Acórdão nº 570/14.6PFSXL.L1-3 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução23 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.Após a realização da audiência de julgamento nestes autos 570/14.6PFSXL e por acórdão depositado a 11/4/2016, o tribunal colectivo condenou cada um dos arguidos M.V.B.

e V.L.C.

, pelo cometimento de um crime de abuso sexual de criança qualificado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº 1, e 177º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de cinco anos de prisão, de execução suspensa por igual período de tempo e mediante o regime de prova.

Os arguidos interpuseram recurso e da motivação extraíram as seguintes conclusões (transcrição): “A.

  1. Os factos provados no acórdão recorrido referem práticas "frequentes", decorrentes de "estímulos", "combinações", "incentivos", "incentivo/', "conluio/', fazendo crer que era habitual e prática quotidiana dos arguidos envolverem a sua filha L. em práticas e jogos erotizados.

  2. Porém, a prova realizada ficou muito aquém da demonstração que se impõe para assim se poder concluir! 3.Na decisão sub judicie majorou-se, para firmar a convicção do Tribunal, os depoimentos indirectos, com o argumento de que foi ouvida a "fonte" das histórias relatadas por quem ouviu dizer! 4.Contudo, não bastará a "fonte" ser chamada a depor para se poder valorar os depoimentos indirectos. É, antes, necessário que a "fonte" seja chamada a depor sobre os factos relatados no testemunho do que foi ouvido dizer, sob pena de não se poder ser valorado tudo o que for dito além do questionado ao depoente "fonte".

  3. Neste sentido, não pode ser admitida e valorada qualquer prova que extravase o âmbito do depoimento da "fonte", pelo que os depoimentos das testemunhas M.E.B., R.B. e S.B. - avó, avô e tia maternos, respectivamente — terão que ser amplamente desconsiderados.

  4. O depoimento da "fonte" (menor L.) é parco no contexto a que os factos constantes da acusação - e carreados para a decisão em tarefa de copy paste — dizem respeito.

  5. Percorrendo o depoimento da menor L. é possível aferir que, em momento algum, lhe foi questionado se os pais lhe confidenciaram que as "ritualizações" que faziam entre eles tinham que ficar em segredo.

  6. Também, em momento algum do mesmo depoimento, lhe foi questionado se os pais tinham por hábito andar nus à sua frente.

  7. De igual modo, não foi a menor questionada se tomava banho com os pais e se iam todos nus para a banheira.

  8. Doutro modo sim, respondeu a depoente que as "brincadeiras" ocorriam com os intervenientes vestidos! 11.Descreveu as "brincadeiras" com naturalidade, não referindo qualquer facto — ainda que indiciário ou suspeito — do qual se possa inferir algum jogo erotizado ou de cariz sexual.

  9. Questionada sobre se viu o pai nu, respondeu afirmativamente, facto confirmado, aliás, pelos arguidos e contextualizado no ambiente familiar de tomada de banhos. Nada se indagou mais em sede de depoimento sobre esta questão! 13.Questionada sobre se já mexeu na "pilinha do pai' respondeu, primeiramente que não se lembra, mas, posteriormente e em contexto de situações em que se magoavam no jogo das cócegas, disse que sim: "dava um beijinho na mão e depois punha na pilinha do pai'.

  10. Não foi, no entanto, questionada — o que seria absolutamente relevante para o apuramento da verdade material — se o pai estava nu quando isso sucedia! Porventura não...

  11. Os arguidos explicaram — nas declarações prestadas - de forma coerente o contexto em que aconteceu o contacto da menor com a nudez (numa base de curiosidade natural).

  12. De idêntico modo, nada foi questionado à menor L. quanto à brincadeira das pinturas corporais e quanto à razão para ter dado um beijinho no mamilo da mãe! 17.Pelo que entendemos ser contrário ao espírito da lei e viola os princípios constitucionais garantidos à defesa a valoração de depoimentos indirectos que não resultem directamente da sindicância dos factos à depoente "fonte".

  13. Devendo, pois e necessariamente, ser desconsiderados os depoimento da avó, avô e tia maternos em tudo o que não respeite a factos questionados à depoente L. ou, claro está, a factos de conhecimento directo destas testemunhas.

  14. Doutro modo, está-se a violar o disposto nos artigos 128° e 129° do Código Penal -violação essa que está consumada no aliás douto acórdão ora sob escrutínio.

    B.

  15. O Tribunal a quo considerou indevidamente factos como provados.

  16. Com efeito, considerou provados factos que não resultam de nenhum depoimento (nem directo, nem indirecto) e, por sua vez, inflamou uma realidade que, a ter de algum modo existido, em momento algum se comprovou que tivesse um contexto de tão gravoso relevo.

  17. A decisão recorrida considera como provado que os arguidos "confidenciaram à menor", ou sequer que, em número de vezes não determinado, e se "exibiram desnudados", "sugestionaram a menor a retribuir-lhe carícias em zonas erógenas dos seus corpos, tendo o arguido V. "induzido a menor a mexer-lhe no pénis, manipulando-o, fazendo-lhe festas e dando-lhe beijos 23.Contudo, os factos provados reconduzem-se a expressões "literárias" — por certo consequência do copy paste do libelo acusatório — e descrevem uma realidade que, em sede de audiência de julgamento, não foi minimamente demonstrado.

