Acórdão nº 716/15.7PCAMD.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA GRA
Data da Resolução08 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

*** I–Relatório: Em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, o arguido L.N.S., filho de ARS e de DS, nascido em 21/6/1975, na Ilha de ………., República de Cabo Verde, casado, padeiro, residente na Rua ………………, Alfornelos, Amadora, titular do passaporte n.º J……8, emitido pelo Consulado de Cabo Verde em Lisboa, válido até 28.04.2019, foi: -Absolvido de um crime de violência doméstica, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 152º/ 1- a), e 2, do Código Penal, e de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º/1- d), e 2, do CP; -Absolvido do pedido de indemnização civil contra ele deduzido; -Condenado pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º/ 1- c), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

*** O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem: «1-O arguido vinha acusado da prática de dois crimes de violência doméstica e de um crime de detenção de arma proibida. Por sentença de 03 de Junho de 2016 foi absolvido dos crimes de violência doméstica e condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida. Recorreu da decisão e o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28/09/2016, decidiu declarar a sentença nula por falta de fundamentação de facto, determinando a devolução dos autos ao Tribunal recorrido para sanação da nulidade. Por acórdão de 28/09/2016, o Tribunal de 1a instância veio a proferir nova decisão, mantendo tanto a condenação do arguido pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida como a pena aplicada. Por continuar a discordar da decisão condenatória, o arguido insiste no recurso da mesma, com os mesmos fundamentos, de facto e de direito.

2-Para a decisão condenatória, o Tribunal recorrido deu por provado que “no dia 22 de Outubro ...o arguido detinha no interior da residência ... uma espingarda de marca P. Beretta A 384, ... uma arma de alarme susceptível de ser transformada em arma de fogo, cinco munições calibre 12 e duas munições de calibre 4.5".

3-Tendo fundado a sua decisão condenatória sobretudo nos depoimentos dos agentes da PSP, as testemunhas , MVG, BDH, NAS e NGR, depoimentos que considerou seguros, verosímeis e credíveis.

4-Não está em causa a segurança, o rigor e a credibilidade de tais testemunhos. Do que se discorda, com o presente recurso, é que deles se possa concluir, como o faz a sentença recorrida, que era o arguido quem detinha ou quem estava na posse das armas e das munições encontras no interior da casa em que residia com a esposa e alegada vítima (SSP) e com dois filhos, adultos, desta.

5-Sentido em que considera incorrectamente julgados os factos numerados em 9), alíneas a), b), c) e d), 10) e 11), dos factos que, em sede de fundamentação de facto, a sentença recorrida deu por provados.

6-Das provas dos autos, em particular dos depoimentos em julgamento das mencionadas testemunhas, não é possível retirar que o arguido detinha as armas e as munições em apreço.

7-Como se alcança dos respectivos depoimentos, os agentes da PSP não averiguaram, nem na altura nem posteriormente, a quem pertenciam as armas e as munições. Apenas um deles, o agente NAS Santos, referiu que foi o próprio arguido, quando lhe perguntou se tinha algo de ilícito, que terá dito que tinha armas de fogo na habitação e que terá indicado que estariam acondicionadas no piso inferior. Contudo, a instância do defensor, quando lhe perguntou se o arguido afirmara que as armas eram dele, respondeu “isso a mim não me disse ... não disse se eram dele se eram de alguém ... já não lhe sei dizer". Os restantes agentes nada souberam esclarecer sobre a questão de saber de quem eram ou quem detinha as armas em causa.

8-Como as referidas testemunhas disseram, soube-se das armas de fogo (apenas) porque essa informação foi comunicada pela alegada vítima, sendo que esta, optando pelo direito ao silêncio, não prestou declarações em audiência de julgamento.

9-Acresce que, como provado, na habitação onde foram encontradas as armas e as munições residiam, para além do arguido e da vítima, mais três adultos, com cerca de 20 / 21 anos de idade, justamente dois filhos de SSP , um do sexo masculino e outro do sexo feminino, sendo que aquele residia na casa juntamente com a companheira.

