Acórdão nº 409/15.5 PGAMDE.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 19 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelLU
Data da Resolução19 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam em Conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: I-1.)Inconformado com o despacho datado de 22/10/2015, aqui melhor constante de fls. 2 a 4, em Mm.º Juiz de Instrução Criminal da Instância ... da Comarca de Lisboa ... julgou improcedente uma das nulidades invocadas, e por intempestividade, não tomou conhecimento de uma outra que também havia suscitado, recorreu o arguido Cláudio C...

, melhor identificado nos autos, para a presente Relação, deixando consignadas, a finalizar a sua motivação, as seguintes conclusões: 1.ª-O arguido foi notificado a 09/09/2015 do agendamento da diligência de tomada de declarações para memória futura nos presentes autos de inquérito.

  1. -Tal despacho foi proferido pelo Exmo. Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de ... da Comarca de Lisboa ... – Instância ... – ...ª Secção de Instrução Criminal – J....

  2. -Perante o referido agendamento, o arguido requereu, a 07/10/2015 ao Tribunal supra identificado, a consulta dos autos ao abrigo do art. 89.º, n.º 4 do CPP constante de fls. 621-623.

  3. -Foi o arguido notificado do indeferimento do seu requerimento, através de despacho proferido a 08/10/2015 de fls… proferido, desta feita, pelo Exmo. Sr. Juiz do Tribunal Judicial da ... da Comarca de Lisboa ... – Instância ... – Secção Criminal – J....

  4. -Através do requerimento de 16/10/2015 veio o arguido arguir a nulidade daquele despacho, porquanto no seu entender, o mesmo é nulo por violação das regras de competência territorial e, sem conceder e subsidiariamente, nulo por violação do princípio do contraditório e do direito de defesa do arguido conforme se encontra consagrado no art. 32.º, n.º 1 e 5 da CRP e no art. 6.º da CEDH.

  5. -Sobre o referido requerimento a arguir as nulidades, incidiu o despacho ora em crise, o qual veio julgar as mesmas improcedentes.

  6. -Vem desde logo o tribunal a quo sublinhar que a posição do Recorrente quanto a qual das instâncias é competente para tramitar os presentes autos não é inteiramente perceptível.

  7. -De facto, no seu requerimento, o arguido apresentou uma questão prévia onde diz não ser perceptível qual dos tribunais é o competente, mas di-lo, apenas e somente, para efeitos de envio da peça processual em causa.

  8. -De facto, diz o recorrente no art. 3. do seu requerimento: “Não obstante entender que o tribunal competente para tramitar os presentes autos é o Tribunal Judicial de ..., como infra se exporá, por dever de patrocínio e por mera cautela, o arguido remete o presente Requerimento a ambos, para ser apreciado por aquele que se entenda por competente.” 10.ª-Ou seja, o Recorrente assume de modo claro e patente qual a posição que defende relativamente à questão da competência territorial, ou seja, que é o Tribunal Judicial de ... o competente para a tramitação dos presentes autos.

  9. -Por outro lado, vem o tribunal recorrido argumentar no sentido da inexistência da referida nulidade, porquanto a competência para a intervenção do Juiz de Instrução Criminal em fase de inquérito é paralela com aquela que é atribuída ao Juiz da Instância Local.

  10. -Para tanto, invoca o disposto no art. 119.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 (doravante LOSJ), o qual determina que compete às secções de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito.

  11. -E ainda o disposto no art. 130.º, n.º 1, al. c) do mesmo diploma, que estabelece que compete às secções de competência genérica, fora dos municípios onde estejam instaladas secções de instrução criminal, exercer as funções jurisdicionais relativas aos inquéritos penais, ainda que a respectiva área territorial se mostre abrangida por essa secção especializada.

  12. -Da leitura singela destas normas parece decorrer que existe um concurso de competências, pois a mesma norma atribui a ambas as instâncias – central e local – poderes para a prática dos actos jurisdicionais no presente inquérito.

  13. -Sucede porém que, no âmbito da jurisdição penal, o legislador, escrupuloso no respeito pelos direitos dos arguidos, consagrou como princípio sagrado e inalienável o do juiz natural, o qual se encontra previsto no art. 32.º, n.º 9 da CRP.

  14. -O princípio supra mencionado pressupõe, assim, a garantia de que intervirá na causa o juiz que o deva ser, segundo as regras de competência legalmente estabelecidas para o efeito, sendo certo que tal princípio é aplicável não só ao juiz do julgamento, mas também ao juiz de instrução.

  15. -Ora, o juiz que irá intervir em determinado processo penal é aquele que resultar da aplicação de normas gerais e abstractas contidas nas leis processuais e de organização judiciária sobre a repartição da competência entre os diversos tribunais e a respectiva composição, 18.ª-Devendo em todo o caso, ser apenas um e só um o tribunal competente, sob pena de violação do art. 32.º, n.º 9 da CRP, bem como sob o perigo de prolação de decisões contraditórias entre si, as quais colocam em causa os direitos do arguido.

