Acórdão nº 763/15.9PBAMD.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Janeiro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA GUILHERMINA FREITAS |
Data da Resolução | 12 de Janeiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1.
No âmbito do Proc. n.º 763/15.9PBAMD, a correr termos na Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Inst. Central – 1.ª Secção Criminal , foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, os arguidos J...
, (…); M...
, (…), acusados da prática: - o arguido J..., em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de abuso sexual de menor agravado, em trato sucessivo, previsto e punido pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.ºs 1, al. a), 4, 5, 6 e 7, do Código Penal, de um crime de abuso sexual de menor dependente agravado, em trato sucessivo, previsto e punido pelos artigos 172º, n.º 1, ex vi do art.º 171º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.ºs 1 al. a), e 4, do Código Penal, de dois crimes de violação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º e 164º, n.º 1, alínea a), e 177º, n.º 1, al. a), do Código Penal, - a arguida M..., em autoria material e na forma consumada, de um crime de aborto previsto e punido pelo disposto no art.º 140.º n.º 1, do Cód. Penal.
2.
Não houve lugar à constituição de assistente, nem foi deduzido pedido de indemnização civil.
3.
Realizada a audiência de julgamento, o tribunal colectivo decidiu:
-
Absolver o arguido J...
da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de abuso sexual de menor agravado, em trato sucessivo, previsto e punido pelos artigos 171º, n.ºs 1 e 2, 177º, n.ºs 1, al. a), 4, 5, 6 e 7, do Código Penal, e de dois crimes de violação agravada, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22º, 23º e 164º, n.º 1, alínea a), e 177º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
-
Operando a requalificação jurídica dos factos, condenar o arguido J...
pela prática, em autoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 10 (dez) crimes de abuso sexual de menor dependente, previsto e punido pelos artigos 171º, n.º 1, 172º, n.º 1, 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, por cada crime c) Operando o cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido na pena única de 9 (nove) anos de prisão.
-
Absolver a arguida da prática de um crime de aborto previsto e punido pelo disposto no art.º 140º n.º 1, do Cód. Penal.
-
Condenar arguida M...
, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de aborto previsto e punido pelo disposto no art.º 140º n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
-
Suspender a execução da pena de prisão imposta à arguida pelo período de um ano, nos termos do art.º 50º do Cód. Penal.
4.
Inconformado com a decisão dela recorreu o arguido J...
extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Apesar de envolver os erros ou/e imprecisões anotados pelo presente requerimento de recurso, os factos do acórdão dão indicação segura de que o arguido, que é solteiro, natural de Cabo Verde e veio para Portugal aos 29 anos de idade, deixou em Cabo Verde uma mulher com quem, ao tempo da sua vinda para Portugal, convivia maritalmente e teve 5 filhos e a quem ainda se acha ligado e que ainda tem por SUA COMPANHEIRA verdadeira, por isso que é do acórdão a consideração de que “Com 18 anos constituiu uma relação afetiva com a pessoa que AINDA CONSIDERA SUA COMPANHEIRA e de quem tem cinco filhos. Tem ainda dois filhos de duas relações amorosas esporádicas, antes desta relação marital” (cfr. nº 27 al. e). Sendo que em razão da actualidade e da permanência da ligação marital, que de facto, o ligava a essa companheira não poderia jamais ter ou manter união de facto com outra mulher, designadamente, com a sua co-arguida.
2. Os ditos factos do acórdão também dão indicação segura de que, a certa altura da sua estadia em Portugal, o arguido se ligou efectivamente à sua co-arguida M..., também solteira, com quem veio a ter o filho D... dos autos, que, hoje, já vai nos seus 15 anos de idade. Sendo que, a certa altura da sua relação, os dois e, pelo menos, o filho D... passaram a morar e a conviver na habitação da Rua (xxx). E que, a certa altura, da sua convivência nessa habitação, a sua co-arguida M... mandou buscar e trazer para Portugal e a morar consigo filhos seus nascidos e ainda encontrados em Cabo Verde, de entre os quais, a ofendida A..., nascida no dia 14.10.1998 e filha dela e de uma sua anterior relação afectiva, como os filhos Ma…, Ed… e Es…. 3. Em relação à data do julgamento dos autos e da audiência de 01.06.2016, há a afirmação, segura e categórica, da arguida M...
(com declarações com início pelas 14:53 e o fim pelas 15:27 horas), sobre a cessação das suas relações com o arguido, no sentido de que “EU SEPAREI DESDE QUE EU VOU A CABO VERDE, JÁ TEM 6 ANOS (rot. 0,47 a 1,20).
EU SEPAREI ANTES DE ACONTECER ISSO, EU FOI PARA CABO VERDE, ELE FICOU CHATEADO (…) (rot. 32,30 a 33,29); “SE EU NÃO COMPRAVA CASA JUNTO (…) EU JÁ TINHA SAÍDO (rot. 33,29 a 33,32), ou seja, no sentido de que a ligação afectiva, que um dia a ligara ao arguido J..., terminou há 6 (seis) anos. E que, da sua parte, não há a intenção de vir a retomá-la.
