Acórdão nº 374-15.9YHLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCARLOS MARINHO
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

RELATÓRIO: C … S.A., com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou providência cautelar de proibição de continuação de violação de direitos de propriedade intelectual contra O... S.A., e D..., ambos neles também melhor identificados, por intermédio da qual requereu em juízo que, sem audiência prévia da parte contrária, ordenasse que os Requeridos: (i)Removam de imediato todos os artigos que consubstanciam utilizações não autorizadas dos artigos da Requerente e/ou reproduções dos artigos da Requerente; e (ii)Se abstenham de utilizar ou reproduzir qualquer obra da Requerente sem a sua prévia autorização.

Mais peticionou: (iii)Que as medidas referidas sejam cumpridas imediatamente após a notificação da decisão; (iv)Que os Requeridos seja condenada (sic) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 5.000,00€ (cinco mil euros), por cada dia, em atraso do cumprimento da decisão que vier a ser decretada, nos termos do artigo 210.- Gº, n.º 4, do CDADC.

Caso o procedimento cautelar não seja decretado sem audiência prévia, deve o Tribunal ordenar que os Requeridos venham juntar aos autos os relatórios com o número de views, likes, partilhas e re-partilhas nas redes sociais dos artigos aqui em causa, bem como o número de subscritores do jornal “O...”.

Alegou, para o efeito, com relevo no âmbito da providência que requereu, que: é proprietária da revista “S...”; a 1.ª Requerida é proprietária do jornal “O...”; este jornal é uma publicação periódica online, gratuita que contém notícias das mais variadas matérias; paralelamente, o jornal “O...” envia, por email, três vezes por dia, aos seus subscritores, uma newsletter que pretende sumariar aos seus leitores alguns dos assuntos «quentes» do dia; as newsletters que produz têm os títulos «360.º», «Hora do Fecho» e «Macroscópio»; tais newsletters, incluem, na maioria das vezes, textos e remissões para artigos do jornal “O...” que, por sua vez, reproduzem artigos de jornais da concorrência com links para os sítios online dos referidos órgãos de comunicação social; são constantemente objecto de publicação no jornal «O...» notícias originariamente transmitidas ao conhecimento do público pelas publicações da Requerente, sem a sua prévia autorização, designadamente artigos da revista “S...”; em ...

de Junho de 2015, foi publicado, na revista «S...», o artigo intitulado «Epá, bem-vindo ao mundo real», da autoria do jornalista A..., incidente sobre a segunda parte de um dos interrogatórios a J..., ...

de Portugal, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, em Lisboa, no âmbito do processo criminal que ainda corre termos e que determinou, no fim do ano passado, a sua prisão preventiva; nessa mesma data foi publicado, no jornal «O...», por intermédio da jornalista F..., um artigo intitulado «Interrogatório a S... II: férias pagas em numerário e quadros em casa da empregada da mãe»; tal publicação foi referida nas newsletters que o jornal «O...» envia aos seus subscritores; da comparação entre as duas notícias facilmente se percebe que, no texto publicado no jornal «O...» são transcritos exactamente os mesmos excertos do interrogatório a J... que a revista «S...» utilizou; tudo o que foi divulgado na notícia da revista «S...» decorreu, exclusivamente, da actividade de investigação levada a cabo pela revista e pelo seu jornalista, nomeadamente com recurso a fontes que apenas a «S...» tem acesso; a notícia publicada pelo jornal «O...» foi uma mera reprodução ipsi verbis da notícia da revista «S...» com recurso a citações e ao discurso indirecto; a referida reprodução foi publicada sem a prévia autorização da Requerente violando, assim, os Requeridos, os seus direitos de autor; estamos perante uma violação efectiva, grave e dificilmente reparável dos direitos da Requerente, o que lhe causa os prejuízos que descreveu. Foi ordenada a citação dos requeridos que vieram deduzir oposição peticionando ao Tribunal que a providência fosse julgada não provada e improcedente, «indeferindo-se o seu decretamento». Para o efeito, impugnaram factos, arguiram o abuso de direito por parte da Requerente, sustentaram não se verificarem os pressupostos do decretamento da providência cautelar e patentearam considerar inexistentes os direitos invocados contra si bem como ilícitos penais ou concorrência desleal.

A Requerente pronunciou-se sobre tal oposição defendendo a improcedência da alegação de abuso de direito e mantendo, quanto ao mais, o já alegado no Requerimento Inicial.

Foram realizados a instrução, discussão e julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que julgou o procedimento cautelar totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Requeridos dos pedidos.

É desta sentença que vem o presente recurso interposto por C... S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões: DA EXISTÊNCIA DE OBRAS TUTELADAS PELO DIREITO DE AUTOR E DA EXTENSÃO DE TAL TUTELA 1.As obras jornalísticas em causa nos autos, da autoria do jornalista A..., publicadas nas edições da revista S..., de ... de Junho e de ...

de Setembro de 2015, são produto do trabalho criativo do seu autor e, como tal protegidos pelo Direito, nos termos do artigo 1º, do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (“CDADC”), como bem entendeu a decisão recorrida.

