Acórdão nº 4437/15.2T8BRR.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelCELINA N
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: A arguida/recorrente AAA S.A.

com sede na Rua (…), Matosinhos, inconformada com a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que a condenou na coima única no montante de € 8.000,00 pela violação, por seis vezes, do disposto na al.j) do nº 1 do artigo 127º e do nº 4 do artigo 194º do Código do Trabalho veio, nos termos do disposto nos artigos 32.º e 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social) impugnar judicialmente tal decisão invocando, em síntese, que o órgão autuante não a constituiu arguida, inexiste imputação de culpa no auto de notícia, verificando-se posterior violação dos seus critérios de aplicação, nulidade por falta de especificação do acréscimo de custos, violação do princípio da não incriminação, nulidade da instrução, insuficiência da instrução, falta de meios de prova apresentados pelo órgão autuante, ausência de prática de infracção, aplicação arbitrária de coima e inconstitucionalidade do procedimento contraordenacional por violação do princípio da igualdade, na parte em que a impugnação tem, por regra, efeito devolutivo.

Requereu ainda o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia e, posteriormente, invocou a inconstitucionalidade do artigo 52º da Lei nº 107/2009 e a prescrição do procedimento contraordenacional.

Concluiu pugnando pelo provimento do recurso e consequente absolvição ou, caso assim não se entenda, pela condenação numa coima mínima.

Admitido o recurso foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, tendo este se pronunciado no sentido de nada opor à requerida suspensão do processo.

Foi proferido despacho que indeferiu o reenvio ao TJUE por considerar que as questões suscitadas não contribuiriam para a decisão da causa, que as mesmas questões são demasiado genéricas e ainda que, porque passível de recuso, o reenvio é facultativo.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Foi proferida a sentença que julgou improcedentes as excepções e finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, concedo provimento parcial ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa e, consequentemente, decido: -Absolver a arguida por violação do disposto por violação do disposto no art.º 194.º, n.º 4, do Código do Trabalho; -Alterar a imputação de dolo para negligência no que concerne a uma das situações (Alhos Vedros) de violação do disposto no art.º 127.º, n.º 1, al. j), do Código do Trabalho e, consequentemente, alterar a coima respetiva para 7 UC; -Manter, no demais, a condenação e as coimas parcelares aplicadas; -Alterar a coima única para 28 UC.

Custas pelos impugnantes, fixando a taxa de justiça no mínimo.

Notifique e deposite.

Oportunamente, comunique a presente decisão à autoridade administrativa.” Inconformada, a arguida recorreu e formulou as seguintes conclusões: 1.-Nos presentes autos, discute-se a condenação da Recorrente numa coima por parte da ACT, por alegada violação do art. 127.º nº 1 al. j) do C.T.

  1. -Salvo o devido respeito, os factos vertidos nos pontos 3 a 5 da matéria provada são contraditórios com os factos vertidos nos pontos 20 g., 21 g., 22 g., 23 g., 24 g. e 25 g.

  2. -Com efeito, nos factos 3 a 5 da matéria provada, resulta que o registo de trabalhadores existia nos estabelecimentos que foram objeto de inspeção, pois constavam de um sistema informático que podia ser acedido e consultado nos computadores dos estabelecimentos em questão, mas apenas por trabalhadores com autorização para o efeito (matéria que é assente entre a Recorrente e a ACT).

  3. -Pelo contrário, nos factos vertidos nos pontos 20 g., 21 g., 22 g., 23 g., 24 g. e 25 g. consta que esse registo não se encontrava nos estabelecimentos em causa.

  4. -Assim, a sentença recorrida encontra-se enfermada do vício de contradição insanável na sua fundamentação, sendo por isso, nesta parte, nula, nos termos do art. 410.º nº 2 al. c) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações e art. 60.º da Lei nº 107/2009.

  5. -No Direito das Contraordenações vigora o princípio da tipicidade, pelo que a conduta infratora é apenas aquela que está tipificada na norma, ou seja, aquela que se encontra descrita na norma como sendo proibida (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.05.2009, processo 1818/08.1TALRA.C1, acessível em www.dgsi.pt).

  6. -No caso sub judice, a conduta típica consubstanciadora da contraordenação é a inexistência do registo de trabalhadores atualizado no estabelecimento (art. 127º nº 6 do Código do Trabalho).

  7. -Ora, como dissemos, ficou provado que o registo de trabalhadores atualizado efetivamente existia nos estabelecimentos (cfr. ponto 4 e 5 da matéria provada), pelo que não foi praticada qualquer contraordenação.

  8. -Salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal a quo assenta no pressuposto (em nossa opinião, incorreto) de que a “existência” do registo de trabalhadores no estabelecimento equivale à “disponibilidade imediata” desse registo (veja-se a este respeito fundamentação de Direito da sentença).