  18. Não é factual que os arguidos tenham "confidenciado", " exibindo-se", "sugestionado", "induzido", "aliciado", "estimulado" o que quer que seja.

  19. Tratam-se de adjectivações, expressões genéricas, de grande amplitude e ambiguidade e que carecem de efectiva demonstração factual que, in casu, inexistiu.

  20. Os depoimentos das testemunhas que são base da prova acusatória — a avó e tia maternas — não permitem concluir os factos que são dados como provados.

  21. A falta de demonstração resulta da necessária leitura integral (ou praticamente) dos depoimentos das testemunhas em referência e que se reproduzem no presente recurso.

  22. Quanto ao depoimento da avó materna: está carregado de subjectividade e é emotivo, sobressaindo o conflito latente com a sua filha M.V.B., criticando e fazendo juízos de valor sobre comportamentos, tidos pela experiência comum como normais, quer da sua filha, quer do seu "genro".

  23. Nada do que referiu em depoimento permite concluir os factos citados no ponto 22 destas conclusões! 30.Quanto ao depoimento da tia materna: deve ser amplamente desconsiderado por se reportar a depoimento indirecto referente a factos não sindicados à menor L. em sede de depoimento para memória futura.

  24. Trata-se de um depoimento subjectivo, frio e que sublinha — uma vez mais — o litígio com a irmã e com o "cunhado", resultando esse facto bem claro quando se referiu à circunstância de não ser convidada para festas de aniversário da sobrinha nos últimos anos.

  25. Ninguém, nunca, nem de modo algum referiu factos que permitam concluir que "os arguidos confidenciaram à menor que tais ritualizações teriam que ficar em segredo, ninguém podendo saber, apenas os arguidos e a menor 33.Ninguém, nunca, nem de modo algum referiu factos que permitam inferir que os arguidos "sugestionaram a menor a retribuir-lhe carícias em % onas erógenas dos seus corpos".

  26. Ninguém, nunca, nem de modo algum referiu factos que infiram que "o arguido V.C. induziu a menor a mexer-lhe no pénis, manipulando-o, pazendo-lhe festas e dando beijos e a arguida M.V.B.

    sugestionou a mesma a chupar-lhe e a dar-lhe beijos no mamilo".

  27. O mesmo se dizendo para a maioria dos factos provados e cuja demonstração do contrário só é possível com recurso à transcrição integral (ou quase integral) dos depoimentos das testemunhas que o Tribunal a quo valorou! 36.Os factos descritos nos pontos 4 a 11, 20, 21, 23, 24, 25, 30 e 31 da matéria dada como provada na decisão recorrida foram incorrectamente julgados e dados como provados.

  28. Devendo, ao invés e em boa justiça, ser considerados como não provados, atenta a prova produzida em audiência de julgamento.

  29. Conclui-se, assim, pela nulidade da decisão, ao abrigo do disposto no artigo 379°, n.° al. c) do Código Penal.

    C.

  30. A douta decisão recorrida é, igualmente, nula por falta de necessária ou suficiente fundamentação, não cumprindo cabalmente o estatuído no artigo 374°, n.° 2 do Código de Processo Penal.

  31. O Tribunal a quo limitou-se a fazer referência á admissão dos depoimentos indirectos (que devem, como já demonstrado, ser desvalorados!), sem se referir em concreto quais as declarações que contribuíram para o merecimento da prova e sem fazer exame crítico à mesma.

  32. Refere, em sede de motivação, o Tribunal a quo que, "com efeito, a menor L. em sede de declarações, não confirma os factos que lhe são colocados e que, de forma directa ou indirecta, a eles respeita, que não se lembra.

  33. No entanto, tal conclusão não corresponde, de todo, à realidade do processo, bastando — para confirmar esta afirmação — confrontar o depoimento para memória futura constante de fls. 463-497! 43.Também acrescenta o Tribunal a quo que "quer a avó, quer a tia materna, apresentam declarações as quais confirmam, na quase totalidade, os factos aqui em apreço, sendo a sua rabeio de ciência aquilo que a menor lhes contou".

  34. Ora - sem prejuízo do que vai já supra referido quanto à não valoração dos depoimentos indirectos - sempre se impõe questionar a que "quase totalidade" dos factos se reporta o Tribunal a quo.

  35. Pois que da transcrição dos depoimentos das testemunhas em referência resulta necessário concluir que a realidade descrita por estas está muito longe de demonstrar que, entre outras coisas, os arguidos ''confidenciaram à menor", ou sequer que, em número de vezes não determinado, e se "exibiram desnudados", ''sugestionaram a menor a retribuir-lhe carícias em zonas erógenas dos seus corpos, tendo o arguido V. "induzido a menor a mexer-lhe no pénis, manipulando-o, fazendo-lhe festas e dando-lhe beijos"! 46.Sendo que a testemunha R.B. apenas se referiu a um única história contada pela menor que nem tão-pouco vem relatada na decisão recorrida, por certo, por irrelevante no juízo de valor a fazer sobre ela.

  36. A fundamentação...

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