  1. A mera transcrição de um interrogatório ou despacho judicial não merece de per se a tutela dos direitos de autor, mas a partir do momento em que a esses factos é adicionada a criatividade do seu autor – através da composição; da seleção que faz dos trechos mais importantes; da sistematização, da perspetiva que dá aos conteúdos – os mesmos, tal como são narrados pelo seu autor, passam a estar também protegidos pelo direito de autor, só sendo legítima a sua reprodução sem autorização nos exatos termos em que a lei o permite, o que manifestamente não aconteceu no caso sub judice.

  2. Ao contrário do que entendeu a douta decisão recorrida, os artigos do O... não se limitaram a citar as declarações do interrogatório, as quais não gozam da tutela do Direito de Autor. Os artigos do O... reproduzem os da S..., em termos tais que transmitem ao leitor toda a originalidade destes últimos, os elementos que expressam a criação intelectual do seu autor, A...: pela idêntica seleção das passagens do interrogatório; pela idêntica sequência do mesmo e das respectivas ideias (remete-se para o confronto dos trechos reproduzidos em ambas as publicações nos factos provados 25/26; 27/28; 29/30; 31/32 e assim por diante). Essa identidade basta para haver uma apropriação intelectual do trabalho d’outrem. Basta para se considerarem violados os direitos de autor da Recorrente.

  3. A diferente extensão das transcrições não é relevante, pois caso contrário, estaríamos perante uma situação de plágio manifesto e integral! O plágio não é a cópia servil, é mais insidioso porque se apodera da essência criadora da obra sob uma veste ou forma diferente e só se verifica quando a própria estruturação ou apresentação do tema é aproveitada.

  4. E foi precisamente isso que ocorreu no caso sub judice. A estruturação criada, pensada, preparada e materializada por A... nos textos da S... foi apropriada pelos Recorridos, sem que aportassem qualquer novidade ou atividade criativa.

  5. Caso os Recorridos tivessem tido acesso ao facto ou às declarações em si mesmas é evidente que o seu relato, perspetiva de seleção, passagens assinaladas ou trechos evidenciados, seriam diferentes. O seu texto seria diferente. Não haveria identidade com os textos da Recorrente. O que os Recorridos fizeram não foi noticiar o mesmo facto. Foi noticiar o facto tal como tinha sido relatado por A..., com todo o cunho criativo – muito ou pouco, com mais ou menos mérito – que nele imprimiu. E é isso que confere identidade aos textos 7.O entendimento seguido pela decisão recorrida esvazia a proteção que o Direito de Autor confere à obra jornalística, pois esta, por natureza, relata e “trabalha” factos. Se sob a proteção ou o pretexto de serem “factos” que, enquanto tal não merecem proteção autoral, qualquer outro jornalista pode apropriar-se do trabalho e dos textos de outros, reproduzindo-os com a extensão que entender, equivale a dizer que os textos jornalísticos, salvo se implicarem uma reprodução ipsis verbis, não merecem proteção autoral.

  6. Em suma, ao considerar que os artigos do O... não violaram os direitos de autor da Recorrente, violou a decisão recorrida os artigos 1º e 9º do CDADC.

    OS LIMITES DA UTILIZAÇÃO LIVRE 9.Considerando que as obras jornalísticas da Recorrente são tuteladas pelo Direito de autor e, como tal sujeitas ao princípio geral da exclusividade, que determina que só o seu autor as pode utilizar e explorar, tampouco as reproduções daquelas feitas pelos Recorridos cai nalguma das exceções admitidas pelo art. 75º do CDADC, as quais devem ser interpretadas restritivamente.

  7. Para aferição da licitude da utilização livre, o artigo 75º do CDADC, a Convenção de Berna e a Diretiva nº 2001/29/CE, recorre à “regra dos três passos.” 11.Em primeiro lugar e como primeiro passo, a reprodução da obra tem que se enquadrar nalgum dos casos especiais previstos no nº 2 do artigo 75º do CDADC.

  8. Ora, quer a alínea d) quer a alínea g) do nº 2 do citado artigo 75º determinam que o uso da obra da Recorrente terá de ser justificado para o fim de informação prosseguido ou na medida justificada pelo objetivo a atingir, requisitos esses que não foram apreciados pela decisão recorrida e que não estão verificados no caso em apreço.

  9. Na verdade, se como pretendem os Recorridos, a ideia é apenas “chamar a atenção” para os artigos da S..., bastava uma mera menção ou referência ao interrogatório. Tal como a Recorrente fez, na véspera da publicação da revista S..., quando anunciou no seu site e que está reproduzido no Facto Provado 16). Em que nada se reproduz; nada se transcreve.

  10. Os Recorridos foram muito mais...

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