  9. -Porém, a existência e a disponibilidade imediata dos registos são dois factos distintos e que não deveriam ser confundidos.

  10. -O legislador, no art. 127.º nº 1 al. j) do C.T., não exigiu que os registos estivessem imediatamente disponíveis para consulta.

  11. -Quando o legislador pretendeu que um registo estivesse imediatamente disponível para consulta, disse-o expressamente no texto legal (cfr. por exemplo o art. 202.º do C.T.), não tendo sido isso que sucedeu com o registo de trabalhadores.

  12. -Assim, não constando do texto do art. 127.º nº 1 al. j) do C.T. a exigência de disponibilidade imediata dos registos dos trabalhadores (ao contrário do que sucede no art. 202.º do C.T. para o registo dos tempos de trabalho), não podia o Tribunal a quo entender que se verificou a conduta típica da infração apenas porque os registos de trabalhadores não estavam imediatamente acessíveis (aos trabalhadores que se encontravam nos estabelecimentos) no momento da visita inspetiva.

  13. -O que interessa é apurar se os registos dos trabalhadores existiam ou não no estabelecimento, e ficou demonstrado que existiam (pontos 4 e 5 da matéria provada), pelo que não houve contraordenação.

  14. -É pacífico que os elementos que integram o registo de trabalhadores a que alude o art. 127.º nº 1 al. j) do C.T. constituem dados pessoais dos trabalhadores, parecendo-nos que o próprio Tribunal a quo concordou com este entendimento.

  15. -A Recorrente está obrigada a proteger esses dados pessoais, nos termos do disposto no artigo 17º nº 4 do Código do Trabalho e da Lei nº 67/98, de 26 de outubro, tendo sido por esse motivo que limitou o acesso ao registo de pessoal aos superiores hierárquicos das trabalhadoras dos estabelecimentos inspecionados.

  16. -Na prática, a interpretação do art. 127.º nº 1 al. j) do C.T. defendida pelo Tribunal a quo – segundo a qual o registo de trabalhadores não deve estar exposto, mas deve estar imediatamente acessível em caso de inspeção – impõe a qualquer empresa um determinado modelo de organização interna, que garanta a presença permanente de um superior hierárquico ou de um gestor de recursos humanos nos estabelecimentos para poder disponibilizar o registo de trabalhadores em caso de inspeção da ACT (já que esse registo não pode estar acessível a todos os trabalhadores devido ao caráter pessoal da informação nele constante).

  17. -Não foi esse o modelo de organização interna adotado pela Recorrente, que tinha nas suas lojas operadores, mas nem sempre os responsáveis técnicos ou os gestores de recursos humanos (cfr. pontos 7 e 8 da matéria dada por provada).

  18. -Ora, salvo melhor entendimento, a interpretação do art. 127.º nº 1 al. j) do C.T. que o Tribunal a quo defende, por impor às empresas um modelo organizativo que assenta na presença permanente de um superior hierárquico ou de um gestor de recursos humanos nos estabelecimentos, viola o direito de liberdade de empresa e de autogestão consagrado no art. 61.º da CRP e o direito de livre organização empresarial previsto no art. 80.º al. c) da CRP, restringindo desproporcionalmente esses direitos constitucionais.

  19. -Deverão os presentes ser suspensos para reenvio prejudicial obrigatório para o TJUE.

  20. Esse reenvio para o TJUE é obrigatório, nos termos do art. 267.º do TFUE.

  21. -A obrigação de disponibilização imediata do registo de pessoal, não resulta a lei como viola os princípios da Carta dos Direitos Fundamentais e o art. 17.º da citada diretiva 23.-Assim, por todos os fundamentos expostos, deve a Recorrente ser absolvida.

    Termina pedindo que: -seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a parte da sentença recorrida que manteve a condenação da Recorrente pela alegada violação do art. 127.º nº 1 al. j) do C.T., e substituindo-se por uma outra que determine a integral absolvição da Recorrente; -Sejam os presentes autos suspensos, para que, nos termos do disposto no art. 267.º TFUE, sejam suscitadas ao TJUE as seguintes questões prejudiciais: a)O art. 2.º da Diretiva 95/46/CE, deve ser interpretado no sentido de que o registo de pessoal, isto é o documento que contém o nome, data de nascimento, data de admissão, modalidade de contrato, categoria, promoções, retribuições, datas de início e termo das férias, faltas que impliquem perda da retribuição ou diminuição dos dias de férias, está incluído no conceito de dados pessoais? b)Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, está o Estado Português obrigado, por força do disposto no art. 17.º, n.º 1 da Directiva 95/46/CE, a prever medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os dados pessoais contra a destruição acidental ou ilícita, a perda acidental, a alteração, a difusão ou acesso não autorizados, nomeadamente quando o tratamento implicar a transmissão por rede? c)Mais uma vez, em caso...

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