Acórdão nº 348/13.4TCFUN.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução28 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 20.6.2013 Nélio e Andreia intentaram nas Varas de Competência Mista do Funchal ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros, S.A.

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Os AA. alegaram, em síntese, serem donos de um prédio urbano, sito no Funchal, que adquiriram em 28.12.2006, com recurso a um empréstimo hipotecário contraído junto do BES. Para assegurar o bom pagamento do empréstimo os AA. celebraram com a R. um contrato de seguro tendo por objeto o aludido imóvel, estipulando-se como valor de capital seguro o montante de € 139 000,00, sendo certo que o imóvel foi avaliado, pelo BES, em € 155 000,00, o que permitiu que o BES emprestasse aos AA. o total de € 139 000,00. Sucede que em 20.02.2010, em consequência de violenta intempérie que se abateu sobre o Funchal, o prédio em causa ficou seriamente danificado, tendo sido declarada a sua perda total, pois a Câmara Municipal do Funchal considerou que o edifício se localizava em “zona não reconstrutiva.” Os AA. têm, assim, direito ao pagamento, pela seguradora, do montante seguro, de € 139 000,00, acrescido de 15% (€ 20 850,00), a título de indemnização por demolição e remoção de escombros, conforme consta no contrato de seguro, devendo esse valor ser utilizado pelos AA. para liquidarem as suas responsabilidades perante o BES. Valor esse que é muito superior àquele que a R. se propõe pagar, ou seja, € 58 369,68.

Os AA. terminaram pedindo que a R. fosse condenada a pagar aos AA. a quantia de € 159 850,00, acrescida de juros à taxa legal, até efetivo pagamento, destinando-se esse montante a liquidar a quantia exequenda junto do BES.

A R. contestou, por exceção e por impugnação. Por exceção, arguiu a prescrição do direito dos AA. e a ilegitimidade destes (por estarem desacompanhados do credor hipotecário). Por impugnação, aceitou a existência do sinistro e a perda total do edifício, alegou que o capital seguro correspondia ao custo da respetiva reconstrução e afirmou que tal custo, deduzida a franquia estipulada, orçava, segundo proposta que atempadamente apresentou tendo em vista a resolução imediata e extrajudicial da questão, em € 58 369,68.

A R. terminou concluindo que a ação deveria ser julgada em função da prova a produzir em audiência final, com as consequências legais.

Em 19.02.2014 realizou-se audiência prévia, em que se julgou improcedente a arguição de prescrição e bem assim a da ilegitimidade dos AA., fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência final e em 08.6.2015 foi proferida sentença em que se julgou a ação parcialmente procedente e em consequência se condenou a R. a proceder ao pagamento da prestação indemnizatória devida por força do sinistro ocorrido no dia 20 de Fevereiro de 2010, que se fixou em € 58 369,68, que deveria ser liquidada ao credor hipotecário, absolvendo-se a R. do demais peticionado.

Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões: A) Os AA. contrataram um seguro com a R., tendo como objeto o prédio urbano destinado a habitação, que foi sua casa de morada; B) Os AA. recorreram a crédito bancário junto do extinto BES, tendo este efetuado uma avaliação do imóvel, no montante de € 155.000,00; C) Simultaneamente, com base no valor mutuado pelo Banco, 139.000,00, os AA. seguraram o prédio junto da R., por igual valor; D) Com a intempérie de 20 de fevereiro de 2010, o prédio sofreu avultados danos, tendo a Câmara Municipal do Funchal declarado que era inviável a sua reconstrução no local, havendo perda total do imóvel; E) À data do sinistro, os AA. estavam a realizar obras de beneficiação no prédio, mas ali habitavam de forma permanente; F) A R. invocou só ter de indemnizar os AA. pelo valor da avaliação efetuada após o sinistro, mas não pelo valor total do seguro, apesar da perda total do imóvel; G) Os AA. sempre pretenderam contratar um seguro de garantia total do imóvel, associado ao crédito habitação, que os indemnizasse pela totalidade do capital em dívida, decorrente do mútuo; H) O contrato dos autos, denominado pela R. como multirriscos habitação, deve abranger a total¡dade da perda dos AA. já que estes não foram informados pela R., no momento da sua outorga, do conteúdo das suas cláusulas gerais; l) Atenta a violação deste dever de informação, há nulidade das cláusulas gerais, limitativas ou exclusivas do direito invocado pelos AA., a qual é de conhecimento oficioso pelo juiz a quo; J) Sendo oficioso, o conhec¡mento desta nulidade tem de ocorrer, mesmo que tal não tenha sido alegado pelos AA. no seu articulado, mas apenas em sede de declarações de parte; K) Face a tal nulidade, a R. devia ter sido condenada no pagamento do total do capital seguro, atenta a perda total do imóvel, e não em verba parcelar, decorrente de avaliação posterior ao s¡nistro; L) Ao atuar desta forma, a R. age em manifesto abuso de direito; M) A sentença recorrida viola, entre outros, o artigo 5.º do DL 446/85, de 25 de outubro, e os artigos 227.º, 236.º, 286.º e 334.º do Código Civil.

