Acórdão nº 6989-12.0TCLRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução21 de Dezembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: S... SA, instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário, em 30/08/2012 contra A... e M..., pedindo que seja «a) Declarado que a A. tem direito de passagem através do acesso ao portão traseiro de cargas e descargas, uma vez que é o único acesso que possibilita o normal desenvolvimento das actividades normais que se desenvolvem nos referidos armazéns, e «b) Sejam os RR condenados a remover o muro que construíram e que impede o acesso da A. aos portões traseiros de carga e descarga de mercadorias dos seus armazéns.».

Alegou, em síntese: – é dona de uma parcela de terreno para fins hortícolas que adquiriu por escritura pública de 17/12/2004; – os RR são os donos de uma parcela de terreno contígua ao terreno da A.; – os dois prédios eram inicialmente um, pertencente à P... Lda; – existia e existe uma serventia de passagem sobre o prédio dos RR a favor do prédio da A. e que é necessária para o acesso ao portão traseiro de carga e descarga de mercadoria dos seus armazéns; – quando a A. adquiriu o prédio os RR levantaram um muro, retirando-lhe a passagem.

Contestaram os RR, pugnando pela improcedência da acção.

Alegaram em síntese: – compraram o prédio à P... por escritura pública de 04/09/1996; – quando o prédio foi dividido em dois, a P..., em parceria com os RR, segundo a vontade negocial das partes, de imediato procedeu a obras com vista à autonomia dos dois prédios, ficando definitivamente afastada qualquer eventual relação de serventia entre ambos; – além disso, inexistem sinais reveladores de serventia; – deve a A. ser condenada por litigância de má-fé.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença em 02/05/2017 que julgou a acção improcedente, absolvendo os RR do pedido e não condenando a A. por litigância de má-fé.

Inconformada, apelou a A., terminando a alegação com as seguintes conclusões: 1.

– A douta sentença viola o disposto no art.º 1549º do Código Civil, tendo-se constituído o direito de servidão por destinação do pai de família.

  1. – Estabelece o citado artigo que: “se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com o outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.” 3.

    – A douta sentença pronuncia-se sobre este artigo legal considerando que para a sua verificação são necessários quatro requisitos (Ac. STJ de 16.10.2012, disponível in www.dgsi.pt), a saber: 1.-dois prédios do mesmo dono ou duas fracções do mesmo prédio; 2.-sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de um para com o outro; 3.-a separação dos dois prédios ou fracções; e 4.-a inexistência de declaração contrária à servidão, no documento relativo à separação.

  2. – A douta sentença considera estarem verificados os requisitos 1 e 2, uma vez que os imóveis já formaram um único imóvel, então da propriedade da P..., prédio que foi desanexado quando ela vendeu aos RR.

  3. – E em consequência considera não verificados os requisitos 3) e 4).

  4. – A douta sentença confunde o requisito 2 com o 3, originando em consequência o vício de erro de fundamentação, uma vez que parece querer dizer que estavam verificados os requisitos 1. e 3. em vez dos referidos 1 e 2., vício que conduz à nulidade da decisão por contradição entre a matéria de facto e de direito.

  5. – Para além dos factos provados na presente acção cumpre expressamente referir que a providência cautelar em apenso deu como provados os seguintes factos, que fazem parte da presente acção.

  6. – Tendo ficado provado que os armazéns da ora Recorrente estavam construídos de forma a que o trajecto dos veículos automóveis pesados de maiores dimensões para a carga e descarga da mercadoria era feito da forma seguinte: “entravam pelo portão principal e, fazendo o trajecto assinalado com uma seta na fotografia de fls. 14, dirigiam-se para as traseiras do edifício de armazém, então propriedade de “P... Lda”, para aí efectuarem cargas e descargas de mercadorias de maior grandeza, situação que começou a verificar-se, embora com menor frequência, à medida que a “P... Lda” diminuía a sua actividade comercial.”, (cfr. facto 6 da matéria dada como provada da providência cautelar).

  7. – Tendo ficado igualmente provado que “De facto os veículos pesados de mercadorias com maiores dimensões só por essa passagem podiam aceder ao prédio que era da “P... Lda” , actualmente da requerente”, facto 7 da providência cautelar.

  8. – Os portões para as cargas de descargas das mercadorias estão situados nas traseiras do edifício de armazéns.

  9. – Os portões são um sinal visível que revela de forma permanente a serventia de um prédio sobre o outro.

