Acórdão nº 1920/16.6T8FNC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Outubro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA TERESA ALBUQUERQUE |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório: I–D ..., interpôs contra M ..., acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia mutuada em dívida, no montante de € 19.677,00, acrescida de juros legais de mora contados desde a notificação, vencidos e vincendos, sendo aqueles no montante de € 107,81 e, a título subsidiário, caso não proceda o pedido anterior, seja a mesma condenada a restituir-lhe, a título de enriquecimento sem causa, o montante de € 19.677,00.
Alegou para o efeito, e em síntese, que são ambos pais de gémeos nascidos em 1/5/2010 e que, alguns meses após o nascimento dos filhos, concedeu à R. um mútuo, com gratuidade de juros, no montante de € 21.500,00, valor que esta pretendia para adquirir uma viatura marca Hyundai. Para esse efeito, entregou-lhe em 4/10/2010 dois cheques sobre conta sua, que vieram a ser descontados. Com essa quantia e com a de € 3.681,00 correspondente a um veículo “usado” que o concessionário automóvel recebeu em retoma, adquiriu a R. em 08/11/2010 o referido veiculo que inscreveu na sua propriedade. Acordaram A. e R. que o capital do empréstimo seria amortizado em prestações mensais variáveis, conforme as possibilidades financeiras da R., sendo que esta, no período de 21/10/2010 a 04/07/2013, procedeu a amortizações do capital mutuado, tendo pago ao A. em diversas prestações, o montante total de € 1.823,00, nada mais lhe tendo pago desde 04/07/2013, não obstante as suas sucessivas insistências. Explica que atenta a especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a R. não assinou documento a titular o contrato de mútuo e, por isso, «se vier a invocar a invalidade do contrato de mútuo, por falta de forma (art. 1143.º do C.C.), por cautela de patrocínio, a título subsidiário», acrescenta que viu empobrecido o seu património e a R. o viu enriquecido com a aquisição de um veículo novo, mais referindo que sendo certo que «as partes ora litigantes têm dois filhos comuns mas esta deslocação patrimonial nada tem a ver com as despesas normais e correntes próprias da qualidade de progenitores, ou com interesses comuns destes», pois que «o transporte dos filhos era perfeitamente assegurado pela R. se fosse necessário, com o veículo marca Nissan, modelo Micra, que a mesma deu para retoma na aquisição do Hyundai», sendo que a aquisição deste se deve exclusivamente à vontade e decisão desta em ter um carro maior, tem que se concluir que existe uma ausência de causa da deslocação patrimonial operada entre A. e R.
A R. contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando que o A. não lhe emprestou qualquer quantia, antes tendo decidido oferecer-lhe um veículo automóvel, o que fez, após escolher o mesmo.
Foi realizada audiência prévia.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido.
II–Do assim decidido, apelou o A. que concluiu as respectivas alegações do seguinte modo: A)-Ficou provado nos autos que o Autor concedeu à Ré, em outubro de 2010, um mútuo no montante de 21.500 euros.
B)-Ficou também provado que devido à especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a Ré não assinou documento a titular o referido empréstimo.
C)-O artigo 473.º, n.º 2, do Cód. Civil, refere, como hipótese de enriquecimento, a causa finita.
D)-“Tudo o que tenha sido prestado, no contexto de uma união de facto, deve ser restituído, quando esta acabe, caso venha a provocar um enriquecimento de um dos ex-parceiros, à custa do outro”, ensina Menezes Cordeiro.
E)-Verifica-se enriquecimento sem causa quando uma aquisição por um membro da união ocorreu com proveito comum dos dois, numa economia comum de facto.
F)-Verifica-se um enriquecimento patrimonial da Ré à custa do Autor, por aquela ter obtido uma situação de vantagem patrimonial com meios e instrumentos deste.
G)-A figura das obrigações naturais pode emergir de uma situação de união de facto mas não fica preenchida com a contribuição para um carro novo, não indispensável ao transporte dos conviventes.
H)-O montante de 21.500 euros não tem a natureza de despesas normais e correntes ou contribuição indispensável aos encargos do funcionamento da vida em comum das partes.
I)-A Ré adquiriu o 42- - por compra, conforme a fatura n.º T10001360, de 08/11/2010.
J)-A Ré declarou que adquiriu o 42- - por “Contrato verbal de compra e venda” com um concessionário, e não por doação.
K-Finda a relação das partes, e olhando para trás, ficou provada a falta de causa justificativa para a atribuição patrimonial.
L)-A lei vigente não estabelece presunção de intenção de doação entre conviventes.
M)-Materialmente o casamento pressupõe que entre duas pessoas haja a vontade de uma “plena comunhão de vida”. Na união de facto, a vontade de duas pessoas viverem juntas.
