Acórdão nº 654/10.0TBSXL-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLA C
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: José ... ..., João ..., Marino ... ..., Maria ... ... ... da ..., Maria Célia ... ... ... e Maria Margarida ... ..., deduziram a presente acção contra Maria José ... ... ..., pedindo: -A declaração de que os autores são os únicos herdeiros do falecido Luís ... ...; -A declaração de nulidade da doação de Luís ... ... à ré, da fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao 2º andar esq. Do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... ... ... ..., nº 16, Quinta do Brigadeiro, freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1002 e inscrito na matriz sob o artigo 1137º, doação outorgada por escritura pública em 11 de Agosto de 2005, exarada no livro 134G, fls. 66-66v. do Cartório Notarial do ..., inválida por ofensa dos bons costumes. Por conseguinte, deverá cancelar-se o registo de aquisição a favor da ré, inscrita pela Ap. nº 57, de 25-01-2006 e condenar-se a ré a restituir a fracção aos autores; -Subsidiariamente, a declaração de nulidade, ou resolução da mesma doação, com fundamento em usura, indignidade da donatária, ou incapacidade acidental do doador, ordenando-se o cancelamento do registo da aquisição e restituição da fracção, como descrito; -Subsidiariamente, com fundamento em enriquecimento sem causa, condenar-se a ré a pagar aos autores quantia equivalente ao valor da fracção, a apurar em liquidação de sentença, acrescida de juros à taxa legal; -Em qualquer caso, condenar-se a ré a restituir aos autores todos os móveis e documentos que integram o recheio da mencionada fracção; * No curso da audiência de discussão e julgamento, foi requerida e admitida ampliação do pedido nos seguintes termos: -Condenar-se a ré a restituir aos autores todos os montantes por ela movimentados, das contas bancárias NUC 9-1383772.000.001 e NUC 6-3270225.000.001 do Banco BPI, S. A., desde que passou a ser co-titular das mesmas até ao seu encerramento ou liquidação, acrescida de juros, à taxa legal.

* Foi proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: -Condenou a ré na restituição aos autores dos bens pertencentes a Luís ... ... que, à data da sua morte – 15-01-2010 – constituíam recheio da fracção autónoma designada pela letra "F", correspondente ao 2.° andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito da Rua ... ... ... ... n.º 16, Quinta do Brigadeiro, freguesia de ..., Concelho do ...; -Condenou a ré a pagar aos autores a quantia de € 11.295,23 (onze mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte e três cêntimos), acrescidos de juros à taxa de 4%, contada desde a citação; -Absolveu a ré do mais peticionado; * Não se conformando com a decisão, dela apelaram os AA. e a R., a qual veio ainda recorrer do despacho que admitiu a ampliação do pedido.

* i) Formularam os AA. as seguintes conclusões: 1.-Luís ... e a apelada celebraram um contrato de doação, ele na posição do doador e ela na posição de donatária, cujo objeto mediato foi a nua propriedade da mencionada fracção predial.

  1. -A natureza gratuita do contrato de doação, não exclui que, nos termos do artigo 282º, nº 1, do Código Civil, possa ser qualificado de usurário.

  2. -A verificação do vício de usura, envolve três requisitos, designadamente a situação de inferioridade do declarante; a exploração dessa situação de inferioridade pelo declaratário; e a lesão - promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o declaratário ou para terceiro.

  3. -Os fatos provados, diretamente ou por via de presunção baseada nas regras da experiência, revelam a situação de inferioridade do doador devido à sua necessidade e dependência física e psíquica em relação à apelada.

  4. -Os fatos provados, diretamente ou por via de presunção baseada nas regras da experiência, revelam a exploração da situação de inferioridade do doador pela apelada, beneficiária do contrato de doação.

  5. -Os fatos provados, diretamente ou por via de presunção baseada nas regras da experiência, revelam a concessão à apelada pelo doador de benefício injustificado.

  6. -Os fatos provados revelam, outrossim, que o contrato de doação em causa é totalmente desproporcionado, sem qualquer causa que o justifique.

  7. -A sentença recorrida, ao decidir que não está provado que, ao tempo da doação, ocorria a situação de necessidade, dependência ou fraqueza por parte do doador integrante do vício da usura, tal como prevista no artigo 282º, nº 1, do Código Civil, violou o disposto naquele normativo.

  8. -Em consequência, deve o mencionado segmento da sentença ser revogado e substituído por outro que anule o aludido contrato de doação, ordene o cancelamento no registo predial da aquisição do direito de propriedade sobre a indicada fracção predial e condene a ré a entregá-la aos apelantes.

    * ii) Formulou a Ré as seguintes conclusões: 1.-O presente recurso visa a decisão que deferiu a ampliação do pedido formulado pelos apelados, prolatada no dia 11 de Setembro de 2014 (fls. 653 a 656) dos presentes autos e o segmento da sentença de 27 de Junho de 2016 (fls. 1031 a 1050) que condenou a ré a pagar aos autores a quantia de 11 295,23€ (onze mil duzentos e noventa e cinco euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros à taxa legal contados desde a data da citação.