  10. – Acresce que na douta sentença expressamente se refere que: “ademais anota-se que dois dos portões traseiros dos armazéns da A. e a sua dimensão podem ser observados na fotografia de fls. 107, ao passo que o portão existente na fachada fronteiriça das instalações da demandante está retratado a fls., 137, em termos de ser perceptível que o mesmo não permite a entrada de veículos pesados de mercadorias.

  11. – No respeitante ao 4º requisito e se a escritura de compra e venda é omissa quanto à servidão de passagem dizendo ser feita livre de ónus ou encargos contudo, os RR. juntaram aos autos com a contestação o denominado “Contrato Promessa de compra e Venda” celebrado entre a P... e o R. A..., celebrado em 20 de Novembro de 1994 cuja cláusula G diz o seguinte: “até ao momento da realização da escritura ou da data referida em F supra, manter-se-á a favor da P... uma servidão de passagem para entrada e saída de pessoal, de veículos de mercadorias comercializadas pela P... ou para uso do seu comércio”.

  12. – A referida Cláusula revela já então a preocupação de assegurar que os veículos que se dirigissem às instalações da empresa ou que de lá partissem pudessem circular pela parcela de terreno desanexada e vendida ao R.

  13. – Significativo que na cláusula G se tenha utilizado o termo “manter” referindo-se à servidão de passagem.

  14. – Relevante nesta matéria o depoimento de F..., testemunha da A., ex- funcionário da P... que afirmou que até ao encerramento da empresa (P...) que ocorreu em 2002, 2003 sempre as viaturas pesadas que se dirigiam às suas instalações entravam pelo portão principal e passavam pelo terreno comprado pelo R, e entravam pelos portões traseiros dos armazéns da P....

  15. – Acresce que a Recorrente juntou à providência cautelar existente nos autos A uma minuta de um acordo, com a mesma data da escritura pública que formalizou a compra e venda dos RR., pela qual estes reconheciam à P..., além do mais, o direito de servidão de passagem, a título gratuito, que lhe permitia o acesso através do portão principal, na forma a poder ser utilizado o portão traseiro de cargas e descargas de mercadoria Cláusula 4.ª al a) desse acordo.

  16. – O documento não está assinado e por isso falta-lhe um requisito essencial para que possa ser considerado um documento particular com força probatória que a lei atribui a este tipo de documentos.

  17. – No entanto não deixa de ser um documento (cfr. art.º 362º do Cód. Civil) e que vem provar o 4) requisito; isto é; a existência de um documento favorável à existência da servidão.

  18. – Que em declaração de parte A... admite conhecer e até admitir o ter assinado.

  19. – Desta forma entende a Recorrente que se encontra violado o disposto no art.º 1549º do Código Civil, violando a douta sentença este normativo legal.

  20. – Entende a Recorrente que também foram violados os princípios da livre apreciação da prova, e que em consequência, será possível, na apreciação do recurso, ao Tribunal da Relação corrigir a matéria de facto dada com assente, dando como “provados”, factos que foram dados como não provados.

  21. – Em causa estão os factos referidos em AB) sob os pontos 20) a 42), da matéria de factos não provados.

  22. – Assim, em obediência ao disposto no art.º 640º do CPC identificam-se como pontos concretos da matéria de facto que se considera erradamente julgados os descritos em AB) sob os pontos 20) a 42) matéria de factos não provados.

  23. – No que tange o depoimento da testemunha P... (inquirido na sessão de 20-02-2017 e que se mostra gravado no sistema “Citius”, como consta da respectiva ata) 27.

    – Ora esse relato (minutos 14:38:53) está em total oposição com a matéria dada como não provada, a testemunha começa por relatar que começou a trabalhar muito novo no local próximo do local dos autos, e declara que a P... antes de vender o imóvel ao Sr. A... e após a venda fazia o acesso por detrás pelas traseiras do edifício de armazém, então propriedade de “P... , Lda”, para aí efectuarem cargas e descargas de mercadorias.

  24. – Que mesmo após a venda do imóvel aos RR. a P... sempre usou o acesso traseiro dos armazéns.

  25. – Que o portão aberto pela Recorrente para ter acesso aos seus armazéns tem apenas 2,70 m de altura e 4 m da largura, não permitindo a carga e descarga de mercadorias de veículos pesados.

  26. – Mais refere que não havia outra hipótese senão a P... usar as traseiras do edifício de armazém...

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