Acórdão nº 490/14.TBTVD.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução21 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: MARIA ... ... ...

(casada, residente na Rua F... L... H... M..., n.º..., Barro, em ...) intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra JOSÉ ... ...

(casado, residente na Calçada Q... N..., n.º..., R/C, S... V..., ..., em ...), pedindo que fosse declarado nulo ou, se assim se não entendesse, anulado o testamento de António ..., lavrado em 01/10/2012 e referido no artigo 6.º da petição inicial, com todas as consequências legais.

Para tanto, alegou, em síntese, que: -No dia 2 de Abril de 2013, faleceu António ..., com 90 anos de idade, conforme assento de óbito nº 314 do ano de 2013; -O falecido António ..., faleceu no estado de viúvo, sem ascendentes, mas com descendentes, a saber, a ora A., Maria ... da Paz ... ..., Joaquim da Paz ... e, António da Paz ...; -Após a morte de António ..., o R. apareceu com um testamento, lavrado em 1/10/2012, no Hospital Distrital de ..., onde aquele esteve internado; -O referido testamento foi lavrado pela Notária Ana Rita ... ... ... ..., no referido Hospital e, no qual o testador, instituiu o R., herdeiro da quota disponível; -Esse testamento, porém, é nulo, ou pelo menos anulável e não traduz a vontade do testador, que não tinha então capacidade para querer e entender o alcance desse acto, nem sequer para se exprimir, que não ditou os termos constantes do testamento; -Limitando-se, já com muita dificuldade, a assinar o mesmo de uma forma já muito debilitada, o que desde logo é visível pela sua letra constante do supra referido testamento; -De facto, a análise da assinatura aposta no testamento revela um traçado bem diferente das assinaturas do testador, conforme se verifica nos contratos de prestação de serviços – apoio domiciliário e aditamentos, que junta; -Com efeito, o testador, desde há alguns anos, pelo menos desde 2010, que levava uma vida muito leviana, com almoços, jantares e convívios com vários amigos, onde se incluía tanto o beneficiário do testamento, como as testemunhas do mesmo; -Todos estas “festas” eram regadas com muito álcool, levando a constantes entradas no serviço de urgência, acabando o testador por ficar internado em alguns episódios; -O testador, que em tempos era uma pessoa muito organizada e cuidadosa, desinteressou-se completamente pelas suas coisas; -No dia da outorga do testamento, o testador estava internado no referido Hospital, tendo as testemunhas solicitado a comparência da Notária para redigir o testamento em questão; -No referido testamento não interveio qualquer médico; -O testador contava já com 90 anos de idade e, não foi submetido a qualquer exame às suas faculdades mentais, que obviamente, a realizar-se, teria revelado a sua falta de sanidade mental; -Tendo sido já internado com o diagnóstico de AVC; -O testador estava incapaz de reger a sua pessoa e bens, que passaram a ser “administrados” pelo Réu, que se auto intitulava por seu “neto” por ter sido casado com uma neta do testador; -O Réu vivia com o testador há 3 anos, convencendo este último a dar maus tratos a um filho, António da Paz ..., que acabou por ser internado com graves problemas psicológicos, que assistiu à degradação do testador; -Como toda a vizinhança sabia perfeitamente; -A A. só tomou conhecimento do testamento em questão após a morte do testador, quando o R., na noite seguinte ao enterro, apareceu com ele perante a surpresa de todos; -Que bem sabiam que o mesmo não se encontrava em condições de celebrar tal testamento na data em que este foi feito; -Deste modo, o testamento em questão é nulo, ou se assim não se entender, anulável; -É nulo o testamento em que o testador não tenha exprimido cumprida e claramente a sua vontade, assim dispõe o art. 2180º do Cód. Civil; -Nos termos do art. 2199º do Cód. Civil, “é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade, por qualquer causa, ainda que transitória”; -A afirmação feita pela Notária no instrumento de que este foi lido e explicado em voz alta ao testador, na presença de todos os intervenientes, não fornece qualquer prova de que o testador se encontrava em condições de testar, ou seja, que o testador estava com capacidade de entender o sentido da sua declaração e que tinha o livre exercício da sua vontade.

O Réu foi regularmente citado, mas não contestou (rectius, não apresentou contestação dentro do prazo de que dispunha para o fazer, só o tendo feito já muito depois de transcorrido tal prazo, razão pela qual a Contestação que apresentou foi mandada desentranhar dos autos, por Despacho proferido em 25/01/2016 contra o qual ele não reagiu tempestivamente).

Por Despacho proferido em 30/04/2015, o tribunal considerou confessados os factos articulados pela A. na sua petição inicial (ao abrigo do disposto no artigo 567.º n.º 1 do C. P. C.).

Tendo a Autora apresentado alegações jurídicas escritas (nos termos do nº 2 do cit. art. 567º do C.P.C.), foi proferida Sentença (datada de 15/03/2016) com o seguinte teor decisório: «Nestes termos, julga-se a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, declara-se nulo o testamento de António ... lavrado em 01/10/2012, a folhas 30 e 30 verso do Livro de Testamentos número 6-T do Cartório Notarial da Notária Ana Rita ... ... ... ..., com todas as consequências legais.

Custas pelo R. – cfr. artigo 527.º do C. P. C.

Fixo o valor da acção em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) – cfr. artigos 301.º n.º 1, 305.º n.º 4 e 306.º n.ºs 1 e 2 do C. P. C..

Registe e Notifique.» Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs recurso da referida sentença – que veio a ser admitido como de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, nos termos do artigos 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a) e 647.º, n.º 1, todos do C. P. C, tendo extraído das respectivas alegações as seguintes conclusões: “1-O Réu apresentou contestação fora do prazo, pelo que foi entendido que o Réu não contestou, e em consequência foram dados como provados todos os factos alegados na douta p.i., por via da aplicação do artigo 567º, nº 1 do C.P.C., e em consequência disso a acção foi julgada procedente, por provada, tendo sido declarado nulo o testamento outorgado por António ....

2-A confissão ficta, resultante da revelia cível, não é o mesmo que prova por confissão, nem é, a admissão de factos por acordo nos articulados, por não impugnados, conforme artigo 574º do C.P.C., 3-Também entende a doutrina que os factos alegados pelo A., e dados como confessados, nos termos do artigo 567º, do C.P.C., não implica que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, porque o juiz deve, seguidamente, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.

4-Para designar essa circunscrição do efeito cominatório da revelia aos factos, usa a doutrina a expressão efeito cominatório semi-pleno em oposição ao efeito cominatório pleno.

5-Ora, nos processos cominatórios semi-plenos, como é o caso, apesar de os factos alegados pela A., se considerarem admitidos, o Juiz fica liberto para julgar a acção materialmente procedente; mas também para se abster de conhecer o mérito da causa e absolver o R., da instância; para julgar a acção apenas parcialmente procedente; ou para a julgar totalmente improcedente.

6-E no caso concreto, não havendo qualquer prova produzida, deveria o Tribunal “a quo”, julgar a acção totalmente improcedente, como também lhe caberia verificar que a resolução da causa não revestia manifesta simplicidade nos termos do artigo 567º, nº 3 do C.P.C..

7-Ora sobre todos factos dados como provados na douta sentença não foi efectuada qualquer prova.

8-O pedido contante da petição inicial tem por...

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