  16. -Deste modo, entende o Recorrente que não pode ser admitida a existência de uma “concorrência de competências” entre os tribunais aqui envolvidos, pois que desse modo de colocaria em causa o princípio do juiz natural.

  17. -Ora, sem prejuízo das leis de organização judiciárias supra citadas, entende o Recorrente que o tribunal competente para tramitar os presentes autos é, efectivamente, a Instância Central do Tribunal de ....

  18. -De facto, ao aplicar-se a norma prevista no art. 130.º, n.º 1, al. c) da LOSJ, tal retiraria toda a competência ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de ..., ficando assim por perceber o motivo da criação de uma secção especializada de instrução criminal, pois que toda a competência dessa sempre competiria às secções genéricas das instâncias locais.

  19. -Neste pressuposto, estabelece o art. 80.º, n.º 2 da LOSJ que os tribunais de comarca são de competência genérica e de competência especializada, acrescentando o n.º 2 do artigo seguinte que nas instâncias centrais podem ser criados tribunais especializados, como o caso dos Juízos de Instrução Criminal.

  20. -É o que sucede no caso da Comarca de Lisboa ..., cuja instância central, com sede em Sintra, possui um tribunal especializado de instrução criminal, cujas competências se encontram definidas no art. 119.º da LOSJ.

  21. -Ora, sendo certo que só pode existir UM tribunal competente para a tramitação dos actos jurisdicionais de inquérito, e atendendo a que a Instância Central da Comarca de Lisboa ... possui uma Secção especializada de Instrução Criminal, então, existindo uma concorrência de competência, forçoso é concluir que a Instância Local, por se desdobrar em secções de competência genérica, terá que ceder perante a secção especializada.

  22. -O que equivale a dizer que a Instância Local da ... terá que ceder perante a Secção de Instrução Criminal da Instância Central de ..., por esta ser especializada na matéria.

  23. -Por todo o exposto, temos como competente a Secção de Instrução Criminal da Instância Local do Tribunal Judicial de ..., razão pela qual não poderia o Tribunal Judicial da ... ter proferido o despacho de fls. relativamente ao requerido pelo arguido a 07/10/2015.

  24. -Ora, tendo o Recorrente requerido a consulta dos autos previamente à realização da diligência de tomada de declarações para memória futura, com o propósito de poder exercer cabalmente o seu direito de defesa e do contraditório constitucionalmente assegurados nos termos do art. 32.º da CRP, ao ter visto negado tal direito por despacho proferido por um tribunal que não era o competente para o efeito, e tendo, ainda assim, tal diligência tido lugar no passado dia 15/10/2015, verifica-se que a nulidade que ora expressamente se invoca, afectou de modo incontornável a dita diligência, a qual é também ela, igualmente nula, nos termos do art. 122.º, n.º 1 do CPP.

  25. -Razão pela qual, deve o despacho ora em crise ser revogado e, consequentemente, ser substituído por outro que declare nulo, por violação das regras de competência territorial, o despacho proferido sobre o requerimento apresentado a fls. 621-623 dos autos e, cumulativamente ser ainda declarada nula a diligência de tomada de declarações para memória futura que teve lugar no dia 15/10/2015, tudo nos termos do art. 119.º, al. e) e 122.º, n.º 1 do CPP.

  26. -Ainda que se entenda, no que não se concede, que no presente caso existe uma concorrência de competências ou uma “competência partilhada”, ainda assim, o tribunal competente para apreciar o requerimento apresentado pelo arguido seria o tribunal de ..., e não o da ..., razão pela qual, sempre seria o despacho de 08/10/2015 nulo por violação das regras de competência territorial.

  27. -Entendeu o tribunal recorrido que entre os tribunais aqui em causa existe não um conflito, mas uma concorrência de competências, sendo que apenas por meras questões de logística e de melhor organização de serviço, apenas as questões de maior complexidade justificam a remessa à Instância Central de Instrução Criminal de ....

  28. -No entanto, voltamos a sublinhar que o requerimento de fls. 621-623 tinha como objectivo requerer a consulta do processo na sequência do agendamento da tomada de declarações para memória futura, diligência essa que teria – e teve – lugar na Secção de Instrução Criminal de ..., tendo sido presidida pelo juiz de instrução criminal daquele tribunal.

    32.ª-Deste modo, quem tinha competência – aceitando-se a tese da competência partilhada – para proferir o despacho relativamente aquele requerimento só poderia ser o tribunal no qual tal diligência teria lugar, e não o tribunal da ....

  29. -De facto, é o próprio tribunal recorrido que refere no despacho ora em crise que “apenas as questões mais complexas de intervenção do juiz em fase de inquérito (como é o caso da tomada de declarações para memória futura) são os processos remetidos a esta Instância Central de Instrução Criminal (…)”.

  30. -Ora, se era o tribunal...

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