Acórdão nº 31411/15.6T8LSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelIL
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO F... e A... intentaram acção declarativa com processo comum contra o Banco Espírito Santo S.A., Novo Banco, SA e E..., pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais sofridos, que computam simbolicamente em 5.000,00 €.

Em síntese, alegaram que são titulares de acções preferenciais “Poupança Plus 603/13 ISIN:SCBESOAE0258, no montante de € 90.000,00, adquirida por influência do 1º réu, sem nunca imaginar que Poupança Plus não eram depósitos a prazo, mas acções de uma sociedade veículo (SPV) com sede nas Ilhas Jersey. Tal não lhes foi explicado e os autores nunca pretenderam fazer aplicações financeiras, mas apenas depósitos a prazo. Tais aplicações financeiras foram realizadas em benefício do BES e contra os interesses dos autores.

Os autores só aceitaram as aplicações que lhes foram propostas com a garantia do BES de que, no prazo indicado, lhes seria assegurado o retorno do capital investido e dos juros, no montante total que lhes foi referido nessa data. Só desta forma os autores beneficiavam de uma garantia idêntica à dos depósitos a prazo, conforme correspondia à sua vontade declarada. A obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus não só se transmitiu para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como se encontra reconhecida no respectivo Balanço.

Em suma, fundamentam a acção em responsabilidade do BES por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediação financeira, tendo-se transferido esta responsabilidade para o Novo Banco, por força da medida de resolução aplicada ao BES e criação do banco de transição.

Os autores deixaram de usufruir os lucros cessantes com a falta de pagamento pelo BPES das importâncias depositadas. Por outro lado, os autores sofreram um grande abalo psicológico e físico quando souberam que não lhe seriam restituídas as quantias depositadas. Ambos passaram noites sem conseguir dormir. Os seus dias são passados com grande ansiedade e desespero por terem perdido o seu dinheiro. Angustiados com o futuro, tendo recorrido a ansiolíticos e antidepressivos. A vida familiar ficou perturbada, pois ambos se encontram num estado de irritabilidade e frustração, o que origina várias discussões.

Os réus Novo Banco SA e E... contestaram, invocando a sua ilegitimidade passiva, alegando que, por deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 foi aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, SA (“BES”) a qual por lei é da competência do Banco de Portugal que, como instituição de supervisão, ao abrigo dos poderes discricionários que lhe são legalmente conferidos determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos dos BES para o Novo Banco. Mais alegaram que, na relação material controvertida os autores imputam ao BES um conjunto de factos que, se provados, constituiriam pelo menos uma violação de disposições regulatórias que os autores imputam a título de dolo eventual ou negligência grosseira, estando tais situações claramente abrangidas nos "passivos excluídos" do Anexo 2 da deliberação do BdP. Esta deliberação foi objecto de sucessivas alterações, sendo que o presente processo judicial está expressamente incluído nos anexos às referidas deliberações. De qualquer forma, mesmo pela nova redacção da deliberação se conclui que não houve transferência para o Novo Banco das eventuais responsabilidades do BES, assumidas na comercialização e intermediação financeira de acções preferenciais. Por isso, o Novo Banco é parte ilegítima nos presentes autos, tal como o 3º réu, na medida em que é demandado na qualidade de presidente do Conselho de Administração do Novo Banco.

A medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal reveste a natureza de acto administrativo, beneficiando da presunção de legalidade do exercício do poder de autoridade nos actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal no uso das suas competências legais. A lei imputa expressamente aos tribunais administrativos a competência para conhecer dos litígios emergentes das decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução (artigo 145.º-AR/135 do RGICSF), estabelecendo regras especiais para o processo (artigo 145.º-AR/2/436 do RGICSF) e atribui ao Banco de Portugal inclusive a prerrogativa de invocar causa legítima de inexecução no caso de sentenças anulatórias (artigo 145.º-AR/337 do RGICSF). Assim sendo, está vedado aos tribunais judiciais apreciarem a validade de actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, competindo essa competência, por determinação de lei expressa, aos tribunais administrativos. Cabe aos autores, querendo, impugnar nos tribunais administrativos a medida de resolução, estando-lhe vedado recorrer aos tribunais cíveis para discutir contenciosamente, ainda que prejudicialmente, aquele acto administrativo. Pelo que não deverá o Tribunal julgar improcedente a excepção de ilegitimidade arguida, com base na invalidade da medida de resolução, sem primeiro suspender a instância, remetendo essa competência anulatória para os tribunais administrativos (artigo 92.º/1 do CPC).