  9. -A decisão proferida no dia 11 de Setembro de 2014, já no decurso da audiência de discussão e julgamento, foi a seguinte: “Qualifica-se como alteração do pedido e da causa de pedir o requerimento dos autores, o que se admite por tempestivo, conforme 256º, nº 6, do CPC».

  10. -Ora, a apelante não pode conformar-se com esta decisão, designadamente quanto à interpretação que o Tribunal “a quo” faz do art. 265º do CPC, segundo a qual a alteração do pedido e da causa de pedir não exigem “ a superveniência dos factos alegados”.

  11. -Pois, com a propositura da acção e dos articulados as partes só podem modificar o pedido e a causa de pedir, após a citação do réu, dado o princípio da estabilidade da instância (art. 260º do CPC), quando haja factos novos, constitutivos do direito dos autores, que têm que ser apresentados em articulado supervenientes nos termos do nº 2, do art. 588º do CPC.

  12. -E, segundo o preceituado no art. 265º do CPC, só pode haver modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, se isto não implicar a “convolação para relação jurídica diversa da controvertida” 6.-Quando da modificação da causa de pedir e do pedido impliquem factos novos constitutivos do direito do autor, o tribunal só pode atender aos factos supervenientes, em articulado superveniente, sendo este o entendimento da doutrina e a jurisprudência maioritária, v.g. Ac. Rel. do Porto, de 26 de Julho de 2008, relatado por Deolinda Varão e Ac. de Rel. de Coimbra, de 14 de Fevereiro de 2012, relatado por Carlos Gil. In www.dgsi.pt.

  13. -Em resumo, mesmo que se considere que os autores podem modificar o pedido e a causa de pedir, até ao encerramento da audiência de discussão da causa, tem sempre que se verificar, se os factos novos alegados podem ou não ser atendidos em articulado superveniente.

  14. -No caso dos presentes autos, os recorrentes fundamentaram o seu pedido de ampliação alegando que só através do depoimento da testemunha Salvador da ... e de dois documentos (de fls, 633 e sgs.), datados de 08.03.2006 e 25.03.2010, tiveram conhecimento dos factos aí alegados.

  15. -Porém, o doc. de fls, 633 está dirigido aos herdeiros de Susete do Nascimento e de Luís ..., isto é, a todos os recorridos, sendo que a testemunha Salvador da ... é marido da recorrida Maria ... e cunhado e tio de todos os outros, sendo assim o mencionado documento conhecido desde 25.03.2010, data posterior à propositura da acção.

  16. -Quanto ao doc. de fls. 635, datado de 08.03.2006, os recorridos não fizeram sequer qualquer prova da data do conhecimento daquele, presumindo-se que apenas tiveram conhecimento na data aposta no documento.

  17. -Acontece ainda que não foi feita qualquer prova da superveniência destes documentos.

  18. -Nesta conformidade, os factos constantes dos documentos apresentados e a matéria alegada no requerimento de ampliação do pedido, já no decurso da audiência de discussão e julgamento, só poderiam ser admitidos se alegados na petição inicial – 08.03.2006 – ou em articulado superveniente no prazo constante do nº 1, do artigo 588º do C.P.C..

  19. -Assim, o requerimento de ampliação do pedido e da causa de pedir, é ilegal por ter ofendido a lei de processo, devendo ter sido indeferido pelo Tribunal “a quo”.

  20. -Mas mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá que o pedido de condenação da recorrente ao pagamento de € 11.295,23 e os factos que integram a respectiva causa de pedir, configuram uma relação jurídica diversa da indicada e controvertida na petição inicial.

  21. -O tribunal “a quo” não tendo indeferido o requerimento dos recorridos visando a ampliação do pedido, violou por errada interpretação e omissão o preceituado nos art.s 5º, 260º, 265º, e 588º do CPC.

    Caso assim se não entenda, 16.-A recorrente vem impugnar a decisão da matéria de facto que deu como provados os pontos de facto nºs 41., 48., e parte do ponto 49., da sentença recorrida e os referidos no nº 3, alíneas d), h) e i) da oposição da ré à ampliação do pedido.

  22. -O ponto de facto da sentença recorrida nº 41 foi dado como provado com base no depoimento da testemunha Salvador da ... e Luís Patriarca Lúcio (vide fundamentação dos quesitos 31º, 32º e 33º).

  23. -Porém, a testemunha Salvador da ... não presenciou qualquer queda, nem viu Luís ... defecado e urinado, “nem chegou a encontrá-lo caído no chão, com sangue na cara e o corpo gelado”, nem pôde ter verificado que Luís ..., nem ouvia e não reconhecia familiares, conforme declarações de Salvador da ... que quando foi a casa de Luís ... no dia 13 de Janeiro de 2010 e lhe perguntou se tinha dinheiro, Luís ..., ouvindo a pergunta respondeu à testemunha “...

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