Acórdão nº 169/13.4TMFUN.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
* I-Relatório: I–A…..
requereu a abertura de inventário em consequência de divórcio, demandando B.....
a quem caberiam as funções de cabeça de casal.
O requerido foi nomeado cabeça de casal vindo a declarar que fora casado com a requerente no regime imperativo da separação de bens pelo que não existiam bens comuns a partilhar.
Opôs-se a requerente do inventário, requerendo que se julgue procedente a excepção do abuso de direito e peticionando que, em consequência, seja determinado que o averbamento n.º 2, de 20-2-2015, ao assento de casamento dos interessados e referente ao regime de separação de bens aposto no referido assento de transcrição do casamento não releve para efeitos de partilha, devendo pautar-se pelo regime supletivo da comunhão de adquiridos.
O requerido respondeu.
Na sequência, veio a ser proferida a seguinte decisão: «Atento o exposto, e à luz das normas legais citadas, não se tendo apurado bens comuns a partilhar há que concluir pela falta de fundamento legal para instauração do presente inventário, determinando-se o arquivamento do mesmo, o que se decide».
Apelou a requerente, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1.-Mesmo que se considere que o regime de bens é o da separação, e por essa razão não se possa afirmar que os bens são comuns, também não pode o tribunal assegurar que esses bens são próprios do requerido pois que nada há nos autos que permita retirar essa conclusão.
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-A aquisição de bens a título oneroso na constância do casamento de acordo com as regras do regime de bens supletivo, sem qualquer menção em contrário, presumem-se comuns.
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-A decisão recorrida é nula nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC, na medida em que o tribunal a quo, ao se pronunciar sobre a matéria referida nas duas conclusões anteriores, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
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-A decisão recorrida é nula nos termos da alínea c) do artigo 615.º do CPC, na medida em que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão.
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-A recorrente considera incorrectamente julgada a matéria do ponto 1.º dos factos provados, supra transcrito.
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-O averbamento n.º 2 foi inserido no assento de transcrição do casamento n.º 415/2013, da Conservatória dos Registos Centrais, em 20/02/2015, como consta na certidão de fls. 87 a 89 dos autos. Nada permite situar o averbamento na data referida na sentença recorrida (20/02/2005).
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-O tribunal a quo, por lapso, tomou como pressuposto que o averbamento para rectificação do regime de bens precedeu o divórcio, a revisão e confirmação de sentença estrangeira e o próprio pedido de partilha quando, na verdade, o que aconteceu, e os documentos invocados demonstram-no claramente, foi precisamente o inverso.
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-Impõem-se, pois, a alteração do ponto 1 dos factos provados, no sentido de aí passar a constar apenas o seguinte: «1.º Encontra-se inscrito na Conservatória dos Registos Centrais que requerente e requerido contraíram, entre si casamento católico em 24 de Novembro de 1979, sem convenção antenupcial, em Pretória, África do Sul.» 9.-Uma vez que o tribunal a quo não considerou a referida factualidade impõem-se a ampliação da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, designadamente no que respeita à apreciação do abuso de direito, considerando-se documentalmente provados os seguintes factos: -Em 05/07/1983, o B..... requereu a transcrição do casamento, junto da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pretória.
-A transcrição do casamento foi precedida do processo preliminar de publicações perante a referida Secção Consular, sem que nada fosse referido ou registado no que respeita à ausência de publicações antes do casamento.
-O casamento foi registado por transcrição na referida Secção Consular em 14/07/1983, nada tendo sido referido na parte destinada à aposição de “Menções Especiais”, ou seja, no respectivo assento não foi feita qualquer menção referente à ausência de processo preliminar que justificasse o regime imperativo de separação de bens, nem foi feita qualquer menção quanto à sujeição do casamento a este regime.
-A Conservatória dos Registos Centrais admitiu a integração do casamento nos respectivos registos em 30/11/1983 (registo n.º 16960), sem suscitar qualquer impedimento de ordem formal.
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-Ainda que o casamento não tivesse sido precedido de processo preliminar de publicações, a transcrição do casamento foi precedida do processo preliminar de publicações perante a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pretória – vide doc. de fls. 102 a 107 dos autos – razão pela qual, em nosso entender, o casamento não se considera submetido ao regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 1720.º do CC.
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-Meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida: Prova documental - docs. de fls. 06 a 10, 87 a 89, 100, 102 a 107, 109 a 113, 199 a 205 e 220 a 234 dos autos; Prova por confissão – vide matéria vertida nos artigos 1º a 3.º do requerimento registado sob o n.º 18938712 e documento de folhas 109 a 113 dos autos.
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-Nas circunstâncias supra descritas, a iniciativa do requerido no sentido rectificar o regime de bens, com exclusivo relevo patrimonial, não pode deixar de ser entendida como instrumentalização dos mecanismos registrais para fins diversos daqueles a que o registo verdadeiramente se destina, revelando a tentativa de, desse modo, obter benefícios decorrentes da indicação tardia do regime de separação de bens, em clara deturpação dos objectivos visados pelo registo civil quanto à definição do estatuto patrimonial dos cônjuges, à sua estabilidade e à protecção das expectativas individuais.
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-Ou seja, o averbamento foi requerido não com o objectivo de proceder à correcção do registo civil mas unicamente como meio de buscar vantagens patrimoniais.
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-Situação expressamente assumida pelo requerido em vários requerimentos juntos quer aos autos de arrolamento quer a estes autos.
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-A ilegitimidade do resultado não poderá deixar de ser apreciada num contexto em que o averbamento foi inserido depois da persistente ausência de qualquer referência ao regime de bens durante um largo período de tempo (mais de 35 anos), numa altura em que o vínculo matrimonial já se encontrava dissolvido há mais de 6 anos e o respectivo processo judicial de partilha instaurado há quase 2 anos.
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-Situação que não tem qualquer correspondência com a actuação dos cônjuges durante todos os 28 anos, 3 meses e 23 dias que durou o casamento, tempo durante o qual a actuação de ambos sempre se pautou pelo regime de comunhão de bens.
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-Donde resulta que, a manter-se o averbamento de rectificação do regime de bens, devem ser restringidos os efeitos de natureza patrimonial que nele se pretendem fundar, por se mostrar substancialmente ilegítima a aplicação retroactiva do regime de separação de bens, em lugar do regime supletivo de comunhão de adquiridos.
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-No caso concreto, a aplicação tardia, apenas na ocasião em que se pretende proceder à partilha dos bens, de um regime patrimonial diverso fere de forma manifesta e intolerável a relação de confiança decorrente do registo civil e do regime jurídico-patrimonial dos cônjuges que, em momento oportuno, ninguém - nem o requerido nem as autoridades civis - se importou em questionar.
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-A extracção, a partir do averbamento, dos resultados normais e com efeitos retroactivos, representa um resultado que afecta, de forma grave e destemperada, o equilíbrio a que tende...
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