Acórdão nº 443/16.8T8TVD.L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução20 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO: Em 09.3.2016 Alexandrina intentou ação declarativa de condenação (incidente de liquidação) contra Companhia de Seguros, S.A.

(inicialmente,– Companhia de Seguros, S.P.A.).

A A. alegou, em síntese, que por sentença proferida em 09.12.2010 em processo-crime em que era arguido um segurado da ora R., pela prática de homicídio negligente em acidente de viação, tendo a ora A., além de outros interessados, deduzido pedido de indemnização cível contra a seguradora, fora esta condenada, além do mais, a pagar à ora demandante uma quantia que se viesse a apurar em sede de execução de sentença, respeitante aos rendimentos do ofendido (falecido marido da A.) resultantes da sua atividade agrícola, cujo valor anual não fora possível apurar e que integravam uma parcela de bens utilizados no sustento da sua vida familiar. Levando em consideração a perda dos rendimentos resultantes da atividade agrícola anteriormente levada a cabo pelo falecido marido da A., descontando as despesas que essa atividade implicava, e o acréscimo de despesa resultante da necessidade de adquirir os produtos que anteriormente abasteciam o seu agregado familiar, a A. sofre um prejuízo anual de € 22 800,00, valor esse a que deve ser aplicada a tabela geral de remissão [palavra usada pela A.] atendendo à idade da viúva e beneficiária.

A A.

terminou formulando o seguinte petitório: “Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente incidente ser julgado procedente por provado, devendo: - liquidar-se o valor a ser pago pelo Demandando à Demandante, correspondente aos rendimentos do ofendido resultante da sua actividade agrícola, cujo valor anual não foi anteriormente possível apurar, computando-se agora em € 22.080,00 (vinte e dois mil e oitenta euros) desde a morte do de cujus, à qual deve acrescer os juros de mora calculados à taxa legal, desde 21/07/2008 até efectivo e integral pagamento, - ser aplicado ao montante supra a tabela geral de remissão atendendo à idade da viúva e beneficiária.

- ser o Demandado citado para, querendo, contestar o presente incidente no prazo e sob cominação legal, seguindo-se os ulteriores termos até final.

” A R.

contestou a ação, impugnando tudo o alegado pela demandante que não tivesse sido dado como provado na sentença dada à liquidação, do que, no seu entender, decorria a sua absolvição do pedido.

Realizou-se audiência prévia, em que foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 08.3.2017 foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, fixa-se a indemnização a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes decorrentes da actividade agrícola, em 20.400,00 € (vinte mil e quatrocentos euros), condenando-se a Ré no pagamento de tal quantia à Autora, acrescida de juros, à taxa legal de 4% ao ano, desde 9 de Dezembro de 2010 até integral e efectivo pagamento.

Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Autora.” A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões: 1.– Vem o presente recurso interposto da douta sentença, pois a ora Recorrente não se pode conformar com a mesma, pelos motivos que infra se discriminam.

  1. – Assim, a ora Recorrente não concorda com o montante fixado pelo douto tribunal, a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes decorrentes da actividade agrícola.

  2. – Em primeiro lugar, e nos termos da tabela anexa à Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, se à data da morte do de cujus, este tinha 62 anos, tem direito a que seja aplicada uma taxa de 10,745.

  3. – Assim, os lucros cessantes decorrentes da actividade agrícola deveriam ter sido calculados aplicando-se a taxa de 10,745.

  4. – Em segundo lugar, não é racional a previsão sobre o tempo provável que restaria ao de cujus, no que diz respeito ao exercício da actividade agrícola, fixando tal previsão nos 66 anos.

  5. – Não é legítimo que o douto tribunal queira fixar o fim da prática da actividade agrícola nos 66 anos, quando, não são raros os casos em que as pessoas continuam a praticar a actividade agrícola, muito depois de atingirem os 66 anos.

  6. – Em terceiro lugar, o nível de esperança de vida, em Portugal, tem vindo a aumentar ao longo dos anos, sendo que há estudos que demonstram que a actividade agrícola é benéfica para a saúde dos que a praticam e dos que fazem essa actividade a sua vida.

  7. – Mesmo após atingir 66 anos, é possível trabalhar, nomeadamente, na actividade agrícola – sendo essa a prática entre os trabalhadores, nomeadamente, os agricultores em Portugal.

  8. – Independentemente da idade da reforma prevista em Portugal, é um facto que o legislador criou uma Portaria, que visa o “cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado”.

