Acórdão nº 23019/16.5T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | ISOLETA ALMEIDA COSTA |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório: A.-intentou procedimento cautelar comum, ao abrigo do artigo 362.º do Código de Processo Civil, contra B. e C. SA., pedindo que seja: “—Decretada a imediata apreensão de todos os exemplares do livro “EU E OS POLÍTICOS – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje – O LIVRO PROIBIDO”; —Decretada a imediata proibição de venda e/ cedência de todos os exemplares do livro “EU E OS POLÍTICOS – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje – O LIVRO PROIBIDO”; —Ordenado à 2ª requerida que promova, no prazo máximo de 24 horas, pela recolha e devolução de todos os exemplares que se encontrem disponíveis para venda pelos vários distribuidores; —Os requeridos condenados em sanção pecuniária compulsória a fixar em valor não inferior a €50,00 por cada exemplar do livro “EU E OS POLÍTICOS – O que não pude (ou não quis) escrever até hoje – O LIVRO PROIBIDO” que venha a ser vendido e ou por si cedido após o decretamento da presente medida.” Invoca que, em 16.09.2016, foi amplamente divulgada por vários órgãos de comunicação social, a publicação de um livro da autoria do 1º Requerido e editado pela 2ª Requerida, com o título “EU E OS POLÍTICOS - o que não pude (ou não quis) escrever até hoje – O LIVRO PROIBIDO, tendo verificado que na página 165 consta o texto a que alude na petição inicial. É manifesto que o referido texto constitui uma invasão da sua vida privada, tendo ambos os Requeridos a plena noção que a referência à Requerente não serve qualquer propósito legítimo; que a leitura do texto, cada conhecimento do mesmo, constitui uma agressão ao património moral da Requerente, configura uma invasão da sua intimidade, um acto intolerável, um atentado ao direito à reserva da vida intima e privada e ao bom nome, insusceptível de poder ser justificado por qualquer outro direito, nomeadamente pela liberdade de expressão.
Conclui que a conduta dos Requeridos constitui um ilícito civil e criminal, que o conhecimento do livro pelo grande público constitui um dano irreparável, sendo certo que só o decretamento de uma providência pode atenuar os efeitos da ofensa cometida ao seu direito, devendo ainda ser imposta aos Requeridos uma sanção pecuniária compulsória, não inferior a € 50,00 por cada livro vendido após ser decretado o procedimento cautelar.
Os Requeridos apresentaram oposição.
A Requerida C. SA., sustentou a ausência de “ periculum in mora”, porquanto os exemplares editados encontram-se esgotados no seu armazém, não havendo mais livros a editar, uma vez que, apesar de não subscrever a posição da requerente, cessou oportunamente as edições do livro em causa, pelo que a decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal, no que a si diz respeito, será inútil, por intempestiva, concluindo pela sua improcedência.
O Requerido B., impugnou os fundamentos da providência e sustentou que o livro tem 12 edições.
Que circula na internet através de email uma edição ilegal de origem desconhecida cujo print foi junto pela requerente aos autos.
Que a apreensão do livro por tal razão se mostra inutil pois a divulgação do mesmo por este meio sempre se manteria.
Que tem um longo percurso profissional cujo teor está sumariamente escrito na badana do livro e elencou os títulos da sua autoria.
Que num desses títulos identifica a requerente como namorada do ex-primeiro ministro J. e esta nada opôs àquela publicação.
Que o livro dos autos é um retrato da sociedade portuguesa e não coloca em causa a privacidade da requerente, tratando-se de um livro de memórias.
Que a Requerente tem um perfil publicamente conhecido de defensora da maior liberdade de opinião e de escolhas.
A desproporção entre as providências requeridas à tutela do direito, mercê do facto de o livro ter 263 páginas e a referência à requerente ocupa cerca de meia página.
O tribunal a quo proferiu sentença - com desnecessidade de produção de prova, com o que concordamos, porquanto todo o mais que consta dos articulados é constituído por matéria de direito ou conclusiva e, no que não é, como adiante melhor se explicitará, é irrelevante para o fundo da causa -estando assentes por documentos juntos e não impugnados e admissão nos articulados os seguintes factos: 1.-O Requerido é o autor do livro com o título “EU E OS POLÍTICOS, O que não pude (ou não quis) escrever até hoje”, publicado pela Editora “ C. SA” 2.- A Requerida C. SA é a editora da obra referida em 1), sendo a 1ª edição de Setembro de 2016 e a 12ª edição de Outubro de 2016.
