Acórdão nº 511/16.6PKLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFILIPA COSTA LOUREN
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA SUMÁRIO: RELATÓRIO F...

, nascida a 30 de Novembro de 1973, , foi acusada, pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131 e 132, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e h) do Código Penal e de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal. A arguida através de sentença proferida no processo 511/16.6PKLSB.L1, da comarca de Lisboa –Lisboa-Instância Central-1ª Secção Criminal-J5, foi alvo das seguintes condenações: - a) condenar a arguida F...

pela prática, como autora material, na forma consumada em concurso real, de 1 (um) crime de violência doméstica previsto e punido nos termos do disposto no artigo 152, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) condenar a arguida F...

pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 1 (um) crime de homicídio qualificado previsto e punido nos termos dos artigos 131 e 132, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão, absolvendo-a da qualificativa prevista na alínea h) do n.º 2 do artigo 132 do Código Penal, pela qual vinha acusada; e) condenar a arguida F...

em cúmulo jurídico na pena única de 14 (catorze) anos e 8 (oito) meses de prisão; (…) A arguida encontra-se na presente data sujeita à medida de coacção de OPHVE.

Não se conformando com a sentença proferida, veio a arguida, devidamente identificada nos autos interpor recurso daquela sentença a folhas 765 até 781, apresentando entre o mais as seguintes conclusões: 1- Dos autos não resultam provados os crimes em agenda. Bem pelo contrário, resulta provado que a arguida não cometeu o crime de violência doméstica e resulta evidenciado que a arguida terá actuado, no facto qualificado como homicídio, em legítima defesa.

2- Na verdade, há dois factos dados como provados que servem de baliza a todo o processo que aqui se traz e que, no fundo, não podem ser abandonados pelo jurisprudente, como foi feito, com todo o respeito, pelo tribunal a quo.

3- PONTO 4 da matéria provada - A arguida e o ofendido L...

discutiam e batiam-se mutuamente, sendo na maior parte das vezes por razões de ciúme mútuo e por questões monetárias.

4- PONTO 16 da matéria provada - De regresso a casa, por volta das 06 horas do dia 23 de Março de 2016, e já no interior da residência começaram a discutir por questões relacionadas com falta de dinheiro e por ciúmes, discussão travada em tom de voz elevado e enquanto a arguida andava de um lado para o outro atrás do ofendido L...

, este repetia várias vezes: "mas o que é que eu te fiz?" 5- Como se apreende de uma leitura atenta da matéria de facto provada no presente, não ressalta nenhum evidente (nem, em abono da verdade, menos evidente) que demonstre a exigência qualitativa de resultado - vitima mais ou menos permanente.

6- A necessidade, a exigência, de um resultado para que se consuma o crime de Violência doméstica, ao contrário da decisão recorrida, não só não se verifica no presente processo, como não se verificou na realidade dos factos - o que resultou da prova testemunhal.

7- Ao decidir como decidiu, nesta questão, o acórdão recorrido violou o art. 152.°, nºs.1, alínea a), e 2, do C.P., devendo, por isso, ser substituído por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

8- A arguida defendeu, desde a primeira hora, que actuou em legítima defesa, considerando dois factores: que sofria agressões permanentes e que, não menos importante, no dia e hora aqui em análise foi vítima de uma tentativa de homicídio, ou de agressão, por parte de seu marido, através da tal faca que trespassa este processo e que é por diversas vezes referida no acórdão recorrida e que, por isso, se defendeu.

9- Mas não podemos deixar de manifestar um desconforto - que é o mínimo que se pode dizer - perante um acórdão que condena uma mulher, Mãe extremosa de quatro filhos, que sofreu as agruras de uma vida complexa e violenta, sem que lhe seja dado o benefício da dúvida.

10- O benefício da dúvida deve prevalecer e essa especifica dúvida deve beneficiar a arguida.