Com a consequência de que, pelo menos, ao tempo dos factos - se não, desde sempre, como é certo - não poderia haver união de facto entre os dois.
4. Enquanto a viver na dita morada da Rua (xxx), a ofendida A…, como qualquer dos seus ditos Ed…, nascido no dia 23.12.1993 (fls 110) e, em meados de 2013, com 19 anos e, actualmente, com 22 anos; Es…, nascido no dia 26.06.1996 (fls 7) e, em meados de 2013, com 17 anos e, actualmente com 20 anos e A...
, nascida no dia 14.10.1998 (fls 11) e, em meados de 2013, com 14 anos e, actualmente, com 17 anos, viveram sob os cuidados directos e imediatos da mãe e arguida M..., mantendo, com o arguido, relação tal que, contra a afirmação do acórdão de que o arguido era o homem da casa e da família, a ofendida Na… afirmou que o arguido “não funcionava como família”; “não dava prendas”; ao filho D… dava tratamento normal, diferente do que aos outros; para as suas saídas não pedia e nem seguia a opinião do arguido era a mãe que comprava comida para a casa (ver rot. 13,10 a 15,00); a testemunha I… (rot. 10:16 a 10: 55) afirmou que o arguido “não dá beijinhos, não faz festinhas, nada, prendas de natal nada” (sic), sendo em casa e em relação a si pessoa indiferente e o Ed… afirmou que “tratava o J... como um estranho” (ver rot. 15:36 a 16:14).
5. Na situação exposta é de afirmar, contra a relação de confiança para educação e assistência; de dependência e de afinidade suposta pelo acórdão, que não há e nem nunca houve e nem foi assumido pelo arguido, confiança da ofendida ou de qualquer dos seus irmãos I..., Ed… e Es…, para educação ou assistência e nem relação de dependência e/ou, especialmente, relação de afinidade entre eles, de resto, estranhamente, recusada reconhecer, pelo tribunal, quanto ao interrogatório preliminar da ofendida A... e de qualquer das testemunhas I..., Ed... e Es... relativo a ligação ao arguido que, nos termos do artº 134º, poderia fundar a sua recusa a depor.
6. O tipo penal em que artº 172º nº 1 Código Penal, sob a epígrafe abuso sexual de menor dependente se traduz, supõe que a ofendida, com idade entre 14 e 18 anos, se encontre na situação de confiança ao agente, para o fim da sua educação ou de assistência. E se é certo que a ofendida A..., hoje com 17 anos, tem idade compreendida entre os 14 e os 18 anos, todavia sucede, que, na relação entre si e o arguido, falta, de todo, a dita situação de confiança ao agente, para o fim da sua educação ou de assistência.
Como falta a relação de afinidade afirmada pelo acórdão.
7. O estabelecimento de analogia entre a situação de coabitação entre o arguido e a arguida M... e os seus filhos, de entre os quais A..., para o efeito de afirmação da confiança da ofendida ao arguida para educação ou assistência entre os dois e o encaixamento da situação no tipo penal do artº 172º nº 1 CP, é contrário ao princípio da legalidade do artº 1º CP e envolve a violação do artº 29º nº 1 da Constituição, e, com essa interpretação, a inconstitucionalidade do artº 172º nº 1 CP. É que, como resulta do acórdão do STJ citado que “Para integrar o elemento típico da "confiança do menor para educação e assistência", a que se refere o artigo 173º do CPenal (actual artº 172º CP), não é de subscrever a tese de que deverão existir, por parte do agente, o "tratamento e a reputação", elementos da posse de estado previstos nas presunções de paternidade - artigos 1831º, n.º1, parte final, e n.º 2, 1871º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Civil - pois seria lançar mão de elementos aleatórios, gizados para institutos completamente diferentes. (…) a relação de dependência não se pode extrair do facto de a mulher do arguido ter sido nomeada tutora da menor de 14 anos, sua irmã e ofendida com as relações sexuais, nem de passar a integrar o agregado familiar da tutelada e também cunhada, porquanto o arguido não detém o poder paternal, não participa na tutela, nem partilhava nenhum poder/dever jurídico de educação ou assistência da menor. A "confiança" tem de provir da lei, de sentença ou de um acto (contrato ou outro negócio jurídico) em que manifestamente tenha nascido esse dever de educação ou assistência. Daí que suscite a dita inconstitucionalidade, com o natural pedido de absolvição do arguido.
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O estabelecimento de analogia entre a situação do arguido e da arguida M... a situação de casamento, para o efeito de afirmação da afinidade entre os dois e o encaixamento da situação na agravante modificativa do artº 177º nº 1 al.
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CP, é contrário ao princípio da legalidade do artº 1º CP e envolve a violação do artº 29º nº 1 da Constituição, e, com essa interpretação, a inconstitucionalidade do artº 177º nº 1 al. a) CP, que suscita, com o natural pedido de absolvição do arguido.
Mas, para o caso de assim se não entender, é de ver que 9. Sendo o arguido acusado por “(…) um crime de abuso...
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