Acórdão nº 402/14.5T8LSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução21 de Setembro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados.

Relatório: A intentou a presente acção contra a sua ex-mulher R pedindo a condenação desta a pagar-lhe 388.786,06€ a título de reembolso do montante pago pelo autor correspondente à quota-parte de que a ré era responsável a título de IRS de 2001 e 2002; mais 50% dos juros e demais encargos do contrato de financiamento celebrado pelo autor a fim de proceder ao pagamento dessa dívida, e das comissões e demais encargos bancários decorrentes das garantias bancárias prestadas e até que as mesmas sejam devolvidas pela Autoridade Tributária.

Para tanto alegou, em síntese, que foram casados durante 25 anos, no regime de comunhão de adquiridos, tendo o divórcio sido decretado em 05/03/2009; na vigência do matrimónio, o casal foi objecto de duas inspecções fiscais respeitante às declarações de rendimentos de 2001 e 2002; delas resultaram duas notas adicionais de IRS; sendo os rendimentos da actividade profissional do autor, a dívida era comum, mas, tendo-se a ré recusado a assumir o pagamento da dívida em conjunto com o autor, este veio a pagar sozinho a totalidade, de 777.572,13€, no âmbito das duas execuções fiscais para cobrança do valor respectivo; como o autor não tinha disponibilidade financeira para pagar tal montante, contraiu um empréstimo, do que lhe resultaram juros e encargos; e para suspender as execuções fiscais, suspensão que foi pedida pelo autor e pela ré, teve que prestar, também sozinho, duas garantias bancárias, com os correspondentes custos bancários; caso se entenda que não assiste razão ao autor a estes valores com base em direito de regresso, sempre lhe assistiria razão para os reclamar com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa da ré (art. 473 do Código Civil).

A ré contestou, no que ainda importa, (i) excepcionando: a 2.ª liquidação adicional referente ao IRS de 2001 resultou do recebimento de 170.000.000$ de um terceiro; pelos factos que deram origem a uma 1.ª correcção da matéria colectável, que veio a ser anulada, o autor foi alvo de um processo-crime, tendo tais factos por objecto; a liquidação adicional referente ao IRS de 2002 também se reporta ao recebimento pelo autor de 1.278.143,52€ do mesmo terceiro, matéria que é objecto de um processo de inquérito, em que o autor é arguido; sendo dívidas provenientes de crimes imputáveis só ao autor, são dívidas apenas deste (art. 1692-b do Código Civil); e (ii) impugnando: os rendimentos que deram origem às liquidações originais apenas beneficiaram o autor e não resultaram da actividade profissional do mesmo; nas relações com a fazenda pública a responsabilidade pelo pagamento daquelas liquidações adicionais de IRS são dos cônjuges, mas não assim nas relações entre ambos, em que a responsabilidade é apenas do autor, por não se verificar nenhum dos casos do art. 1691 (art. 1692, ambos do CC); à cautela, para o caso de se reconhecer ao autor os créditos pedidos, excepciona a compensação desses créditos com um crédito seu, de 1.000.000€, a título de cláusula penal, sobre o autor, pelo incumprimento por este, desde 30/06/2012, do contrato-promessa de partilha celebrado entre ambos, no ponto que se refere ao pagamento de um seguro de saúde das 3 filhas; na audiência prévia, esta excepção foi convolada para uma reconvenção.

O autor replicou, impugnando os factos base das excepções e os efeitos de direito que deles a ré quer retirar, dizendo, em síntese, que o pagamento do seguro às filhas era uma liberalidade feita que teve de deixar efectuar por não ter mais condições financeiras para o fazer, sendo que, quando deixou de o pagar, já as filhas eram maiores de idade; por outro lado, a cláusula penal dizia respeito ao incumprimento do contrato-promessa de partilha, no seu todo, e não da obrigação de pagar o seguro; para além dos valores serem desproporcionados: seguro: 8000€ anuais, cláusula penal: 1.000.000€.

A ré veio requerer a suspensão da instância dizendo, em síntese, que: A sua defesa assenta fundamentalmente na proveniência ilícita de rendimentos e pela impossibilidade da sua responsabilização por factos que importam apenas a responsabilidade subjectiva do autor e que estão submetidos a apreciação de outros tribunais no âmbito do proc. 4910/08.9TDLSB e do inquérito n.º 227/07.4ILSB.

A ré não dispõe de todos os elementos de prova, nem forma de os carrear para os presentes autos de forma completa, já que, como é do conhecimento público, o processo-crime onde o autor foi constituído arguido e no qual será analisada a extensa prova é também ele extenso e complexo.

Qualquer julgamento quanto a estes factos por este tribunal, poderá resultar em decisão que poderá ser contrária à que for produzida no âmbito do processo-crime, o que atenta contra os mais elementares princípios do Direito.