  9. – Pelo que, se o de cujus tinha 62 anos quando faleceu, então o douto tribunal deveria ter aplicado, mutatis mutandis, a tabela presente na Portaria 11/2000, de 13 Janeiro.

  10. – A Portaria supra referida é de aplicação directa e estipula os montantes correctos a aplicar.

  11. – Assim, os lucros cessantes decorrentes da actividade agrícola deveriam ter sido calculados, aplicando-se, directamente, a taxa de 10,745, correspondente à idade que o de cujus tinha aquando do momento em que faleceu, 62 anos.

    A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que condenasse a R. a pagar à A. a quantia devida nos termos da Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro.

    Também a R. apelou da sentença, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1)– Apenas os valores fiscalmente comprovados deverão estar na base ou servir para apuramento dos rendimentos auferidos.

    2)– Atendendo aos rendimentos fiscalmente comprovados da Autora e às despesas que a mesma reconheceu ter mensalmente, o rendimento mensal que a Autora obtinha da actividade que exercia com o seu falecido marido, era substancialmente inferior ao arbitrado na douta Sentença recorrida.

    3)– De qualquer forma, o facto de o valor arbitrado ser recebido numa única prestação indemnizatória e, por isso, ter um potencial gerador de riqueza que não ocorreria caso o valor fosse recebido mensalmente, ou seja, diluído no tempo impunha a sua redução em valor que corresponda a sensivelmente 25%, ou seja, ¼, do valor globalmente considerado.

    4)– Os juros são devidos desde a citação para a presente acção, data em que a Recorrida liquidou o seu crédito.

    5)– Ao ter decidido como decidiu, violou a douta Sentença recorrida quanto dispõem os artºs 483º, 564º e 805º do Cód. Civil e, bem assim, o artº 64º do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto.

    6)– Termos em que deve a Sentença recorrido ser alterada, nos moldes expostos supra.

    Nenhuma das apelações foi objeto de contra-alegações.

    Foram colhidos os vistos legais.

    FUNDAMENTAÇÃO.

    As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: Apelação da A.

    - Aplicação da Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro e idade do ofendido a considerar, com reflexo na indemnização a atribuir; Apelação da R.

    - Rendimentos a considerar para o cálculo da indemnização (apenas os fiscalmente comprovados ?) e relevância do pagamento da indemnização numa única prestação, na quantificação da indemnização; data da mora para o efeito dos juros.

    Por estarem interligadas, analisaremos em conjunto as questões suscitadas na apelação da A. e as duas primeiras levantadas na apelação da R.; depois, a última indicada pela R. (data de vencimento dos juros de mora).

    Apelação da A. e duas primeiras questões suscitadas pela apelante R.

    (aplicação da Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro, idade do ofendido a considerar e valor da indemnização; rendimentos a considerar para o cálculo da indemnização (apenas os fiscalmente comprovados ?); relevância do pagamento da indemnização numa única prestação, na quantificação da indemnização).

    O tribunal a quo deu como provada, não foi questionada pelas partes e é aceite por esta Relação, a seguinte.

    Matéria de facto.

  12. –No âmbito do processo-crime que correu sob o n.º 157/08.2GTTVD no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Torres Vedras – Instância Local – Secção Criminal – J1, foi a aqui Ré condenada, por sentença proferida a 9 de Dezembro de 2010, transitada em julgado, junta a fls. 74 verso e seguintes, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no pagamento à Autora, a título de danos patrimoniais, na vertente de lucros cessantes, da quantia de 80.000,00 € (oitenta mil euros), “acrescida da quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença, descontando-se a quantia de 62.107,31 €, nos moldes supra indicados”, em virtude de acidente ocorrido em 21 de Julho de 2008.

  13. –Da sentença referida em 1. consta, com relevância para estes autos, que: “Posto isto, e tendo em consideração os critérios acima explanados arbitra-se a indemnização por lucros cessantes, à demandante Alexandrina, no valor de €80.000,00 (oitenta mil euros), à qual deverá acrescer a quantia que se vier a apurar em sede de execução de sentença referente à actividade agrícola desenvolvida pelo falecido Celestino, afigurando-se ser equitativo descontar da globalidade da quantia já apurada e que se vier a considerar, o valor de €62.107,31, visto que tais montantes foram pagos pela demandada por conta do mesmo tipo de dano – lucros cessantes/perda de...

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