Acórdão nº 866/15.0PELSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução07 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juizes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: I-1.)Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 245 a 250, em que a Mm.ª Juíza de Instrução Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, na sequência da abertura da fase processual referida, requerida pelo assistente J.

(com o que este reagia ao despacho de arquivamento determinado a fls. 37/8 pelo Ministério Público, por os factos denunciados não integrarem o crime de subtracção de menor p. e p. pelo art. 249.º, n.º1, al. a), do Cód. Penal), não pronunciou a arguida O.

pela prática deste crime, recorreu aquele primeiro para a presente Relação, sustentando as seguintes conclusões: 1.ª-A ratio legis contida no artigo 249.º do CP é, em primeiro lugar, a proteção dos interesses do menor, os quais integram o convívio com ambos os progenitores e a proteção ativa, por ambos, dos interesses deste. Em segundo lugar, o dispositivo protege o exercício do poder-dever de parentalidade.

  1. -Não protege em particular - nem sequer na letra e muito menos na ratio - o poder-dever de parentalidade dissidente, regulada através do tribunal.

  2. -O artigo 36.º, n.º 3, da CRP prevê que os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos e o n.º 5 do citado preceito reforça a ideia de que a paternidade é um poder-dever, esclarecendo que os pais têm o direito e o dever de educar e manter os seus filhos.

  3. -E sublinha o artigo 36.º, n.º 6, da CRP que “os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial” 5.ª-O exercício das responsabilidades parentais, a constância do matrimónio, cabe a ambos os progenitores, conforme dispõe o artigo 1901.º do Código Civil, que nomeadamente regulamenta o constante da lei fundamental, a esse propósito.

  4. -No âmbito da regulação legal geral do exercício das responsabilidades parentais, os menores não podem ser retirados da casa de morada de família apenas por decisão de um dos progenitores, nos termos do 1887.º, n.° 1, do CC.

  5. -E o Regulamento CE 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, art. 2.º, n.°s 9 e 11, classifica a deslocação e retenção unilateral do menor, para local diverso do que lhe fora destinado pelos seus progenitores, como ilícita.

  6. -O facto do menor ser retirado do local onde reside, por um dos progenitores e sem autorização do outro, afastando-o, assim, do contacto e controlo de educação, saúde e afetos, do outro progenitor, de forma radical e tendencialmente definitiva, ocultando os contactos, terá que ser necessariamente protegida ao menos pelo elemento teleológico do preceito penal em causa e a sua ratio.

  7. -Além disso, também da literalidade do mesmo preceito não se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos de um progenitor que retire o menor da esfera de exercício do poder paternal do outro progenitor, de forma prolongada e injustificada, com intenção, pelo menos presumida - o que releva para a presente fase processual - de provocar o afastamento definitivo do menor do outro progenitor, mantendo-o incontactável.

  8. -Nem se retira que são excluídos da previsão legal os comportamentos dos cônjuges que não tenham o poder paternal judicialmente regulado, posto que o têm constitucional e legalmente regulado, bem como regulado em convenções internacionais, 11.ª-Nomeadamente na Convenção Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, aprovada em Haia em 25 de Outubro de 1980, ratificada por Portugal e que prevê que o “direito de custódia” abrange o direito de decidir sobre o lugar da residência do menor, nos seus artigos 4.º e 5.º alínea a).

  9. -Viola, portanto, com essa atuação, o superior interesse do menor e o seu bem-estar, o comportamento comprovado nos autos, dado que este se vê impossibilitado de manter qualquer relação com o progenitor afastado, 13.ª-Por não se tratar, o presente caso, de mero afastamento controlado e consabido, de um menor, para longe do seu progenitor, mas sim de uma retirada de um menor em circunstâncias não controladas, para parte incerta, sem qualquer possibilidade efetiva e prática, por parte do progenitor afastado, de aproximação do menor seu filho.

  10. -Tal comportamento da Recorrida, que retirou o menor da casa de família que lhe fora destinada pelos pais, levou o filho de ambos para o estrangeiro, de forma não conhecida nem autorizada pelo outro progenitor, estando atualmente em parte incerta e com contactos desconhecidos e assim inviabilizando totalmente o contacto entre pai e filho, não constitui, na realidade, uma vulgar não entrega de menor para cumprimento de um regime de visitas, ainda que reiterada, mas sempre minimamente controlada, 15.ª-É, sim, uma subtração de criança, retirada totalmente da sua vida normal, para destino desconhecido, mantendo-se incontactável, em violação grave, altamente lesiva, perentória e definitiva do exercício das responsabilidades parentais constitucional e legalmente reguladas, entre cônjuges estavelmente casados.