N)-A solução jurisprudencial propugnada na sentença recorrida leva a que, no regime da união de facto, em que as partes não quiseram, a priori, partilhar património, em caso de cessação da união, o membro que contribuiu com valores avultados não enquadrados em contribuições ou obrigações naturais dos conviventes, seja privado totalmente dos valores que deslocou para o outro membro.
O)-Ao decidir de outro modo, o aresto recorrido violou o n.º 2 do art. 473.º do Cód. Civil, o n.º 2 do art. 1676.º do mesmo código quando interpretado no sentido que é de aplicação às uniões de facto, bem como o art. 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio.
A R. apresentou contra alegações nelas defendendo o decidido.
III–O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1.-Autor e Ré são pais de um casal de gémeos: B….. e I….., nascidos ambos em 1 de maio de 2010.
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-O A. entregou à R. em 4 de Outubro de 2010 dois cheques sacados sobre a sua conta n.º 266095880009 sediada no Banco …….
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-O primeiro cheque com o n.º 8800934535, no valor de € 10.000,00, foi integralmente preenchido pelo Autor e apresentado a pagamento pela empresa Auto … nesse mesmo dia 4 de Outubro de 2010, tendo os respectivos fundos sido debitados no dia 6 de Outubro de 2010.
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-O segundo cheque com o n.º 4100934551, no valor de € 11.500,00, apenas foi assinado pelo Autor e preenchido à ordem de Auto…. Comércio de Automóveis, Lda, tendo aquele autorizado a Ré ou alguém a seu mando a proceder ao restante preenchimento.
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-O segundo cheque foi preenchido com data de 4 de Outubro de 2010 e os respetivos fundos debitados da conta bancária do Autor no dia 8 de Novembro de 2010.
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-A quantia de € 21.500,00 juntamente com a quantia de € 3.681,00 correspondente a um veículo “usado” que a R. entregou e que o concessionário automóvel recebeu em retoma, foi utilizada para pagamento do veículo automóvel ligeiro de passageiro marca Hyundai, modelo I30 CW, cor cinzento claro, matrícula 42- -, à sociedade comercial “Auto-…. Comércio de Automóveis, Lda”, pelo preço de € 25.181,08.
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-O direito de propriedade sobre o veículo Hyundai 42- - está inscrito a favor da R. desde em 26/11/2010.
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-Actualmente, é a Ré quem possui e conduz o veículo de matrícula 42- -.
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-O A. enviou à R. uma carta datada de 25.01.2015 e recebida em 26.01.2015, da qual consta que “Serve a presente para solicitar o pagamento da dívida de V.Exa no montante de 19.677,00 (dezanove mil seiscentos e setenta e sete euros) no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data da recepção da presente interpelação (…)”.
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-A entrega dos cheques não teve relação com as despesas correntes próprias da qualidade de progenitores.
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-O transporte dos filhos podia ser assegurado pela Ré, se fosse necessário, com o veículo marca Nissan, modelo Micra, cor vermelho, matrícula 99- - .
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-O pai da Ré, enquanto amigo do proprietário da empresa concessionária da Hyundai, obteve um desconto no preço do veículo Hyundai 42- -, no valor de 1652,17 euros.
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-A R. transferiu para uma conta bancária do A.
as seguintes quantias: a)250 euros em 21.10.2010; b)132 euros em 22.10.2010; c)300 euros em 01.02.2011; d)200 euros em 29.04.2011; e)215 euros em 12.04.2012; f)550 euros em 30.10.2012; g)176 euros em 04.07.2013.
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-Em 31.10.2010, o A. transferiu 550 euros para a conta bancária da R..
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-A transferência referida em 13, g) foi efectuada com vista ao pagamento da revisão do veículo Hyundai 42- - adiantado pelo Autor em 28.06.2013.
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-Entre data não concretamente apurada do ano de 2010 e Junho de 2014, A. e R. viveram juntos.
E julgou não provados, os seguintes: A.-Autor e Ré acordaram que a quantia de 21.500 euros seria restituída ao A. em prestações mensais variáveis, sem juros, conforme as possibilidades financeiras da Ré.
B.-A Ré, no período de 21/10/2010 a 04/07/2013, procedeu a amortizações da quantia de 21.500 euros, tendo pago ao Autor diversas prestações, no montante total de € 1.823,00.
C.-Atento a especial relação de confiança que existia entre as partes, decorrente do facto de terem dois filhos em comum, a ora Ré, não assinou documento a titular o empréstimo da quantia de 21.500 euros.
D.-A aquisição do veículo marca Hyundai, modelo I30 CW, matrícula 42- -, pela Ré, deve-se exclusivamente à vontade e decisão desta em ter um carro maior, mais espaçoso, mais potente, mais bonito e mais “vistoso”.
IV–Das conclusões do recurso emerge como questão a apreciar, a de saber se dos factos que se provaram resulta...
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