Acórdão nº 1454/09.5TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelFERREIRA DE ALMEIDA
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório.

  1. K..., G..., M..., S... e A..., os 3 últimos menores, representados por seus pais, 1º e 2º AA., vieram propor, contra G..., G... SA, V... SA, e T... SA, acções seguindo forma ordinária, posteriormente apensadas e distribuídas à 1ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação do 1º R. a pagar aos AA. a quantia total de € 1.200.000, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, a título de indemnização por danos morais, decorrentes da publicação pelo 1º R., em livro e DVD, da sua versão dos factos relativos ao desaparecimento da menor, M... , ora 3ª A. e, bem assim, a proibição da venda, edição ou divulgação, por qualquer dos RR., do livro e DVD em causa.

    Contestaram todos os RR., impugnando a responsabilidade que lhes é imputada - concluindo pela improcedência da acção.

    Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual se considerou a acção parcialmente procedente, condenando-se o 1º R. a pagar a cada um dos 1º e 2º AA. a quantia de € 250.000, acrescida de juros legais, e proibindo-se os 1º, 2ª e 3ª RR. de proceder à venda, execução de novas edições e cedência de direitos de autor relativos ao livro e DVD em causa - absolvendo-se esses RR. do demais peticionado e a 4ª R. da totalidade do pedido.

    Inconformados, vieram os 1º, 2ª e 3ª RR. interpor recursos de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões : R. G...

    -O livro, documentário e entrevista em causa nos presentes autos têm como principal motivação a defesa, por parte do R. G..., da sua honra pessoal e profissional.

    -A escrita e publicação do livro, bem como o documentário e entrevista referidos, estão ao abrigo dos direitos constitucionalmente garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela Constituição da República Portuguesa, designadamente nos seus arts. 37º e 38º.

    -Direitos esses que, de forma alguma, poderão ser afastados através da invocação de quaisquer obrigações especiais de reserva atribuídas ao apelante, só porque foi Inspector da Polícia Judiciária, como é feito na decisão recorrida.

    -O respectivo conteúdo não ofende nenhum dos direitos fundamentais dos AA., quer no que respeita à reserva da sua vida privada, nos termos e para os efeitos dos arts. 80º e 81º do C.Civil, na medida em que foram eles próprios quem, voluntariamente, limitou/afastou esse direito, ao se terem multiplicado em entrevistas e intervenções nos órgãos de comunicação social.

    -Quer, da mesma forma, relativamente à sua imagem e bom nome, ao colocarem o caso na praça pública e dando-lhe notoriedade a nível mundial, abrindo, assim, todas as portas para todas as opiniões, mesmo àquelas que lhes sejam adversas.

    -Quer, ainda, no respeitante a quaisquer garantias de usufruírem do processo penal, nomeadamente a uma investigação justa e ao direito à liberdade e segurança, na medida em que o conteúdo do livro, documentário e entrevista em causa descrevem os factos constantes da investigação.

    -Factos esses, aliás, postos à disposição do público em geral pela própria Procuradoria-Geral da República, que determinou a criação de uma cópia digital do processo de inquérito, com ressalva de elementos sujeitos a sigilo absoluto, e a sua entrega, sob requerimento, a diversas pessoas, nomeadamente jornalistas, o que ocorreu.

    -Tendo o conteúdo de tal cópia digital sido divulgado, designadamente através da Internet e conhecido, comentado e discutido pública e universalmente.

    -Não existe, por isso, qualquer dever de reserva que possa ser imposto ao R. sobre factos que foram divulgados e tornados públicos, designadamente todo o processo de inquérito.

    -Inexistindo esse dever de reserva, a liberdade de expressão do R. prepondera e prevalece sobre os invocados direitos dos apelados, tal como a sentença considerou até ter introduzido aquele inusitado dever de reserva.

    -A actuação do R., ora em causa, não é, assim, ilícita, nos termos e para os efeitos do art. 4830 do C.Civil, não podendo ele, consequentemente, ser condenado a pagar qualquer indemnização e devendo ser inteiramente absolvido do pedido formulado pelos AA.

    -Nem, tampouco, impedido de publicar, vender e divulgar o livro e o DVD em causa.

    -Sendo de notar que, nos termos da mesma norma, para além da ilicitude, que não se verifica, para sustentar o pedido de indemnização cível, seria também necessária prova de nexo de causalidade entre o comportamento do R. e danos, dignos de nota, sofridos pelos AA., o que, se atentarmos às respostas dadas aos arts. 11 a 16 da base instrutória, bem como à respectiva motivação, está totalmente afastada.

    -Devendo, ainda, tomar-se em linha de conta que as afirmações constantes desses artigos se afiguram mais como conclusões e não como factos a serem levados a uma base instrutória.

    -Conclusões essas que, de forma alguma, se encontram alicerçadas em qualquer factualidade, quer constante da mesma base, quer vertida nos articulados dos AA.

