ainda que têm electricidade e gás, apesar de não terem água no locado por causa imputável à A., que não arranjou um cano da sua responsabilidade.

O R. faleceu em 17/6/2013, tendo sido habilitadas em sua substituição a R. M eP.

A A. faleceu em 31/1/2015, tendo sido habilitado em sua substituição, F.

Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando resolvido o contrato de arrendamento referente ao prédio urbano sito na Rua ..., Afonsoeiro, Montijo, condenando as RR. a entregarem o aludido imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como no pagamento à A. da indemnização a liquidar, referente ao custo das obras de reparações necessárias, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 1043.º do CC e 1074º/1 do CC e ainda no pagamento à mesma de indemnização correspondente ao valor da renda mensal (onze euros e sessenta cêntimos) até efectiva restituição do locado (cfr. artigo 1045.º do CC).

II – Do assim decidido apelou a R., tendo concluído as respectivas alegações, nos seguintes termos: I – A decisão do Tribunal a quo sob o ponto 37 da matéria de facto deve ser modificada para provado, uma vez que o réu confessou que não há água no local arrendado porque se rompeu um cano e que o mesmo não está arranjado (declarações de parte, início 19/04/2016, 14:17:18 – Fim 15:01:10, 5:58 a 6:48), facto que foi confirmado pela ré (declarações de parte, início 19/04/2016, 16:18:40 – fim 17:03:33, 18:17 a 19:44).

II – A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é omissa sobre a confissão do autor, segundo a qual não existe água no locado porque se rompeu um cano e que o mesmo não está arranjado, o que constitui um manifesto erro de julgamento.

III – O tribunal a quo julgou incorrectamente não provados os pontos 39 a 41 da matéria de facto, uma vez que o depoimento da testemunha Paulo (início 09/03/2016, 11:52:09 – fim 13:22:54, 23:40 a 28:21 e 1:17:27 a 1:19:15) impunha a resposta de provado a todos eles.

  1. Ao considerar que esta testemunha não teve conhecimento, nem intervenção directo nestes factos, o Mmo. Juiz a quo cometeu um erro sobre esse pressuposto, já que resulta do depoimento daquela, nunca infirmado por nenhum outro meio de prova, que esteve presenta na conversa entre a inquilina e a senhoria onde a primeira pediu a esta que reparasse o cano e a acompanhou à Câmara Municipal.

  2. O Mmo. Juiz a quo julgou incorrectamente não provado o ponto 42 da matéria de facto, uma vez que o depoimento da referida testemunha Paulo (27:18 a 27:36) impunha a resposta de provado.

  3. O depoimento desta testemunha foi totalmente omitido na fundamentação, o que se fica a dever a erro do Mmo. Juiz a quo, dada a sua essencialidade para a prova do facto correspondente.

  4. À luz do NRAU, o não uso do locado corresponde à anteriormente designada falta de residência permanente, que é o local onde está centrada a organização da vida individual, familiar e social do arrendatário, com carácter de habitualidade e estabilidade, ou seja, a casa em que o arrendatário juntamente com o agregado familiar toma as suas refeições, dorme, desenvolve toda a sua vivência diária, familiar e social, o local onde, de modo estável e continuado, se centra a actividade inerente à economia doméstica e familiar do arrendatário.

  5. São indícios de que a ré mantém centrada a organização da vida familiar no local arrendado os de ser aí que, quando do regresso do réu a Portugal, ambos comiam, dormiam e recebiam a sua correspondência e visitas (14), a ré tem o seu domicílio fiscal (16) e existir electricidade (19).

  6. São, também, indícios nesse sentido, os de após o acidente do marido, a ré ter passado a ficar algumas noites em casa da filha, bem como a passar parte dos dias em casa desta (18) apesar de, por ser doente, ter sido aconselhada a não dormir sozinha (17).

  7. Os indícios que se provaram em sentido contrário - não existe fornecimento de água no locado desde 20.04.2012 (20), a ré, pelo menos desde o acidente do marido, não confecciona as suas refeições, nem faz a sua higiene no locado (22), desde essa data nem sempre que vai ao locado a ré faz aí as suas necessidades fisiológicas (24) e a ré não lava a sua roupa no locado (25) - apontam para a falta de abastecimento de água no local arrendado.

  8. A ré encontra-se impedida de realizar estas tarefas ou necessidades no local arrendado por culpa exclusiva do autor, ou seja, porque não há água no local arrendado por causa de uma fuga no cano de abastecimento de água e do encerramento da torneira de segurança existente na cozinha daquele.

  9. É obrigação do senhorio assegurar ao inquilino o gozo da coisa locada para os fins a que se destina, sendo o abastecimento de água essencial a esse gozo.

  10. A reparação da ruptura de um cano de abastecimento de água é obrigação do senhorio.

  11. A obrigação do senhorio assegurar ao inquilino o gozo do local arrendado para os fins a que se destina é directamente correspondente ao dever do inquilino o usar efectivamente para os fins contratados, pelo que se o senhorio não cumpre a sua obrigação, não pode exigir ao inquilino que cumpra a correspectiva ou, pelo menos, que a cumpra com grave prejuízo.

  12. As situações enunciadas no nº2 do artigo 1083º do Código Civil não constituem fundamento de resolução, mas meras presunções ilidíveis, sempre sujeitas ao juízo valorativo da cláusula geral de inexigibilidade constante do seu proémio.

  13. – O conceito de “não uso”, previsto na al. d) do nº 2 do artigo 1083º, é um conceito normativo e não meramente naturalístico, pelo que para apurar o seu alcance importa ter em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a natureza do local arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução de actividade, a respectiva origem e inerente justificação, bem como o seu carácter temporário ou definitivo.

  14. No caso sub judice, estamos na presença de um contrato de arrendamento de prédio urbano, para fim habitacional, a ré deixou de dormir diariamente no local arrendado porque passou a ficar algumas noites em casa da filha (conjugação dos factos provados 18 e 23, o que, no contexto dos autos, permite concluir que a ré só não dorme no local arrendado nos dias que fica em casa da filha), não confecciona as refeições, não trata da higiene pessoal, não faz as necessidades fisiológicas e não lava a roupa no local arrendado porque não tem água, que a falta desta procede de facto culposo do autor, que ainda não reparou...

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