Acórdão nº 5/11.6IDFUN.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução17 de Janeiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: 1.-No âmbito do processo nº 5/11.6IDFUN, da Comarca da Madeira - Funchal - Inst. Local - Secção Criminal – J1, o MºPº acusou as arguidas " TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e " BCU, Lda", pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido, pelo disposto pelos arts. 103°, e 104°, n.°s 1 e 2, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção dada pela Lei n.° 15/2001, de 05/06, aplicável, à data da prática dos factos), a que corresponde uma pena abstracta de prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1 200 dias para as pessoas colectivas.

Por decisão de 6.02.16, o Mmº juiz a quo declarou extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal instaurado contra a arguida "TCO Lda", actualmente, "CT,SA", e "BCU, Lda". * Inconformado com a decisão, dela veio recorrer o Digno Magistrado do MºPº, formulando no termo da respectiva motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1.-A decisão ora sob recurso proferida de fls. 453 a 461 não é salvo o devido respeito e melhor opinião, uma decisão correcta do ponto de vista legal pois assenta numa errónea interpretação do disposto nos arts. 103°, 104°, n.° 2 e 21°, nºs. 1 e 2, todos do R.G.I.T., e dos arts. 118° e 119°, n° 1, do Código Penal, quer quanto ao momento em que o Tribunal recorrido considerou consumados os crimes imputados às sociedades arguidas, quer quanto à mensuração do prazo prescricional aplicável aos factos e crime sob análise.

  1. -Salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada não se consuma no dia da emissão das facturas, tal como se entendeu no despacho recorrido.

  2. -Com efeito, tratando-se de uma factura falsa, terá de aceitar-se necessariamente como desconhecida a data da sua emissão. O facto de na factura constar uma data não garante, dada a natureza do referido do documento e o contexto em que foi emitido, que a mesma tenha sido emitida nessa altura. A este título, relembre-se que as facturas "falsas" têm como objectivo reduzir o montante de imposto a pagar num determinado período, pelo que, o normal será que as mesmas sejam sempre emitidas com uma data de "conveniência".

  3. -Nesta linha de pensamento, convocamos desde logo um exemplo teórico, com correspondência em muitas situações reais, segundo o qual uma determinada sociedade apenas apresenta a declaração de I.R.C. referente ao ano de 2004 no ano de 2008. Quem pode garantir, nestas condições, que a data da factura "falsa" verificada (referente ao ano de 2004) é correspondente à que foi, efectivamente, emitida e não em data posterior? Quem garante (como frequentemente sucede) que a sociedade declarante, ao aperceber-se que teria de pagar imposto referente ao período da declaração, não a obtém apenas nessa altura mas datada de 2004? Poder-se-á dizer que o crime se consuma na data constante da factura? 5.-Por outro lado, temos ainda a seguinte evidência que contraria contundentemente a tese segundo a qual o momento da consumação do crime em causa corresponde à data aposta nas facturas como sendo a da sua emissão, e que é precisamente o facto de alguém ter uma factura falsa na sua posse não ser suficiente, só por si, para demonstrar que tal pessoa tivesse como objectivo a prática do crime de fraude fiscal qualificada ou qualquer outro.

  4. -Poderá também acontecer que uma determinada sociedade (ou empresário em nome individual), embora tenha na sua posse uma factura "falsa", não a declara nem na declaração de I.V.A. respeitante ao período a que corresponde a data da factura nem, posteriormente, na declaração de I.R.C. do ano em referência. Será possível afirmar, neste caso, que o crime se encontra consumado? É possível demonstrar que o detentor da factura tinha intenção de lesar patrimonialmente o Estado? É nosso entendimento que não, desde logo pelo obstáculo intransponível que seria a impossibilidade de demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.

  5. -A tudo isto acresce que o tipo legal em causa exige a utilização de facturas, não se bastando com a mera detenção das mesmas pelo sujeito passivo, utilização essa que, se terá de concluir, há-de ser quando as mesmas são declaradas à Administração Tributária.

  6. -Na verdade, o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo em I.R.S. (momento em que se tornam relevantes) e isto antes e independentemente da produção do resultado pretendido mas já com uma actuação objectivamente apta a produzir esse resultado e a demonstrar a intenção de obtenção de vantagem patrimonial indevida.

  7. -E mais assim se mostra ser se aceitarmos que a vantagem patrimonial (superior a 15.000,00€) é um elemento típico para a verificação do crime que terá de ser objectivável e isso só pode acontecer depois de apresentada a respectiva declaração.

  8. -Pelo exposto, entendemos que o crime de fraude fiscal qualificada terá necessariamente de se consumir apenas e só quando tais facturas são inseridas nas respectivas declarações à Autoridade Tributária, quer seja em sede de I.V.A., quer seja em sede de I.R.C. ou mesmo de I.R.S.

