Acórdão nº 21837/16.3T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução03 de Maio de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: AAA, com morada … instaurou a presente ação que denominou de ação especial emergente de acidente de trabalho, mas que submeteu à distribuição, por via eletrónica, como ação para efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho, contra a sociedade BBB, LDA., com sede … Lisboa e a sociedade CCC, S.A., com sede …Ponta Delgada, alegando, em síntese e com interesse, ter sido vítima de um acidente de trabalho ocorrido no dia 3 de setembro de 2013, pelas 10:40 horas em Lisboa, quando prestava trabalho de servente para a 1ª ré na execução de um contrato com ela celebrado, acidente que ocorreu quando, ao descarregar telhas em cima de um andaime, caiu do mesmo para o solo de uma altura de cerca de sete metros.

Em consequência desse acidente, resultaram para o autor, direta e necessariamente, as lesões descritas no auto de perícia médica efetuada no processo n.º 4565/13.9TTLSB que correu termos na Instância Central do Tribunal da Comarca de Lisboa – Juiz 6, tendo-lhe sido reconhecida uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual (IPATH), com uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 80%, bem como foi-lhe reconhecida a necessidade de assistência de 3ª pessoa e de meio de locomoção (cadeira de rodas ou veículo motorizado).

A entidade empregadora do autor, ou seja a 1ª ré, tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a 2ª ré.

Os factos descritos e a responsabilidade deles decorrente foram aceites pela 2ª ré, tendo sido acordados, em sede de tentativa de conciliação realizada no âmbito daquele processo, os montantes referentes aos danos patrimoniais sofridos pelo autor, ficando a 2ª ré obrigada a pagar-lhe: - Uma pensão anual e vitalícia no montante de 5.383,82€; - Subsídio de elevada incapacidade no montante de 5.201,68€; - Subsídio para assistência por 3ª pessoa até ao montante mensal de 461,14, a partir do momento em que o aqui autor saia dos cuidados da Residência Sénior e vá residir sozinho; - Meio de locomoção (cadeira de rodas ou veículo motorizado).

No que respeita aos danos patrimoniais sofridos pelo autor, a 2ª ré tem dado cumprimento pontual ao que se vinculou em sede de tentativa de conciliação.

Todavia, não pode a justiça olvidar os elevados e irreversíveis danos não patrimoniais que o autor sofreu e que continua a sofrer em consequência do referido acidente, o qual ocorreu por manifesta inobservância de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da 1ª ré já que os trabalhos a efetuar implicavam que os trabalhadores, nomeadamente o autor, tivessem de laborar em cima de uma estrutura em madeira, a uma altura de cerca de 7 metros, sobre uma plataforma que não oferecia condições de segurança, tendo em conta que correspondia a uma mera escada quando devia ser um andaime tecnicamente adequado, para além de que se lhe impunha instalar no local meios de proteção coletiva ou individual, o que não sucedeu, o que esteve na base da queda do autor.

Quer aquando do acidente, quer depois o autor sofreu fortes dores físicas originadas pela queda e pelas múltiplas fraturas, bem como pelas cirurgias e tratamentos de fisioterapia a que foi submetido.

Em 17.12.2014 o autor apresentava o quadro clínico referido no artigo 50 da petição do qual se destaca a paraplegia, tónus flácido nos membros inferiores, esfíncteres neurogéneos, com prescrição de treino intestinal e vesical, em regime de auto-cateterização de 5/5 horas e algália no período noturno sempre tendo mantido dores intensas na anca e nas pernas e deambulando de cadeira de rodas mecânica.

A nível psíquico e como resultado das lesões sofridas, o autor padece de stress pós-traumático, com humor depressivo e ansiedade. Chora muitas vezes lembrando-se do acidente e tendo noção de quanto a sua vida mudou após o mesmo, passando a padecer de insónias, de constante mal-estar que se traduz em tonturas, dores de cabeça e desequilíbrios de humor, bem como confusão espácio-temporal. Tem atitudes agressivas para com os amigos que o tentam animar. Sofre de baixa autoestima, sentimentos de inferioridade, desvalorização e insegurança.

Atualmente encontra-se dependente de terceiros para todas as tarefas da rotina diária, mesmo as mais simples.

Apesar da sua idade, era uma pessoa saudável e muito ativa e agora sente-se diminuído como homem, como cidadão e como profissional.

Há três anos, desde a data do acidente até ao presente que o autor vive em hospitais, centros de reabilitação e lar, sem previsão de quando poderá voltar para casa.

Conclui pedindo que a ação seja julgada procedente e que se decida condenar a 1ª ré e subsidiariamente a 2ª ré a: a)-Pagar ao autor a quantia de 400.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos com o acidente de trabalho ocorrido em 03.09.2016 (terá pretendido escrever 03.09.2013); b)-A pagar ao autor juros de mora contados a partir da citação.

Na sequência desta petição inicial, a Mma. Juíza do Tribunal de 1ª instância proferiu o seguinte despacho de indeferimento liminar: «AAA propôs a presente acção contra BBB, LDA. e CCC, SA, que denominou acção especial emergente de acidente de trabalho, sem prejuízo de a mesma ter sido por si submetida à distribuição como acção para efectivação de direitos conexos com o acidente de trabalho.

Tal como resulta do capítulo onde se insere, sob a epígrafe “Processos Emergentes de Acidente de Trabalho e de Doença Profissional”, as acções emergentes de acidente de trabalho iniciam-se, necessária e imperativamente, por uma fase conciliatória, dirigida pelo Ministério Público, tendo por base, naturalmente, a participação do acidente de trabalho (a cargo de diversas entidades – cfr. art.os 86.º, 87.º, 88.º 90.º e 91.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) – art.º 99.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho.

No presente caso, o autor veio propor acção emergente de acidente de trabalho, peticionando a condenação das rés no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais resultantes de acidente de trabalho de que foi vítima.

Ora o pedido formulado, enquanto prestação devida a sinistrado (na tese constante da petição inicial) resultante da ocorrência de um acidente de trabalho, só tem cabimento na acção emergente de acidente de trabalho que observe a tramitação que está prevista no Código de Processo do Trabalho, o que não é, manifestamente, o caso.

Segundo o autor alega, já terá corrido termos processo de acidente de trabalho (identificado no art.º 4º da petição inicial), e nesse já terá existido acordo em sede de tentativa de conciliação (cfr. art.º 7º da petição inicial). Ora é apenas nesses autos que a pretensão formulada neste processo poderia (ou poderá) ser, eventualmente, apreciada.

Também não é no âmbito da acção especial para efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho, regulada no art.º 154º do Código de Processo do Trabalho, que a pretensão do autor pode ser apreciada, uma vez que esta apenas se destina a assegurar direitos de terceiros que sejam conexos com o acidente de trabalho, e nunca os direitos do próprio sinistrado, que deverão ser todos apreciados na acção especial emergente de acidente de trabalho, interpretação que resulta de forma evidente não apenas do regime legal consagrado nos art.º 99º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, mas também da própria epígrafe da secção onde se insere a falada acção para efectivação de direitos de terceiro conexos com o acidente.

Ocorre, portanto, erro na forma do processo.

O erro na forma do processo consubstancia nulidade que importa a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se, se possível, os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida pela lei (art.º 193.º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi, do art.º 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo de Trabalho).

A nulidade decorrente do erro na forma do processo detectada impossibilita, no entanto, o...

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