Acórdão nº 369/11.1T2AMD.L1 – 2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOS
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – Em Março de 2011 o Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores da Amadora, Juiz 2, intentou processo de promoção e protecção a favor dos menores ID e RM, filhos de CP e de BO.

Em Março de 2012 foi celebrado acordo de promoção e protecção a favor dos menores ficando estes sujeitos à medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição pelo período de um ano, com visitas dos pais, obrigando-se a mãe a diligenciar pela melhoria da sua situação habitacional e profissional para os poder receber, acordo que foi homologado por sentença (fls. 178-180).

Prolongou-se a situação dos menores, acolhidos em instituição – situação, aliás, prévia ao início dos presentes autos, por medida decretada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens – vindo o Ministério Público, em 15-2-2016, a promover a aplicação aos menores da medida de confiança à instituição que os acolhe, CAT Abei Vialonga, com vista à sua futura adopção (fls. 513-514).

O Ministério Público alegou por escrito (fls. 522-538), também o fazendo a progenitora (fls. 540-545).

Entretanto, em 13-1-2017 foi proferida decisão determinando a transferência das crianças para se reunirem à mãe na Casa Abrigo «O Refúgio» (fls. 633-636), decisão da qual foi interposto recurso que subiu imediatamente e em separado (fls. 762).

Teve lugar debate judicial.

A final foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, tudo visto, em conformidade com as supra referidas disposições legais e sem necessidade de mais considerações, mantém-se a medida de acolhimento residencial e decide-se pela transferência imediata, das crianças ID e RM (acolhidos no CAT da Abei de Vialonga) para se reunirem à sua mãe na Casa Abrigo O Refúgio».

Apelou o Ministério Público, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1. A sentença recorrida sofre de um erro na apreciação da prova e faz uma incorrecta subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, em clara violação de lei.

2 Da prova produzida em sede de debate judicial não ficou provado existir uma forte ligação afectiva entre a progenitora e seus filhos nem de vinculação afectiva típica da filiação entre uns e outros mas antes, pelo contrário, de que o ID e o RM estão em processo de desvinculação pela falta de investimento por parte dos seus progenitores.

  1. Ficou demonstrado que se encontram seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, por um lado, porque estando acolhidas desde Março de 2011 estas crianças pouco ou nada conviveram com a sua mãe e com o seu pai, ou com estes falaram, revelando os seus progenitores, assim e de forma inequívoca, desinteresse pelas suas vidas comprometendo seriamente a relação ma/paterno-filial que entre eles deveria existir.

  2. O ID e o RM foram acolhidos no ABEI Vialonga no dia 6.1.2012 mas já desde 11.3.2011, estavam acolhidos institucionalmente. Estão decorridos SEIS ANOS de acolhimento institucional.

  3. No 1° ano de acolhimento a progenitora telefonou e visitou os seus filhos com regularidade, sendo as visitas adequadas e afectuosas, o que com o decurso do tempo se alterou de forma radical, redundando em abandono. O decurso dos anos revelaram um desinteresse progressivo dos progenitores em relação aos filhos, designadamente, pela escassez de contactos e cuidados pessoais, afectuosos com os filhos (estes últimos inexistentes quanto ao progenitor), pela ausência de preocupação quanto ao bem-estar destes, inexistindo telefonemas para os técnicos tendentes a apurar da sua saúde (físico e emocional) e percurso escolar dos filhos. Mesmo depois de acolhida em Moura não mudou de atitude.

  4. Veja-se o número de visitas efectuadas pela progenitora: 2013 - três: 2014 - uma (após nove meses de ausência); 2015 - duas (uma em março e outra em agosto); 2016 - duas (uma em julho outra em novembro).

  5. Com o passar destes anos, o ID e o RM apresentam-se crianças emocionalmente desamparadas e extremamente carentes, revelam imaturidade, carência afectiva, com desapego da figura materna, tendo deixando há muito de falar na progenitora, transferindo os seus afectos para os técnicos do CAT.

  6. Desde o ano de 2014 que a equipa técnica do CAT ABEI Vialonga e a Equipa de Crianças e Jovens da Amadora manifestaram a preocupação com a saúde e bem-estar destes irmãos, apelando a que se definisse no mais curto espaço de tempo o seu projecto de vida. Diversas entidades e técnicos trabalharam ao longo dos anos junto desta mãe e com ela para a reversão desta situação. E estamos a falar para além deste Tribunal e do CAT ABEI Vialonga, da Comissão de Protecção das Crianças e Jovens da Amadora, a Comissão de Protecção das Crianças e Jovens de Oeiras, a Junta de Freguesia da Falagueira, a ECJ da Amadora, o Lar A. Luí de Oliveira, o CEBI da Ericeira, as casas abrigo de Viana do Castelo, Sines, Viana do Castelo, Estremoz, Lisboa, Seixal. Tudo em vão.