  9. -No caso dos autos, os crimes de fraude fiscal qualificada imputados às sociedades arguidas referem-se a declarações de I.V.A. e I.R.C.. No concernente ao I.V.A. estão em causa as declarações dos meses de Março, Junho e Setembro de 2006, que são entregues até ao 10° ou 15° dia do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações fiscalmente relevantes respectivas, ou, nalguns casos, e como sucede no dos presentes autos, através da entrega mensal de cada declaração periódica no final de cada mês de operações (cfr. art. 42° n° 1, alíneas a) e b), e n°2, do Código do I.VA. e os arts. l°e 6°da acusação pública). No respeitante ao I.R.C. está em causa a declaração referente ao exercício do ano de 2006, sendo certo que as declarações de I.R.C. são, nos termos da lei, entregues até ao último dia do mês de maio do ano seguinte a que diga respeito (cfr. art. 120° C.I.R.C.), tendo no caso vertente a declaração em causa sido entregue a 23 de Maio de 2007 (cfr. fls. 382 dos presentes autos).

  10. -Sem prejuízo do que fica dito, devemos todavia esclarecer que, dadas as particularidades acima expostas quanto ao regime de I.V.A. a que estava sujeita a sociedade arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA" (cfr. art. 42° n° l, alíneas a) e b), e n°2, do Código do I.V.A. e os arts. l°e 6° da acusação pública), e tendo em consideração que os crimes de fraude fiscal em sede de I.V.A. ora apreciados dizem respeito às declarações desta sociedade (embora as mesmas declarações determinem, paralelamente, a imputação dos mesmos crimes à sociedade arguida "BCU, Lda"), concordamos com a conclusão a que chegou o Tribunal recorrido quanto ao momento da consumação destes crimes (fraudes fiscais qualificadas em sede de 1. V.A.) pois, aqui, a data das facturas coincide com os meses em que foram feitas as declarações periódicas mensais de I.V.A. por banda da sociedade arguida "TCO Lda", actualmente, " CT, SA".

  11. -Isto para dizer que, no caso vertente, e em termos práticos, apenas ressalta dos autos a nossa divergência, perante o conteúdo do despacho recorrido, entre a data da consumação dos crimes de fraude fiscal qualificada imputados às sociedades arguidas "TCO Ld°", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda", em sede de I.R.C. (por referência à declaração de J.R.C. respeitante ao exercício de 2006 apresentada pela sociedade arguida "TCO fida", actualmente, "CT, SA",).

  12. -Daqui decorre, portanto, que sendo a data da consumação dos crimes de fraude fiscal qualificada em sede de I.R.C. imputados às duas sociedades arguidas na acusação pública, a nosso ver, o dia 23 de Maio de 2007 (por corresponder à data da entrega, por banda da sociedade arguida "TCO Ld°", actualmente," CT, SA", da sua declaração de L R C. referente ao exercício de 2006 -cfr. fs. 382 destes autos) a data de prescrição de tais ilícitos penais em concreto, e contabilizando o prazo aplicável de 10 anos (como infra se demonstrará), apenas ocorrerá, sem prejuízo das causas interruptivas ou suspensivas da prescrição que eventual tenham ocorrido ou venham a ocorrer, a 23 de Maio de 2017, ou seja 10 anos depois da data tida com a da consumação dos crimes em foco (fraudes fiscais qualificadas em sede de 1. R.C.).

  13. -Posto tudo isto, e ainda que não se acompanhe a nossa posição vinda de expor quanto ao momento de consumação/cometimento do crime de fraude fiscal qualificada na sua modalidade em análise nestes autos, sempre se dirá que o prazo de prescrição aplicável aos factos e aos crimes ora sob apreciação é, nos termos do disposto, conjuntamente, nos arts. 21°, 103° e 104° do R.G.I.T. e 118° e 119° do Código Penal, de 10 anos, o que significa que, mesmo admitindo que os crimes sob evidência se consumam nas datas apostas nas facturas, e com a simples elaboração das mesmas (o que no caso dos autos se reportará a 24/03/2006, 30/06/2006 e 30/09/2006 - quer no concernente às fraudes fiscais qualificadas referentes ao A. quer nas referentes ao LR.C.), o prazo de prescrição relativamente aos crimes imputados às sociedades arguidas acima mencionadas ainda não se verificou (pois ainda não decorreram 10 anos desde a data aposta nas facturas, o que só acontecerá em 24/03/2016, 30/06/2016 e 30/09/2016) pelo que não podia o Tribunal recorrido ter, como fez, declarado a prescrição dos mesmos e a extinção, nesta parte, do procedimento criminal.

  14. -Como resulta do despacho recorrido, estão em causa quatro crimes de fraude fiscal qualificada, previstos e punidos pelos arts. 103° e 104°, n° 2 do R.G.I.T., imputáveis às sociedades arguidas "TCO Lda", actualmente, " CT, SA", e "BCU, Lda" (sendo, em rigor, imputados a cada uma delas...

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