Os apelantes terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e a R. condenada a indemnizar os AA. no montante correspondente ao valor do empréstimo junto do extinto BES, à data do sinistro, bem como todos os encargos posteriores daí decorrentes, o qual reverteria a favor do credor hipotecário.

A apelada contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões: I. Os Autores pretendem em sede do presente recurso invocar a nulidade do contrato de seguro celebrado e em apreço nos autos, por um lado alegando não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis e por outro, que tais cláusulas não lhes foram explicadas ou comunicadas para efeitos da sua eventual exclusão do contrato II. Concluindo os Apelantes que a sentença enferma de nulidade por violação do artigo 5º do DL 446/85, de 25 de Outubro e os artigos 227º, 236º, 289º e 334º do Código Civil.

  1. No entanto, face à prova produzida em audiência de julgamento, bem como ao acervo documental que constitui os autos, julga-se nada haver a apontar à matéria dada como provada pela Exma. Juiz a quo; IV. Nunca em todo o processo, à excepção do articulado correspondente às Alegações de Recurso ora objecto de resposta, invocam os Autores quaisquer factos susceptíveis de imputar à Seguradora, aqui Recorrida uma responsabilidade por culpa na formação do contrato (artigo 227º do Código Civil) e/ou tão-pouco passíveis de integrarem uma contratação em erro sobre o objecto do negócio ou sobre os motivos (artigos 251º e 252º do Código Civil) que permitissem colocar em crise a validade da sua declaração.

  2. Os ora Recorrentes ao alegarem apenas no presente momento processual a nulidade do contrato de seguro dos autos, realiza uma verdadeira e inadmissível alteração da causa de pedir da acção! VI. Na verdade é encargo das partes aportar ao processo os factos que sustentam as respectivas pretensões, em termos tais que o tribunal, na decisão a proferir, só pode tomar em consideração os factos alegados (e provados) pelas partes.

  3. Pois, estamos em presença de um sistema processual civil pautado pelo princípio do dispositivo, onde a actuação do juiz é essencialmente diga-se “passiva”, porquanto, na decisão a proferir, apenas deverá basear-se nos factos alegados pelas partes.

  4. Sobre as Partes recai, consequentemente, o ónus de alegação dos factos a considerar pelo Juiz.

  5. No que respeita aos factos que fundam o pedido é de distinguir os factos essenciais dos factos instrumentais.

  6. Os factos essenciais que fundam o pedido são os que integram a causa de pedir, isto é, aqueles em que, se baseia a pretensão do autor deduzida judicialmente. São os factos constitutivos do seu direito, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma. Enquanto factos “que realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor” e sem os quais se não “encontra individualizado esse direito”.

  7. Os factos essenciais proprio sensu carecem de alegação, salvo os notórios, os que o tribunal conhece por virtude do exercício das suas funções e os constitutivos da simulação ou fraude processual; XII. Quanto ao momento da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção, os mesmos devem ser alegados pelo Autor na Petição Inicial, ou mesmo em sede de Audiência Prévia, ou em sede de eventual Articulado Superveniente (para factos novos).

  8. Os factos, ditos essenciais, os quais as partes não alegaram nos seus articulados (concretamente na PI, ou eventualmente em sede de direito de resposta em Audiência Prévia) preclude o direito de o fazerem.

  9. Os Autores peticionam a condenação da Ré no pagamento da quantia de €159.850,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, até efectivo pagamento, montante a liquidar ao Banco Espirito Santo, S.A., atendendo à perda total do imóvel seguro face o dano verificado no mesmo, objecto do contrato de seguro, fundando a sua pretensão neste mesmo contrato.

  10. Assim, alegam a existência de contrato seguro, facto essencial para a pretensão dos Autores, sendo que quanto à natureza do mesmo apresentam um entendimento diferente daquele que a R. explanou nos autos e a qual veio a ser sufragada pelo Tribunal a quo.

  11. Ora, os Autores aqui Recorrentes ao longo de todo o processo nunca se prontificaram a alegar qualquer nulidade do contrato subscrito ou qualquer obscuridade do mesmo.

  12. Simplesmente não conseguiam ver, com o devido respeito aquilo que é óbvio e decorre da letra e teor dos documentos contratuais subscritos que nas palavras da sentença a quo se revela cristalino! XVIII. A douta sentença do Tribunal a quo, a este propósito bem refere que os Autores nada alegaram no sentido de que aquando da celebração do contrato de seguro não lhes ter sido transmitido o alcance e significado das condições que lhe são aplicáveis, e...

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