Acórdão nº 285/14.5TJLSB.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução22 de Junho de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO A. & COMPANHIA, LDA.

, com sede na Rua …… patrocinada pela advogada, Dra. L., intentou, em 27.02.2014, contra CÉSAR ......, residente na Rua ……., acção declarativa de condenação, sob a forma comum, através da qual pede: a) Condenação do réu a requerer, junto da Câmara Municipal de Lisboa, o documento comprovativo em como o prédio satisfaz os requisitos legais para a sua constituição em regime de propriedade horizontal; e consequentemente: b) Condenação do réu a requerer a constituição da propriedade horizontal do prédio identificado; c) Seja declarado o direito de retenção da autora sobre a fração que vier a ser designada, correspondente ao rés-do-chão do prédio sito Rua …… e condenado o R. ao seu reconhecimento até à constituição da propriedade horizontal.

Fundamentou a autora, no essencial, o seguinte: 1. R. é dono e legitimo possuidor do prédio urbano sito na Rua ….., descrito na Sexta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …., inscrito na respectiva matriz predial urbana dessa freguesia sob o art. 743, nua propriedade e Usufruto que lhe adveio por compra e que foram devidamente inscritas a seu favor na respectiva descrição predial.

  1. A. e R. celebraram, em 30 de Outubro de 2006, contrato-promessa de compra e venda, no qual aquele prometeu vender-lhe, e esta prometeu comprar-lhe, livre de ónus e encargos, a fração correspondente ao rés-do-chão do identificado prédio, com a área de 48,44 metros quadrados.

  2. No referido contrato ficou convencionado que a escritura do contrato prometido seria celebrada no prazo de 30 dias subsequentes ao registo na competente Conservatória da constituição do prédio em propriedade horizontal, competindo ao R. notificar a A., dentro daquele prazo, do dia, hora e local em que a escritura será celebrada.

  3. Com vista à realização do contrato prometido, o R. obrigou-se ainda, a sujeitar o referido prédio ao regime de propriedade horizontal e a realizar os atos a isso necessário, de forma a autonomizar a fração que é objeto daquele.

  4. Propriedade horizontal qual, que para ser constituída necessita do documento comprovativo da existência dos requisitos legais de prédio para a sua constituição, documento esse que é emitido pela entidade administrativa respectiva, de harmonia com o artigo 59º, nº 1, do Código do Notariado, depois de realizada a vistoria municipal.

  5. Compulsada a Câmara Municipal de Lisboa, sob a existência de pedido de certificação dos requisitos legais de prédio para a sua constituição em regime de propriedade horizontal relativa ao prédio supra descrito, veio esta informar que não consta dos seus registos qualquer pedido.

  6. Sendo que, no momento, o prédio preenche todos os requisitos para a requerer, pelo que o R. tem vindo, assim, a protelar indefinida e injustificadamente a celebração do negócio prometido.

  7. E, dado que a par do regime legal específico do contrato-promessa, aplica-se, em tanto quanto for pertinente, o regime geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações.

  8. Com esta situação que, para além de atentatória do princípio da boa-fé, constitui mora imputável ao R., que age com evidente culpa.

  9. Uma vez que a propriedade horizontal pode ser constituída, além do mais que aqui não releva, por negócio jurídico ou decisão judicial (artigo 1417º, nº 1 Código Civil).

  10. Para haver transmissão do direito de propriedade sobre uma fração predial autonomizada por via da constituição de propriedade horizontal, é necessário que essa fração esteja, de facto, autonomizada.

  11. E, dado que no prédio em causa já podem ser especificadas as partes do edifício correspondentes às várias frações, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas, e poderá ser fixado o valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (artigo 1418º do Código Civil), através da planta e telas finais que se juntam.

  12. Como para obter a constituição da propriedade horizontal é necessário documento comprovativo em como o prédio satisfaz os requisitos legais para ser constituída a propriedade horizontal e, não procedendo o R. ao seu pedido.

  13. Por tudo o exposto, requer a A. que o R. seja condenado a requerer, junto da Câmara Municipal de Lisboa, o documento comprovativo em como o prédio satisfaz os requisitos legais para a sua constituição em regime de propriedade horizontal.

  14. Como já atrás referido, o R., no contrato-promessa celebrado, vinculou-se a constituir, em relação ao mencionado prédio, o regime da propriedade horizontal, realizando os atos a tal necessários.

  15. Não tendo, contudo, até ao momento, encetado quaisquer diligências nesse sentido.

  16. Pelo que, se requer que o R. seja condenado a requerer junto da CML o documento comprovativo em como o prédio satisfaz os requisitos legais para a sua constituição em regime de propriedade horizontal, e requerer a respectiva constituição de propriedade horizontal.