19-Como a própria decisão recorrida reconhece é controverso e no mínimo duvidoso, sob pena de ofensa das garantias de defesa de que beneficia, que possa ser valorada a indicação, informal, que o arguido alegadamente terá dado ao agente da PSP NAS, de que tinha armas de fogo no interior da habitação. O mesmo se diga em relação a idêntica indicação, alegadamente comunicada aos agentes da PSP, ou a algum deles, pela vítima SSP . Não estando aqui em causa as garantias acima referidas, está porém em questão a proibição de serem valoradas provas não produzidas ou examinadas em audiência de julgamento, a que acresce a circunstância de, sem a confirmação da própria, que optou pelo silêncio, o testemunho sobre tal indicação revestir o caracter de um depoimento indirecto, de um “ouvir dizer” que, podendo embora constituir-se como elemento de prova, não se constitui porém como elemento probatório suficientemente credível para sustentar uma decisão condenatória.

20-Daí que, contrariamente à decisão recorrida, se insista no entendimento de que, da prova produzida, não é possível concluir-se que as armas e as munições apreendidas pertenciam ao arguido.

21-Assim afastado o elemento objectivo do tipo (do crime de detenção de arma proibida) afastado fica igualmente o seu elemento subjectivo. Não tendo resultado provado que o arguido detinha armas, deixa de haver lugar para se equacionar se tinha consciência da ilicitude do acto ou se a detenção correspondia ou não a um acto voluntário.

22-A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 127° e 374°, n.° 2, do CPP, bem como o disposto no artigo 86°, n.° 1 - c), da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro.

23-Sendo uma das vertentes do princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32°, n.° 1, da CRP, a sentença recorrida violou ainda essa disposição constitucional bem como o princípio in dúbio pro reo.

Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o sábio suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser aceite e julgado procedente, sendo a sentença do Tribunal a quo substituída por uma outra que absolva o arguido, ora recorrente, do crime de detenção de arma proibida».

*** Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso.

*** Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta acompanhou a contra-motivação.

*** II–Questões a decidir: Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).

A questão colocada pelo recorrente é a impugnação dos pontos 9), alíneas a), b), c) e d), 10) e 11), da matéria de facto provada, ou seja, da propriedade da arma por posse da qual foi condenado.

*** *** III–Fundamentação de facto: Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos: 1–O arguido e a ofendida iniciaram uma relação análoga à dos cônjuges e casaram em datas concretamente não apuradas, partilhando cama, mesa e habitação na residência sita na Rua ……………., Alfornelos, Amadora.

2–Da referida união nasceram MKS e ZZS.

3–No dia de 22 de Outubro de 2015, em circunstâncias concretamente não apuradas, SSP sofreu traumatismo crânio-encefálico e do membro superior esquerdo, despigmentação cutânea desde o cotovelo até ao punho na face posterior do antebraço esquerdo e cicatriz permanente no antebraço.

4–Tais lesões determinaram 15 dias de doença para SSP , todos eles com afectação da capacidade para o trabalho geral.

5–Na data e circunstâncias referidas em 3.º, ZZS sofreu traumatismo da região frontal esquerda, área de despigmentação cutânea na região frontal direita, irregular mas de formato grosseiramente quadrangular, com 1x1 cm de maiores dimensões e cicatriz permanente na referida região frontal.

6–Tais lesões determinaram 10 dias de doença para o ofendido.

7–A PSP foi chamada ao local e entrou na residência, onde encontrou bilhas de gás abertas.

8–O arguido encontrava-se a dormir no sofá da sala de estar, tendo ao seu lado um maçarico.

9–No dia 22 de Outubro de 2015, pelas 16 horas e 10 minutos, o arguido detinha no interior da residência sita na Rua…………., Alfornelos, Amadora: a)-Uma espingarda de marca "P. Beretta A384", registada em nome de ACF que se encontrava num armário; b)-Uma arma de alarme susceptível de, com uma pequena intervenção mecânica, ser transformada em arma de fogo, que se encontrava num bolso de um casaco; c)-Cinco munições calibre 12; d)-Duas munições de calibre 4.5.

10–O arguido sabia que não estava autorizado a deter na sua posse as armas e munições descritas no número anterior e mesmo assim não se coibiu de as deter, bem sabendo que, constituem arma proibida e que a sua detenção o faria incorrer em ilícito criminal.

11–Agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

12–O arguido não regista antecedentes criminais.

13–Neste processo o arguido esteve sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 23.10.2015 até 25.05.2016, no Estabelecimento Prisional de Caxias.

14–O arguido nasceu em Cabo Verde, num agregado constituído pelos progenitores e cinco irmãos germanos. O seu progenitor teria, de anteriores relacionamentos em Cabo Verde, quinze irmãos consanguíneos dos quais só manteve contacto com dois irmãos.

15–Quando tinha 3 meses de idade, o arguido veio para Portugal na companhia da sua progenitora, onde já se encontrava o seu pai e o seu...

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