O processo-crime é anterior aos presentes autos e nele são conhecidas questões que o legislador considerou serem da competência de tribunais de competência especializada.

Assim, a decisão do caso sub judice depende do julgamento/decisão definitiva de outros processos pendentes.

Estamos perante uma causa prejudicial definida no art. 272/1 do CPC, pelo que deve ser determinada a suspensão dos presentes autos até que sejam proferidas decisões finais nos referidos processos.

O autor respondeu, em síntese, que: O que está em causa no processo é o reembolso do autor pelo pagamento de uma liquidação adicional de IRS, efectuada pela AT por entender que não foram declarados determinados rendimentos - bens comuns do casal – art. 1724-a do Código Civil - em 2001 e 2002, e não uma dívida ou indemnização proveniente de crime.

A AT não teria legitimidade para exigir o pagamento de qualquer dívida ou indemnização proveniente da prática de um crime; dívida ou indemnização totalmente alheias à presente situação e consequentemente à liquidação adicional do imposto.

Situação distinta seria estar em causa o pagamento de uma pena de multa pela prática de um crime, aí sim uma verdadeira dívida proveniente de crime, ou o pagamento de uma indemnização pelos danos morais ou patrimoniais resultantes da prática de determinado crime ou facto imputável ao autor. O que, manifestamente, não é o caso.

O disposto no art. 1692-b do CC não é aplicável à presente situação, por (i) não estarmos perante um dívida pela prática de um crime e (ii) por ter como objectivo salvaguardar a posição dos cônjuges perante terceiros credores e não nas relações entre cônjuges.

Estando, no caso, perante uma relação entre (ex-) cônjuges, sobre aquele que não pagou a dívida ao credor recairá sempre o ónus de demonstrar que não beneficiou da mesma, porquanto, recorrendo a interpretação lógica, terá que se concluir que a incomunicabilidade da dívida apenas é admissível para salvaguardar o cônjuge que não praticou o ato perante o terceiro credor e já não perante o outro cônjuge.

No presente caso, a ré beneficiou dos rendimentos que provieram dos negócios que originaram a liquidação adicional em 2001 e 2002, pois a ré confessa que sempre se dedicou às lides domésticas e à educação das filhas; ora, se assim é, naturalmente que o dinheiro que a ré despendia provinha dos negócios e rendimentos do autor, que era a única fonte de rendimentos do então casal.

A ré não beneficiou apenas dos rendimentos de (outros) negócios que este último celebrou e que não suscitaram qualquer controvérsia legal.

Acresce que o autor requereu a condenação da ré no reembolso dos montantes pagos também a título de enriquecimento sem causa, que é alheio a qualquer ilicitude, pelo que, mesmo que se entendesse que estamos perante uma dívida pela prática de um crime, a invocada questão prejudicial também nunca seria admissível.

O requerimento em causa foi indeferido, pela conjugação de dois despachos sucessivos, com os seguintes fundamentos, em síntese: Relativamente à correcção referente a 2001, tendo existido a nível tributário uma decisão definitiva, em nada releva o eventual ilícito criminal por parte do autor; ou seja, em relação ao processo-crime, entende-se que não existe qualquer causa prejudicial obstativa do prosseguimento dos autos, pois não existe qualquer relação directa entre esses factos e os que estão em causa nestes autos.

Relativamente a 2002, o autor apenas terá direito ao pagamento ou reembolso da quota-parte da ré, desde que haja uma decisão definitiva sobre essa cobrança; ora, foi entretanto junta informação, por certidão, sobre o estado do processo impugnação judicial sob o nº 728/08.4BELRS e dela resulta que a decisão foi de absolvição da instância da fazenda nacional e já transitou em julgado. Logo, entendo que já não se verifica qualquer causa prejudicial que determine a suspensão da instância.

Realizada a audiência final, acabou por ser proferida sentença, julgando a acção procedente (com necessidade de algumas liquidações posteriores) e a reconvenção improcedente.

A ré vem recorrer, abrangendo no recurso o despacho que indeferiu a requerida suspensão da instância, uma impugnação da decisão da matéria de facto, a condenação no pedido e a improcedência da reconvenção.

O autor contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

* Questões a decidir: se a acção devia ter sido suspensa; se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; se a ré não devia ter sido condenada, por se dever considerar que a dívida dos adicionais do IRS de 2001 e 2002 provieram de crimes ou que esses rendimentos não foram para ocorrer aos encargos normais da vida familiar nem trouxeram proveito ao casal; e se, caso contrário, se deve reconhecer um crédito da ré sobre o autor, por violação do contrato-promessa, a compensar com o que fosse reconhecido ao autor sobre ela.

* Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: a)-Autor e réu casaram em 01/12/1983, sem convenção antenupcial.

b)-O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 05/03/2009, tendo transitado em julgado em 27/04/2009.

c)-Do...

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