Acórdão nº 572/07.9GALNH-B.L1-09 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo de Competência Genérica da Lourinhã, por despacho de 11/04/2016, constante de fls. 29/32, ao Arg.

[1] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2] de fls. 3[3]), foi determinado o cumprimento da pena de prisão que havia sido substituída por uma pena de PTFC[4], nos seguintes termos: “… I. Por sentença de fls. 440-473, foi o arguido XXX condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. p. pelos arts. 203.º e 204.º/1, al. f), ambos do CP na pena de UM ANO e DEZ MESES DE PRISÃO, substituída por 480 horas de trabalho em favor da comunidade.

Conjecturando-se da necessidade de revogação da pena de substituição, foi realizada audiência para tomar declarações ao arguido na presença da técnica da DGRSP que acompanhou a implementação do trabalho em favor da comunidade, a que o condenado não compareceu, nem apresentou qualquer justificação.

O Ministério Público foi ouvido, posicionando-se pela execução da pena principal, e, depois de declarada a nulidade do despacho de fls. 920-921 (porque desrespeitado o direito a contraditório de que goza o arguido – cfr. fls. 938 e 935-936), foi notificada a defesa para que se pronunciasse, que apresentou a peça de fls. 952-954.

  1. Com a sua pronúncia sobre o parecer do Ministério Público a propósito da revogabilidade da pena de substituição, o arguido veio colocar uma nova questão, suscitando nulidade insanável do procedimento que agora corre termos, afirmando ter ocorrido violação do art. 495.º/2 do CPP (na interpretação que lhe atribui a I. defensora), ex vi art. 498.º/3 do mesmo diploma, no que afirma que o acto se acha viciado por a audiência para aquisição de prova referente à revogabilidade da pena de substituição ter sido realizada sem a presença do arguido, que a ela faltou, atribuindo-lhe com esse fundamento o vício patenteado no art. 119.º/1, al. c) do CPP.

    No essencial e tomando precedência sobre as demais questões, entende a defesa que o art. 495.º/2 do CPP (ex vi art. 498.º/3 do mesmo diploma) impõe a presença do arguido na audiência e, se à mesma o condenado não comparece, impõe-se que o tribunal assegure a sua presença, sob pena de incorrer na apontada nulidade.

    O Ministério Público foi ouvido sobre esta nova questão, tomando parte no sentido que a nulidade insanável se não verifica (cfr. fls. 957).

    2.1. Ora, sobre a presença do arguido em actos no domínio do processo criminal, estabelece o art. 32.º/6 da Constituição da República que a Lei estabelece os casos em que a mesma pode ser prescindida, coroando o due process of law (art. 32.º/1 da Lei Fundamental) com uma segurança normativa acrescida e integrando no elenco de direitos, liberdades e garantias do arguido o direito a estar presente em actos judiciais que lhe digam respeito.

    Assim, constitui um princípio geral que, em actos que lhe digam respeito e que possam afectar a sua posição, material ou processualmente, o arguido goza do direito a estar presente, daí derivando, necessariamente, o direito a ser ouvido presencialmente e a participar na instrução probatória do processo, concorrendo as suas declarações à formação de uma convicção sobre as questões factuais que estejam colocadas e de que a decisão depende (direito que acolhe manifestação positivada no art. 61.º/1, als. a) e b) do CPP), representando excepções os casos em que os actos podem ser praticados na sua ausência, que dependem, não apenas de Lei expressa capacitante, mas também de um interesse com referência Constitucional que autorize essa solução legislativa, com obediência a critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, (cfr. art. 18.º/3 da Constituição da República).

    Nos casos em que se coloque a possibilidade de revogação da pena de substituição (e, implicitamente, a execução de uma pena principal que constituirá uma medida mais intrusiva na esfera pessoal do condenado – cfr. arts. 56.º/2 e 59.º/2, ambos do CPP) a Lei oferece continuidade e densidade a este regime legal e Constitucional, impondo a convocação do arguido a juízo para ser ouvido e, não apenas isso, ainda como corolário deste princípio normativo, que certos elementos centrais de prova respeitantes a essa matéria se adquiram nos autos na sua presença (cfr. art. 495.º/2 do CPP, ex vi art. 498.º/3 do CPP, atendendo a que à DGRSP cabe a fiscalização do regime de prova e, bem assim, do trabalho comunitário, ambas medidas substitutivas da pena de prisão que aí se conjectura, sendo as informações decorrentes da audição do respectivo técnico, naturalmente, um elemento de charneira na formulação de um juízo – cfr. arts. 494.º e 496.º, ambos do CPP).

    2.2. Está bom de ver, em todas estas situações que acima elencámos falamos de direitos de processo do arguido, não de obrigações (rectius, deveres jurídicos) e tanto menos de exigências formais dos actos de processo em causa.