11- Pelo que os factos, todos, que estão provados no presente, as fotografias do local, as declarações da arguida referidas no acórdão e todas as outras declarações, também referidas no acórdão recorrido, levam a que se considere a aplicação, ao presente, da legítima defesa, referida no art. 32.º do C.P. - máxime, o art. 33.° do C.P., na modalidade de excesso de legítima defesa.

12- Assim ao decidir como decidiu, nesta questão, o acórdão recorrida violou os arts. 32.°, 33.º, 131.° e 132.

º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do C.P., devendo, por isso, ser substituída por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

13- Atento todo o exposto, a vida da arguida, as suas condicionantes e, especialmente, as circunstâncias específicas em que o crime se terá perpetrado, não se verifica à qualificação do mesmo, caso não se considere a legítima defesa, o que se admite, sem conceder, por imperativo de pleno patrocínio.

14- Bem pelo contrário, o crime em agenda, caso se considere assim, terá sido praticado num momento de especial vulnerabilidade da arguida, que, movida pelo momento, pelas circunstâncias, terá actuado daquela maneira - e não de outra, por infortúnio.

15- Pelo que, sem mais considerandos, a decisão recorrida viola os artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, devendo, por isso, ser substituída por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida nos termos aplicados.

16- Na determinação da pena concreta a aplicar, deve o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do crime, depuseram a favor do arguida ou contra ela (art. 72.º, n.º 2 do C.P.).

17- Ao decidir como supra se expendeu, o tribunal a quo violou os arts. 70.

º e 71.º do C.P.

18- O acórdão recorrido interpretou, assim, erradamente o disposto no art. 72.º do C.P. pois não valorou as circunstâncias concretas que militam a favor do arguida.

19- Todavia, um outro aspecto não pode deixar de merecer a atenção do recorrente: a falta de sensibilidade judicativa que, também em sede de determinação da pena, foi timbre do tribunal recorrido, 20- Na ponderação da pena a aplicar, deve o julgador atender a uma sanção que deva ser aplicada ao prevaricador - sendo certo que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (cfr. art. 40.º, n.º 2, do C.P. - por forma a prevenir que este venha a pautar a sua conduta extravasando o juridicamente permitido, devendo, por isso mesmo, servir a pena objectivos de ressocialização.).

21- Assim, ao atender apenas a necessidades de prevenção especial que, conforme resulta dos autos e do texto do próprio acórdão não existem, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 70.

º e 71.

º do C.P.

22- Nestes termos, o acórdão recorrido viola os artigos 32º, 33.°, 70.°, 71.º, 152.°, nºs. 1, alínea a), e 2, 131.º e 132.º, n.ºs. 1 e 2, alínea b), do C.P., devendo ser substituído por douto Acórdão que revogue a incriminação da arguida.

Termos em que deve ser proferido douto e final Acórdão que revogue o acórdão em conformidade com o referido.

O recurso foi admitido a folhas 782.

O MºPº junto da primeira instância, respondeu a folhas 835 até 876, á motivação/conclusões do recurso apresentado pela arguida, e concluindo e após extensas considerações que: -Nesta conformidade, o douto Acórdão recorrido não violou qualquer norma jurídica, e deve ser mantido e, em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo, JUSTIÇA! Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Digno Procurador Geral Adjunto em douto parecer, pugna que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, não devendo merecer provimento o recurso interposto pela arguida.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P., tendo a arguida silenciado.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pela arguida o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões (só de direito, uma vez que não é impugnada a matéria de facto contida no Acórdão nos termos do artº 412º do CPP): 1.A arguida não praticou o crime de violência doméstica, tendo sido violado o artº 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P.; 2-A arguida não praticou o crime de homicídio qualificado devendo entender-se que levam a que se considere a aplicação, ao presente, da legítima defesa, referida no art. 32.º do C.P. - máxime, o art. 33.° do C.P., na modalidade de excesso de legítima defesa.

Assim ao decidir como decidiu, nesta questão (crime de...

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