O Banco Espírito Santo (“BES”) contestou, pedindo que seja julgada procedente a excepção peremptória de inexigibilidade do cumprimento das obrigações do réu BES, absolvendo-o dos pedidos; ou, subsidiariamente, julgada improcedente a acção, por não provada.

Em síntese, alegou que se verifica a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao BES por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014. Apesar de ter determinado a transferência parcial da sua actividade para o réu Novo Banco, o BdP não determinou a revogação da autorização do réu BES «simultaneamente ou em momento imediatamente posterior à aplicação» da medida de resolução. Do que decorre necessariamente que o réu BES teria uma eventual obrigação de indemnização com base nos factos alegados pelos autores, o cumprimento dessa obrigação não lhe é legalmente exigível.No mais impugna a matéria alegada pelos autores, afirmando que, pelo menos desde 2009, os autores investiam em produtos semelhantes aos em juízo nos autos: séries comerciais de acções preferenciais. Os autores perceberam, na sua contratação, que o produto subscrito não configurava um depósito a prazo.

Os autores apresentaram réplica respondendo às excepções, referindo que a deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, na sua correcta interpretação, transferiu para o Novo Banco os direitos dos autores. O BES garantiu aos autores o capital investido e juros, verificando-se uma assunção de dívida por este Banco, ou quando assim não se entenda o BES prestou uma fiança, garantindo o direito de crédito dos autores relativamente às aplicações realizadas. O BES é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja por assunção de dívida, seja por fiança. Trata-se de uma responsabilidade efectiva que se transferia necessariamente para o Novo Banco, por força da operação de resolução.

No Balanço de 2014 do Novo Banco os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPVs em causa aparecem no activo, como "Recursos de Clientes". O registo dos pagamentos dos clientes que compraram as acções preferenciais como "Recursos de Clientes", no balanço do Novo Banco, é a prova provada de que tinham a natureza de depósitos a prazo. A obrigação de recompra das acções preferenciais Euro Aforro, Top Renda, Poupança Plus não só não se transmitiu para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução, como se encontra reconhecida no respectivo Balanço. O Novo Banco está sujeito às regras do CSC, por força do disposto no n.º 10 do art.º 145-G do RGICSF. A operação de resolução subsume-se a uma cisão simples pelo que nos termos do art.º 122º n.º 2 do CSC, as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade condida anteriores à inscrição no registo comercial.

A transferência de activos para o Novo Banco desacompanhada da transferência de responsabilidades viola também o art.º 12º n.º 6 da Directiva 82/891/CEE. Esta transferência constitui manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.º 62º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Não se verifica qualquer questão prejudicial, pelo possa determinar a suspensão da instância. Uma vez que o BES se encontra em liquidação, a invocada excepção da inexigibilidade do cumprimento das obrigações deixou de ser pertinente.

Por requerimento apresentado em 28.08.2016, o réu BES pediu: (i) que seja declarada a extinção da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se, consequentemente, o réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância; ou, caso assim não se entenda, (ii) Ordenar a suspensão da instância, nos termos do disposto no artigo 272º, n.º 1 do CPC, até que se torne definitiva a decisão do Banco Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da actividade do BES, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do CPC, absolvendo-se o Réu Banco Espírito Santo, S.A. – Em Liquidação, da instância.

Em resumo, alegou que, por deliberação de 13 de Julho de 2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. (“BES”). Por outro lado, e conforme consta do Comunicado divulgado no site do Banco de Portugal: “O Banco Central Europeu revogou a autorização do...

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