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-Na página 165 do referido livro consta o seguinte texto: “ Faço um parêntesis para falar de (…)”. Conheci-a no Expresso, onde ela começou a trabalhar como estagiária antes de se mudar para a Elle. Nessa altura namorava com (…), que também trabalhava no Expresso como copy desk e vivia em casa de um colega, onde (…) ficava também muitas vezes a dormir.
Sucede que (…) tinha um fetiche pela fotografia (aliás, viria a ser fotógrafo free lancer) e dedicava-se a tirar fotografias das relações com a namorada. E não tinha o cuidado de esconder as fotos, deixando-as a revelar em cima dos móveis. Um dia, a empregada que ia fazer a limpeza foi entregar ao dono da casa um maço de fotografias que tinha apanhado e que considerava impróprio estarem espalhadas pelo quarto. Devo esclarecer que nunca vi essas fotos, mas o episódio que acabo de relatar é autêntico, dada a fonte que mo confidenciou.”.
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-O 1º Requerido tem o percurso profissional, cujo teor está sumariamente descrito na banda do aludido livro, que aqui se dá por reproduzido.
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-Para além do percurso como jornalista, o Requerido escreveu quatro romances, foi autor de livros que versam sobre História Política, História, Política e Memórias, com os títulos identificados na banda do referido livro, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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-O livro em causa nos autos está a ser vendido ao público pela quantia que varia entre os € 11,25 e € 12, 50.
Resulta ainda do exemplar do livro junto aos autos que este é composto por 263 páginas.
Foi proferida sentença que declarou improcedente a providência requerida no essencial com os seguintes fundamentos: “No caso sub judice, alega a Requerente que o trecho do livro em causa constitui um atentado aos direitos fundamentais da pessoa humana, à intimidade da sua vida privada e ao seu bom nome, incompatível de, em concreto, poder ser justificado por qualquer outro direito, nomeadamente pela liberdade de expressão. (…) (…) Revertendo ao caso em apreço importa objectivamente analisar se o texto em causa constitui uma invasão da vida privada da Requerente e uma ofensa ao seu bom nome.
O referido texto documenta em relação à Requerente que “ (…) Nessa altura, namorava com (…) (…), que vivia em casa de um colega, onde aquela ficava muitas vezes a dormir.” Para além disso, o (…) “ (…) dedicava-se a tirar fotografias das relações com a namorada. (…)”.
Face os padrões actuais da sociedade portuguesa (data em que o livro em causa foi publicado) temos de concluir que é tido por normal que casais de namorados se relacionem entre si intimamente, deixando de se exigir o vinculo do casamento para que os casais estabeleçam relações de intimidade.
Quanto à documentação desses momentos íntimos através de fotografia o autor do livro não imputa à Requerente a prática de qualquer acto, designadamente que a mesma soubesse que essas fotografias eram deixadas pelos móveis da casa e muito menos que eram visionadas por terceiros, designadamente o dono da casa e a mulher-a-dias.
Acresce que na sociedade actual, atento os costumes vigentes, a documentação em privado de momentos íntimos entre namorados não tem uma carga negativa sobre a honra das pessoas que seja digna de tutela nos termos requeridos, ou seja de tutela cautelar.
Trata-se se um livro de memórias escrito pelo Requerido, configurando-se como uma obra literária, que não está sujeito aos estritos deveres de informação e as regras jornalísticas – Lei nº 2/1999, de 13 de Janeiro.
Assim, ainda que se entendesse que estávamos perante uma invasão da privacidade da Requerente não autorizada, face à concreta situação apresentada, sempre se teria de concluir pela ausência de uma lesão objectivamente grave e dificilmente reparável ao seu direito, inexistindo assim um dos requisitos de que a lei faz depender a possibilidade do decretamento da providência – cf. artigo 362º, nº1 do Código de Processo Civil.
Em suma, a análise objectiva do trecho do livro em causa não autoriza este Tribunal a restringir a liberdade de expressão do seu autor e, consequentemente, a decretar a proibição da venda do referido livro – cf. artigos 37º e 42º da Constituição da República Portuguesa e artigo 10º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Na verdade, pese embora se compreenda a indignação da Requerente, no caso em apreço uma concepção menos ampla da liberdade de expressão faz surgir o risco de que os Tribunais possam funcionar como órgãos de censura, inibindo assim a liberdade de expressão, o que não é legalmente admissível aos Tribunais.”...
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