  7. Todas as oportunidades foram dadas a esta família para a reestruturação familiar tendo em vista a sua reunificação. Sem sucesso. Há dúvidas? Quantas mais oportunidades se pretende dar a esta mãe? E as estes crianças? 10. Quando em março de 2016 o Ministério Público alegou verifica-se já a necessidade de uma intervenção judicial urgente por parte do Tribunal porquanto volvidos anos de acolhimento com progressivo afastamento dos progenitores - ao limite do abandono- agravava-se o perigo do seu bem-estar, da sua saúde psíquica e psicológica e do seu desenvolvimento. Efectivamente no ano antecedente - em 2015 os progenitores fizeram apenas três visitas aos filhos: a mãe duas e, o pai, uma.

  8. Apesar da urgência na adopção de uma medida protectiva destas crianças, o Tribunal nada decidiu num ano, violando o princípio da intervenção precoce, da actualidade e defesa do superior interesse destas crianças, mantendo-se sem decidir enquanto a mãe requeria exames psicológicos à sua pessoa, faltava despudoradamente às convocatórias para comparência no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, IP (10.12.2015; 16.12.2015: 18.4.2016; 21.6.2016 e Nov.2016), tendo sido por duas vezes notificada para confirmar se mantinha o propósito de se submeter à perícia. Desde 2015 que o Tribunal aguardou, em vão, que estes exames se fizessem.

  9. A manutenção dos vínculos próprios da filiação estão há anos grave e seriamente comprometidos pela ausência destes progenitores. Não é de hoje nem de ontem. Nem se mostram menos comprometidos, como se procura fazer crer na sentença em crise, pela ajuda que a mãe se encontra a ter presentemente na casa de abrigo em Moura nem tão-pouco por saber cuidar do H.

  10. E isto apesar de os menores, em Fevereiro de 2015, terem afirmado neste Tribunal, o que reafirmaram no debate - ser seu desejo regressar a casa da sua mãe -, a verdade é que esta é a única que conhecem e aquela que idealizam. Mas para além da perspectiva estritamente genealógica e biológica, a BO não se apresenta como mãe destas crianças, pelo que é apenas neste contexto que se podem interpretar as declarações dos menores neste Tribunal.

    14. Esta asserção não é nossa mas técnica e consta descrita e relatada nos autos do qual ressalta que estas crianças têm uma imagem fantasiada da mãe que não é para elas uma figura securizante: que a progenitora continua a não manifestar qualquer interesse em conhecer as rotinas dos filhos, nunca tendo feito um único pedido sequer para saber do estado dos mesmos, nem mesmo depois de pedir o reunificação familiar em Moura, .. Como se pode fazer um juízo de prognose favorável perante a manutenção da mesma conduta de indiferença já conhecida do Tribunal? 15. Em que se baseia o Tribunal para dar como assente o que dá no ponto 90 de que as crianças gostam muito do mãe e querem viver com a suo progenitora? 16. Também o disseram em relação ao pai. O Tribunal ponderava entregá-las ao pai que, mal por mal, não vive institucionalizado? Essa hipótese nem se coloca ...

  11. Salvo o devido respeito, da prova produzida em sede de debate judicial não ficou provado existir uma forte ligação afectiva entre a progenitora e seus filhos, e/ou vice-versa. O que foi possível provar é que existe uma ligação biológica entre uma e outros que não se consubstancia na transmissão de afectos nem de emoções nem tão pouco de acompanhamento da vida de uns e de outros. Os menores não conhecem outra vida com a progenitora que não o que têm mantido nestes últimos anos (de abandono), sendo certo que se manifestam desejosos de ter outra vida. Ser mãe é algo mais do que simplesmente ser funcional. Tanto assim é que a avaliação do estado emocional destas crianças se encontra descrita nas avaliações psicológicas realizadas no CAT onde se descrevem carências básicas de afecto de abandono afectivo, de relação funcional e genealógica com os progenitores, ausência de vinculação afectiva filial.

  12. Tal escassez de contactos dos pais, traduziu-se inevitavelmente e de forma objectiva e notória no comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação, nos termos da alínea e) do arfo 1978° do Cód.Civil.

  13. O Tribunal não apreciou, portanto, devidamente os relatórios psicológicos elaborados pelo CAT ABEI de Vialonga bem assim o depoimento da Sra. Dra. AC, sendo estes os mais valiosos elementos probatórios destes autos, pois se tivesse apreciado devidamente teria concluído que a entrega destas crianças à mãe biológica ao fim de seis anos de acolhimento viola todos os princípios estruturantes do sistema de promoção e protecção mormente da intervenção precoce, actualidade, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e do interesse superior da criança e do jovem estabelecidos no art. 4º da LPCJP mormente os constantes das alíneas a), c), d), e) e g) e h).

  14. Sustentar, como se sustenta na decisão em crise, que os laços biológicos por si só constituem uma vinculação filial e que estas crianças...

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