Acórdão nº 675/15.6T8MTA.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 04.11.2015 o Fundo de Garantia Automóvel, representado pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, intentou ação declarativa de condenação contra Manuel e P, Unipessoal, Lda.

O A. alegou, em síntese, que em 30.5.2013, na M..., ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes dois veículos ligeiros, um deles conduzido por Oksana e o outro pelo ora 1.º R..

O acidente ocorreu por culpa do 1.º R., que saiu de um local de estacionamento sem tomar as devidas precauções, não atentando no trânsito que se fazia sentir no momento, tendo invadido a faixa de rodagem onde circulava o veículo conduzido pela referida Oksana, cortando a linha de marcha do mesmo. O veículo conduzido pelo 1.º R. pertencia à 2.ª R., e não estava abrangido por seguro de responsabilidade civil automóvel. Do acidente ocorreram danos no veículo conduzido por Oksana, cujo valor global de reparação foi orçamentado em € 11 785,31. À viatura foi atribuído o valor venal de € 10 238,00 e ao salvado o valor de € 1 131,14. O ora A. propôs ao proprietário do veículo que Oksana conduzia, Yaroslav, o pagamento do valor global de € 9 106,86, a título de perda total do mesmo, o que aquele aceitou. O A. tem direito de sub-rogação contra os ora RR., pelo que pagou ao lesado, ou seja, € 9 106,86, acrescido de € 52,89 a título de despesas com a instrução do processo, no total de € 9 159,75. Acrescem juros de mora, contados desde a data da primeira carta de interpelação enviada aos RR., em 11.11.2013, que o A. liquidou em € 692,63.

O A. terminou pedindo que os RR. fossem condenados a pagarem-lhe a quantia de € 9 852,38, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Os RR. contestaram, imputando a responsabilidade pelo acidente à condutora Oksana e questionando a extensão dos danos alegadamente sofridos pelo veículo por ela conduzido, bem assim a reclamação de juros de mora anteriores à data da citação.

Concluíram pela sua absolvição do pedido.

Foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 04.01.2017 foi proferida sentença em que se julgou a ação procedente e em consequência se condenou os RR. no pagamento ao A. da soma de capital de € 9 159,75, acrescida de juros de mora vencidos desde a data de 10.01.2014 e vincendos até integral pagamento, uns e outros calculados à taxa legal. Mais se condenou o 1.º R. como litigante de má-fé, no pagamento da soma global de 15 UC.

Os RR.

apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: 1.– A sentença recorrida condenou solidariamente os RR. a pagar ao A. FGA a quantia de € 9.159,75, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a data de 10.JAN.2014, e o R. Manuel como litigante de má-fé e a pagar uma multa no valor de 15 UC; 2.– O capital pedido corresponde à quantia paga pelo FGA a Yaroslav, testemunha no processo e proprietário do outro veículo interveniente e considerado não culpado no acidente – € 9.106,86 – e aos encargos com a instrução do processo – € 52,89; 3.– Os Recorrentes admitem a responsabilidade pelo acidente, a inexistência de seguro válido e o pagamento dos encargos de instrução do processo; 4.– A quantia paga pelo FGA ao lesado – € 9.106,86 – foi superior e não corresponde ao valor da reparação dos danos efectivamente sofridos pela viatura – não superior a € 8.000,00; 5.– A responsabilidade dos RR., ora Recorrentes, deve cingir-se ao valor real da reparação da viatura, e não ao valor que o FGA pagou; 6.– O recurso tem como objecto a sentença nas partes em que (1) deu como assente que os danos causados pelo acidente foram no valor de € 9.106,86, pago ao proprietário do veículo no pressuposto da sua perda total, desprezando o apuramento do valor real desses danos, equivalente ao custo da sua reparação, que é o que é devido (2) condenou ao pagamento de juros de mora desde 10.JAN.2014, e não desde a data da citação, e (3) condenou o R. Manuel como litigante de má-fé; 7.– Em relação à questão dos danos, o âmbito do presente recurso abrange não só a matéria de direito, mas também a impugnação de parte da matéria de facto dada como provada e como não provada, sustentada na reapreciação da prova documental e da prova testemunhal gravada em audiência de julgamento e na correcta apreciação e ponderação dos factos provados e não provados; 8.– O que está em causa é que a quantia pedida não corresponde ao valor da reparação dos danos efectivamente sofridos pela viatura – que, de acordo com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, não terá sido superior a € 8.000,00 – e da sua colocação no estado em que se encontrava no momento imediatamente anterior ao do acidente; 9.– Do princípio geral estruturante da obrigação de indemnização e do regime emergente dos arts. 562º e 566º, nºs 1, 2 e 3, do Código Civil, resulta que o lesado é titular do direito à reparação dos danos sofridos, primeiro, por via da reconstituição da situação pré-existente e, não sendo esta possível, por via da indemnização em dinheiro em montante correspondente ao valor exacto dos danos, de modo a repor a viatura no estado em que ela se encontrava no momento imediatamente anterior ao do acidente; 10.– Este princípio e regime geral manifesta-se igualmente no âmbito de intervenção do FGA, regulada nos arts. 47º e seguintes do Dec.-Lei nº 291/2007, de 21AGO; 11.– À semelhança do regime geral, o regime do Dec.-Lei nº 291/2007, nomeadamente os seus arts. 47º, nº 1, 49º, nº 1, al. b), e 54º, nº 1, consigna que a responsabilidade do FGA para com o lesado e do responsável pelo acidente para com o FGA, é o valor exacto dos danos materiais que o lesado efectivamente sofreu, medido pelo valor da reparação integral da viatura e recolocação no estado em que se encontrava antes do acidente; 12.– Os RR. apenas são responsáveis perante o A. FGA pelo reembolso do valor exacto da reparação da viatura, sendo este, e não qualquer outro, o valor da sub-rogação acautelado na lei; 13.– A diferença entre o valor da indemnização paga pelo FGA ao lesado Yaroslav e o valor da reparação da viatura acidentada não é abrangida pela sub-rogação a favor do FGA, sob pena de isso representar para os RR. uma oneração e uma responsabilização superior à que a própria lei preconiza; 14.– Ao condenar os RR. a pagar ao A. FGA, por via da sub-rogação, uma indemnização de valor superior ao do dano infligido ao lesado proprietário do veículo não culpado, e não o prejuízo efectivo por este sofrido, expresso no preço da reparação da viatura e na sua colocação nas condições de circulação que detinha antes de sofrer o acidente, o Mmo. Juiz a quo subverteu o princípio geral da obrigação de indemnização e incorreu num erro de julgamento em matéria de direito, por errada interpretação e aplicação dos arts. 562º, 566º, nºs 1, 2 e 3, do Código Civil, 47º, nº 1, 49º, nº 1, al. b), e 54º, nº 1, do Dec.-Lei nº 291/2007, de 21AGO, pelo que a sentença deve ser revogada com tal fundamento; 15.– Face ao regime jurídico aplicável, a decisão sobre a matéria de facto contida na sentença é merecedora de censura, por ter julgado incorrectamente os pontos de facto a que aludem as als. N) e E) dos Factos Assentes, no sentido de que o Mmo. Juiz a quo extraiu deles, sem razão, que a reparação da viatura importava em € 11.785,31 e que os danos nesta causados foram os elencados no “Relatório de Perda Total”, junto como Doc. 3 à PI, dando-se cumprimento ao ónus fixado no art. 640º, nº 1, al. a), do CPC; 16.– O Mmo Juiz a quo não atendeu à falta de credibilidade do documento e à prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, concretamente, ao depoimento do próprio lesado Yaroslav (que declarou que a reparação importou em cerca de € 8.000,00, e que ainda ficou com dinheiro da indemnização que lhe foi paga pelo FGA), ignorando em absoluto toda a matéria que os RR. alegaram com vista à necessidade de determinação real da extensão dos danos e da consequente adequação do montante da indemnização devida à reparação dos danos real e efectivamente causados; 17.– Não é crível que a reparação dos danos reportados na perícia ascendesse a € 11.785,31, quando o dono da viatura despendeu na sua reparação completa uma quantia não superior a € 8.000,00; 18.– O “Relatório de Perda Total”, junto como Doc. 3 à PI, pela falta de credibilidade decorrente dos erros grosseiros na identificação das zonas acidentadas e na indicação de peças a substituir, que não careciam de ser substituídas, atendendo à dinâmica do acidente e ao facto de no veículo não seguir mais ninguém para além da sua condutora, e as declarações das testemunhas Oksana e Yaroslav, respectivamente condutora e dono da viatura acidentada, respectivamente, a serem devidamente ponderados, impunham necessariamente decisão diversa sobre os referidos pontos da matéria de facto, identificando-se estes meios de prova para efeitos do cumprimento dos ónus prescritos no art. 640º, nºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC; 19.– Em relação às zonas acidentadas, as fls. 1 e 2 do documento em causa contêm uma imagem, igual, destinada a assinalar essas zonas, sendo que na primeira consta como acidentada toda a frente da viatura e como não acidentada a parte lateral esquerda, ao passo que na segunda, a frente direita se apresenta incólume e a parte lateral dianteira esquerda, até à porta do condutor, afectada, ficando por determinar qual das duas versões é a correcta; 20.– No que respeita às peças e à mão-de-obra indicadas, suscita desde logo dúvidas a necessidade de substituição do cinto de segurança e dos prétensores do lugar dianteiro direito, componentes que não foram...

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