Acórdão nº 14691/16.7T8LSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Junho de 2017
Magistrado Responsável | LU |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Decisão em texto integral Assunto: Transmissão do direito de superfície por um período temporal diverso (mais curto) que o vigente no direito real de gozo do transmitente. Violação do princípio da tipicidade – numerus clausus - dos direitos reais (artigo 1306º, do Código Civil). Recusa da sujeição do facto a registo, ao abrigo do artigo 69º, nº 1, alínea c), do Código de Registo Predial.
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de ... ( 7ª Secção ).
I – RELATÓRIO.
A ... PORTUGUESA, S.A.
impugnou judicialmente a decisão da Exma. Conservadora do Registo Predial de ... que recusou o registo pretendido pela ora Recorrente através da apresentação n.º 1001 de 2015/11/24 da transmissão do direito de superfície a seu favor sobre o prédio descrito sob o n.º 3038/20030410.
Previamente havia sido interposto recurso hierárquico que foi indeferido.
Remetidos os autos a este Tribunal, o Ministério Público elaborou parecer pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferida sentença, datada de 3 de Novembro de 2016, julgando improcedente a impugnação judicial apresentada pela ... PORTUGUESA, S.A.
e confirmando na íntegra a recusa do registo requerido pela AP. 1001 de 2015/11/24, referente ao prédio descrito sob o n.º 3038/20030410, da freguesia de ... (cfr. fls. 116 a 123).
A impugnante apresentou recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 140).
Juntas as competentes alegações, a fls. 128 a 142, formulou a apelante as seguintes conclusões:
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O artigo 1524º do Código Civil permite que o Direito de Superfície possa ser temporário ou perpétuo e, de igual modo “o direito de superfície, em qualquer dos seus momentos, é alienável, quer por acto entre vivos, quer por morte”.
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Estamos perante um tipo de direito real e que, tendo em conta o princípio de numerus clausus contido no artigo 1306º/1 do Código Civil, a modelação do tipo real por via da vontade dos particulares não pode “alterar os elementos que pertencem à própria definição do tipo de cada direito real”.
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Quer no contrato base (celebrado entre o Município de ... e o ... ... e ...), quer no contrato subsequente (celebrado entre o ... ... e ... e a ... Portuguesa, S.A.), estamos perante a constituição de um direito de superfície temporário (no primeiro caso) e a transmissão do mesmo direito de superfície, igualmente com prazo temporário, embora mais curto do que o primeiro.
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O direito de superfície que consta do clausulado do contrato corresponde integralmente ao tipo legal previsto no artigo 1524º do Código Civil, e, bem assim, o disposto no artigo 1525º do Código Civil relativamente à determinação do objecto do direito de superfície. A isto acresce que o direito de superfície constituído no contrato inicial é temporário e o contrato subsequente também o é, mantendo-se nos limites do direito de superfície do contrato base. Ou seja, o que foi transmitido (pelo ...) o que se recebeu e nos limites daquilo que o Município transmitiu.
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A circunstância de ser transitória ou perpétua não faz parte da natureza do tipo legal em análise, sendo que apenas seria acertada a decisão se o contrato celebrado tivesse sido para além daquilo que tinha sido constituído no direito de superfície, o que não aconteceu.
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Donde se conclui que, sendo o direito de superfície transmissível por acto entre vivos (cfr. artigos 1524º, 1528º e 1534º do CC) e estando a correspondente aquisição sujeita a registo, de acordo com o disposto no artigo 2º/1/a) do C.R.P., mal andou a douta sentença sob recurso que julgou improcedente a impugnação apresentada.
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Mas mesmo que se entenda que o carácter temporário ou perpétuo faz parte da natureza do tipo legal ainda assim à mesma conclusão chegaremos, já que o direito de superfície não está, nem pode estar, condenado a ser uma realidade jurídica imutável.
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Às partes assiste o direito de proceder a ajustamentos àquele direito que sirvam melhor os seus interesses, dentro dos limites de conformação consentidos pelo já aqui muito citado princípio da tipicidade (cfr. artigo 1306º do CC).
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Às partes é legalmente permitido desenvolver e aditar cláusulas negociais que sirvam melhor a sua realidade concreta, sem que de tal circunstância se possa concluir, sem mais, pelo desvirtuamento da natureza do direito que se pretende transmitir.
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Revertendo para o caso que nos ocupa, verifica-se que as partes contratantes respeitaram a natureza do direito de superfície inicialmente constituído, avultando entre elas, a natureza temporária que o caracteriza.
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O direito de superfície constituiu-se como temporário e transmitiu-se como temporário, pelo que o direito de superfície se mantém substancialmente o mesmo, tendo apenas as partes ajustado o prazo de duração da referida transmissão, reduzindo-o.
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A douta sentença sob recurso violou assim o disposto nos artigos 1307º/2, 1524º, 1528º e 1534º do CC) e o artigo 2º/1/a) do C.R.P.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogado o acto de recusa do registo requerido pela apresentação n.º 1001 de 2015/11/24, referente ao prédio descrito sob o n.º 3038/20030410, da freguesia de ... (posteriormente confirmado, em sede de recurso hierárquico, pelo despacho de 22/04/2015 do Senhor Presidente do Conselho Directivo, ainda que com diferente fundamento legal), por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea a) do Código do Registo Predial.
II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado, em 1ª instância, que: 1 – A Impugnante ... PORTUGUESA, S.A.
, requereu junto da Conservatória do Registo Predial de ... o registo de transmissão do direito de superfície a seu favor sobre o prédio descrito sob o n.º 3038/20030410, pelo preço de € 500.000,00 e pelo prazo que medeia entre as zero horas do dia 10 de Maio de 2008 e o dia 30 de Junho de 2017.
2 - O pedido de registo foi instruído com prova matricial, certidão permanente da sociedade apresentante e fotocópia certificada da escritura denominada de “Cessão do direito de superfície” outorgada em 9 de Maio de 2008 pelo Notário Pedro Nunes Rodrigues, a fls. 67 do Livro 113-A.
3 – Sobre tal pretensão, a Exma. Conservadora exarou despacho de recusa, sustentado nos artigos 43.º, 68.º, 69.º, n.º 2 e 71.º do Código de Registo Predial, nos seguintes termos: “Recusado o acto requerido pelo facto de o mesmo já ter sido apresentado a registo, pela Ap. 16 de 2008/05/21, com base nos mesmos documentos, nomeadamente escritura de cessão do direito de superfície, o pedido ser o mesmo, e os motivos que levaram à recusa à data, se manterem atualmente os mesmos.” 4 – O despacho referente à Ap. 16, de 2008/05/21 foi fundamentado nos seguintes termos: “Recusado por não estar sujeito a registo o facto titulado nos documentos apresentados. Notifique-se. Art. 68.º e 69.º/1/c), CRP”.
5 – Por...
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