    -Para o caso, porém, de, por absurdo, se considerarem como tal (danos de facto alegados, dignos de protecção e de algum modo causados pelo livro e pelo DVD) os constantes dos arts 13ºa 15ºda base instrutória - nada mais a título de danos foi dado como provado - diga-se que os mesmos não são verdadeiros.

    -Para se aferir dessa falsidade, e na medida em que o ora apelante entende que infirmam tais "factos", bastará a reapreciação da prova gravada, ou seja, o depoimento da testemunha M..., o depoimento da testemunha A... e o depoimento da testemunha A...

    -Depoimentos esses que evidenciam que, já antes da publicação do livro e do documentário em causa, circulavam publicamente, com o pleno conhecimento dos AA., designadamente na Internet, teorias e teses idênticas às do R.

    -Pelo que, a serem verdadeiros os sentimentos dados como provados na matéria factual ora em causa, sejam eles de raiva, desespero, angústia, mal-estar ou preocupação, nomeadamente quanto ao que os filhos possam vir a pensar, a verdade é que as razões para os mesmos já existiam antes de qualquer intervenção do R., ora apelante.

    -O mesmo se podendo afirmar no que a insónias e falta de apetite respeita.

    -Devendo o Tribunal ter em linha de conta que os depoentes são todos testemunhas próximas dos AA. (familiar, psicólogo e advogado) e que, notoriamente, nas suas declarações, acabam sempre por tentar desvalorizar as teses anteriores ao livro e ao documentário e, naturalmente, sobrevalorizar o impacto destes no estado de espírito dos AA.

    -Especialmente em relação à testemunha M..., que estava encarregada de acompanhar os AA., após o desaparecimento da menor M..., na divulgação de campanhas e monitorização de alguns sites e informação veiculada via Internet.

    -Testemunha essa que, em sede de análise sumária e crítica dos principais depoimentos testemunhais, foi desacreditada pelo Tribunal (e bem) por se fazer acompanhar por notas manuscritas onde surgem ordenados, numa sequência cronológica quase perfeita, os tópicos de respostas às perguntas que lhe foram feitas na audiência final.

    -Mas cujas declarações, nesta sede, quando aceita, evidentemente contrariada, que já anteriormente ao livro e ao documentário circulavam as teses adversas ao casal M... - contra o R./apelante - devem, pelo contrário, ser especialmente tidas em conta.

    -Tudo isto sem prejuízo de se poder afirmar não se compreender o porquê de relativamente a estes factos, ora impugnados, o Tribunal não ter já na sentença recorrida, optado por dá-los como não provados, quando, como se pode ver da motivação relativa à resposta ao art. 13º da base instrutória, expressamente conduiu: "Art. 13º- A resposta à matéria dos arts. 12º e 13º não pode alhear-se da asserção (que se julga elementar a partir das regras da experiência comum) que mais do que qualquer teoria ou opinião sobre as causas do desaparecimento de M... B... M... é o facto do seu desaparecimento que domina, em efeitos negativos, o estado emocional/ psicológico dos AA. seus pais. Esse estado emocional negativo é pré-existente ao livro, ao documentário e à entrevista versadas na acção e não deve confundir-se com as consequências psicológicas específicas desses concretos eventos”.

    -Assim sendo, ao decidir no sentido que decidiu, a sentença recorrida incorreu em flagrante inconstitucionalidade, por violação substantiva do disposto no art. 37º da CRP e no art. 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem contrariando frontalmente a jurisprudência dominante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre esse preceito; -Não se mostrando preenchidos os requisitos às condenações em causa, quer quanto à existência e concretização de quaisquer direitos dos apelados quer quanto à sua lesão séria e/ou ameaça de lesão que, mesmo que existissem - e não existem - não se sobreporiam nunca ao direito opinião e de liberdade de expressão do apelante.

    -Mais viola a decisão recorrida o art. 483º do C.Civil, na medida em que da actuação do apelante não resultaram quaisquer danos para os apelados.

    -Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente, por não provada, a acção, com a consequente absolvição do R. relativamente a todos os pedidos contra si formulados, reconhecendo-se-lhe o seu constitucional direito à opinião e a sua liberdade de expressão.

    RR. G... SA, e V... SA.

    -Estamos num Estado de direito democrático, baseado no pluralismo de expressão, que assegura a liberdade de pensamento e a sua livre divulgação, para além de devermos todos contribuir para o enriquecimento da cultura, pela publicação de livros e documentários.

    -Indiscutível a notoriedade e a fama que os requerentes alcançaram em Portugal e no mundo, não podem estes permitir que os órgãos de comunicação social lhe façam entrevistas, até na intimidade do seu lar, se tal lhes é favorável, e depois proibir a publicação de livros ou comentários até, sobre factos públicos, quando alegadamente estas lhe podem ser desfavoráveis.

    -Assim, a esfera da vida privada dos...

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