  17. No dia 10 de Julho de 2012, a A. deu entrada de notificação judicial avulsa, junto dos Juízos Cíveis de Lisboa, à qual foi atribuída o nº 2863/12.8YXLSB, do 6º Juízo Cível de Lisboa, onde requereu a notificação do R. para em 10 (dez) dias, proceder ao registo da propriedade horizontal e, findo este, à marcação da escritura de compra e venda do prédio já identificado.

  18. Notificação essa, que foi efetivada no dia 27/07/2012, pelas 15H25M.

  19. No dia 14/11/2013, o R. envia uma carta à A. a informar que “(…) nem pretende proceder a tal marcação de escritura, pois deixei de ter interesse na mesma. Pelo que, o contrato de promessa de compra e venda em apreço, entrou definitivamente em incumprimento, cuja responsabilidade deve-se unicamente a mim, promitente vendedor. (…).

  20. Recusando-se, assim, apesar de estar na sua disponibilidade, e ter sido interpelado para o efeito, a outorgar o contrato definitivo a que está obrigado (art. 410º, nº 1 do Código Civil), agindo com culpa e de clara má-fé.

  21. Aliás, na data da celebração do contrato-promessa, A. e R. eram ambos locatários do referido prédio, sendo A. locatário do rés-do-chão e R. dos 1º e 3º andares, sendo a locadora a D. Cristina ......, legitimidade que lhe advinha do usufruto a seu favor, efetuado pela Congregação das Irmãs ……, proprietária do prédio.

  22. Sendo que, aquando da pretensão da venda do direito da nua propriedade do referido prédio, a A. foi informada, por carta datada de 05/06/2006, dessa pretensão, a fim de lhe ser possibilitado exercer o seu direito de preferência.

  23. Tendo então, sido abordada pelo R., para que renunciasse ao direito de preferência sobre a aquisição, propondo em alternativa que, uma vez este adquirindo a propriedade do prédio se comprometia a vender à A. o rés-do-chão.

  24. Nesse seguimento, foi celebrado o supra referido contrato-promessa.

  25. Atendendo ao facto de que o único interesse da A. era o rés-do-chão, e uma vez lhe prometido vender essa fração, após as negociações encetadas, o A. renunciou ao direito de preferência que lhe assistia, sendo certo que a renúncia ao direito de preferência não refletiu as negociações subjacentes às mesmas, nomeadamente as atinentes ao preço, sempre acreditando a A., na boa-fé do R., no cumprimento do contrato.

  26. Aliás, de contrário, jamais teria a A. renunciado a esse direito.

  27. E, vem agora a R., com má-fé, e num claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, invocar o incumprimento definitivo do contratopromessa por sua exclusiva responsabilidade.

  28. Por um lado, resolvendo o negócio sem mais, não indemnizando de todos os direitos e assim, posteriormente enriquecer com uma eventual venda do imóvel em causa, por montante muito superior, montante esse equiparado ao eventual direito de preferência renunciado, com claro enriquecimento sem causa.

  29. O A. tem todo o interesse em manter o negócio, tendo, aliás, como supra descrito, renunciado ao direito de preferência nessa condição.

  30. O A. é detentor e possuidor do imóvel.

  31. Desde logo, conforme disposto no art. 1251º CC (…).

  32. Acrescentam Pires de Lima e Antunes Varela que, apesar de considerarem que “o contrato-promessa não é susceptível de, só por si, transmitir a posse ao promitente-comprador. Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário”, admitem contudo, situações em que a posição jurídica do promitentecomprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.

  33. E, apontam a título exemplificativo as situações “em que foi paga a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo (evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade. Tais atos não são realizados em nome do promitentevendedor, mas sim em nome próprios, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real.” (Código Civil Anotado, com a colaboração de Henrique Mesquita, reimpressão, 2ª ed., vol. III, pag. 6-7.).

  34. No caso em apreço, o A. apenas não exerceu o seu direito de preferência quanto à compra do imóvel de que era arrendatário, pois, na sequência das negociações encetadas pelo R., este se comprometeu a vender-lhe o rés-do-chão, mediante o contrato-promessa.

  35. Sendo que, após a renúncia ao direito de preferência, nos termos do supra melhor referido, o A. sempre praticou todos os atos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, em nome próprio, direito este que sempre entendeu possuir, na convicção de se encontrar a exercer um direito próprio e de não lesar o direito de quem quer, à vista de todas as pessoas e sem oposição de ninguém, pelo que, pública e pacificamente.

  36. ...

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