  11. -Tal comportamento, colocando em risco o desenvolvimento do menor, sendo comprovada ou razoavelmente presumido como premeditado, perpetrado com dolo, de forma consciente quanto à respetiva ilicitude, contém indícios passíveis de enquadramento no crime do subtração de menor, previsto e punido pelas alíneas a) e/ou c) do n.º 1 do artigo 259.º do CP, 17.ª-O que não pode deixar de ser reconhecido por via da anulação do despacho de não pronúncia de que ora se recorre e determinação de pronúncia com base na acusação formulada nos autos pelo assistente.

  12. -O despacho que não pronunciou a Recorrida é ilegal por violação do disposto no artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Penal e fere os dispositivos constitucionais contidos no artigo 36.º, n.°s 3, 5 e 6 da CRP.

  13. -Negar este desfecho é beneficiar, por via de interpretação do citado preceito penal fora da sua literalidade, do seu elemento teleológico e da sua ratio, os progenitores “oficialmente” em guerra pela custódia dos filhos, em detrimento dos que não se socorreram do tribunal para regular tal custódia, mas a têm regulada por lei, enquanto cônjuges em casamento estável, sendo pais bem identificados de um menor retirado do seu domicílio conjugal ilegalmente e com consequências imprevisíveis, sempre lesivas dos seus interesses mais óbvios 20.ª-E é acolher pacificamente como aceite no nosso ordenamento jurídico o estatuto de M.W. como órfão de pai vivo.

Pelo exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que pronuncie a Arguida pelo crime de subtração de menor, p. e p. pelo art. 249.º n.° 1, alíneas a) ou c) do Código Penal.

I-2.)Respondendo ao recurso interposto, a Digna magistrada do Ministério Público junto da Secção de Instrução Criminal de Lisboa, concluiu pela forma seguinte: -A decisão instrutória não padece de qualquer vício.

-Aderimos totalmente à respectiva fundamentação, de facto e de direito, salientando-se que a douta decisão ora colocada em crise pela recorrente vale por si só, mostrando-se acertada no elenco factual, na sua fundamentação e na correcta aplicação do Direito aos factos.

Termos em que, deve o recurso a que ora se responde ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida.

I-3.)Fazendo-o também a arguida O., concluiu por seu turno: 1.º-O Recorrente apresentou participação contra a Recorrida, mãe do seu filho menor, M.W., a quem imputa a prática de 1 (um) crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artigo 249.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Código Penal.

  1. -Realizadas as diligências que considerou adequadas e encerrado o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, por ter concluído que os factos não integram o crime de subtracção de menor, p. e p. pelo artigo 249.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

  2. -Não aceitando a decisão de arquivamento, o Recorrente requereu a abertura de instrução, pretendendo que a Recorrida seja pronunciada pelo crime de subtracção de menor, p. e p. no artigo 249.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal.

  3. -Finda a instrução, foi preferido despacho de não pronúncia.

  4. -Não se conformando, o Recorrente recorreu do despacho de não pronúncia.

  5. -Encontram indiciados os factos descritos no artigo 7.° da resposta.

  6. -Na alínea a) do artigo 249.° do Código Penal, a “subtracção de menor” pressupõe necessariamente um agente que não detenha poderes (e deveres) relativos à guarda do menor e o retira de quem legitimamente o tenha a cargo.

  7. -Como muito bem refere o Tribunal a quo no despacho recorrido, é entendimento unânime que, “(…) no caso do exercício do poder paternal pelos dois progenitores, a retirada por parte de um deles do local onde habitualmente o menor resida e o afastamento em relação ao outro, não preenche o conceito de “subtracção” a que se refere a alínea a) do número 1 do artigo 249" do Código Penal (...)”.

  8. -Nesta perspectiva de leitura e interpretação dos elementos do tipo do artigo 249.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal, os factos indiciados nos autos não integram a previsão desta norma penal.

  9. -A “subtracção de menor” da alínea c) do n.º 1 do artigo 249.° do Código Penal assenta no incumprimento das obrigações decorrentes do regime fixado ou acordado de regulação das responsabilidades parentais de menores.

  10. -No caso concreto, por ausência de qualquer regime estabelecido pelo Tribunal para a convivência do menor, os factos indiciados não integram a previsão da alínea c) do referido artigo 249.°, n.º 1, do Código Penal.

Assim e concluindo, entende-se ser de negar provimento total ao recurso interposto pelo Assistente, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

II-Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer por via do qual propugnou a procedência do recurso, enquadrando a situação dos autos na al. a) do n.º1, do art. 249.º do...

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