    São coisas diferentes dizer-se que uma decisão pode ser tomada e afectar a posição do arguido prescindindo da sua participação probatória, caso pretenda realizá-la, ou do seu direito a contraditório (dito de outro modo, sem que seja ouvido), encurtando o alcance do direito fundamental especificamente acolhido no art. 32.º/6 da Constituição da República (exemplos de autorização legal para que assim se proceda será, por exemplo, a definição do estatuto coactivo, cfr. art. 104.º/4, 1.ª parte, do CPP ou a supressão de consentimento para fiscalização electrónica, cfr. art. 36.º/7 da Lei n.º 112/2009 de 16.09) ou afirmar-se que, num processo ou procedimento em que a audiência do arguido é obrigatória, a sua não-comparência injustificada não obsta a que se produza decisão, que é o caso que aqui se coloca e que afasta a nulidade avocada pela defesa.

    De facto, relembremos que, ao longo de todo o processo criminal (que inclui a fase de execução da pena, que agora se percorre), o arguido goza do direito a não participar na sua incriminação, daí derivando o seu direito ao silêncio (nemo tenetur se ipsum acusare – decorrente do art. 32.º/1 da Constituição da República e acolhido na Lei infraconstitucional, designadamente, no art. 61.º/1, al. d) do CPP), pelo que pode ele, estatuindo a Lei a obrigatoriedade da sua audição, escolher estar presente e não prestar declarações (i), estar presente e remeter-se ao silêncio totalmente (ii), estar presente, responder a algumas perguntas e, a outras, não (art. 345.º/1, parte final, do CPP) (iii) ou, ainda e também, pode o arguido, pura e simplesmente, não estar presente na audiência que se destinaria (para além do mais que ao processo interessa) a ouvi-lo (iv) sobre a questão decidenda, acto que equivale, in materia, à recusa pelo arguido de toda e qualquer colaboração com o processo, opção que lhe é perfeitamente lícita e que, em qualquer caso e quanto a nós, não poderá ser mobilizada em seu desabono na apreciação dos factos que ao tribunal caiba.

    Qualquer uma destas opções constitui uma estratégia de defesa perfeitamente legítima, a ausência a audiência que o arguido decida empreender insere-se no espaço amplo de defesa que lhe é concedido por Lei e poderá visar, entre muitas outras possibilidades, efectivar uma recusa na colaboração em diligências de prova autonomizáveis, designadamente, v. g., acareações (art. 146.º do CPP), reconstituições (art. 150.º do CPP), exames (art. 171.º do CPP) ou, durante a produção de depoimentos, impedir que os depoentes o possam observar ou confirmar a autenticidade da sua presença no evento submetido a julgamento.

    Todos estes actos se inserem nas suas prerrogativas de defesa, o arguido não tem que, obedientemente, deslocar-se a tribunal para afirmar solenemente a denegação da sua colaboração com o processo, resistindo à pressão de ser confrontado com outros sujeitos de processo, todos eles são absolutamente legítimos e não pode essa tomada de posição ser convocada em desabono do acusado (ou condenado) na apreciação de prova, designadamente o non liquet que resulte dessa falta de cooperação.

    Em todos estes casos, rematamos, é impassível de transportação para o processo penal a norma que deriva do art. 417.º/2 do NCPC, que insere num espaço de liberdade valorativa comportamentos semelhantes das partes em processo civil, para efeitos de formação de uma convicção pelo tribunal.

    E se, também em todas estas situações, o tribunal pode, entendendo necessário à decisão de facto, impor um cerceamento à liberdade ambulatória do arguido, obtendo coercivamente, mediante detenção e condução a juízo, a sua comparência em tribunal (cfr. art. 333.º/1 e art. 116.º/2, ambos do CPP), a intrusão nesse direito constituirá, sempre, a excepção, porque especificamente autorizada por um juízo que o presidente do tribunal formulará (cfr. art. 333.º/1, parte final e 2, do CPP), nunca a regra.

    Impor a detenção e condução do arguido a audiência (por outras palavras, sujeitando-o a uma privação de liberdade) sem outro fundamento que não fosse ouvi-lo dizer que recusa falar sobre os factos que lhe são imputados (acto que fica implícito pela não-comparência injustificada e que a ela equivale) ou que a audiência em causa em nada lhe interessa e recusa colaborar nela, não oferece, em medida nenhuma, tributo ao conceptual de processo justo e equitativo, representando nada mais que uma ingerência na sua liberdade ambulatória frívola e inútil, sem apoio num interesse constitucionalmente acolhido e, como tal, abusiva, porque destituída de referente legitimador (cfr. art. 18.º/3 da Constituição da República).

    Aqui chegados, concluímos que não se verifica a apontada nulidade: a audiência a que se refere o art. 495.º/2 do CPP, ex vi art. 498.º/3 do mesmo diploma, foi agendada, o arguido foi para ela validamente convocado e a sua ausência acha-se destituída de justificação, pelo que não há fundamento para que se digam atingidos os seus direitos de defesa.

    Tivesse o tribunal omitido a convocação de audiência ou se a...

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