Acórdão nº 9677/15.1T8LSB-A.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: 1.º-Recurso A... S.A., anteriormente denominada por “Z... S.A.”, com sede ..., intentou PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM NÃO ESPECIFICADO contra : 1º-C... S.A., com sede ..., 2º-BANCO ... com sede ... e 3º-MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DA REPÚBLICA DO MALI, com sede no Bairro de Koulouba, Bamako, República do Mali.

Formulou pedido nos seguintes termos: a)Ordene ao 1.º Requerido que, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente, não pague ao 3.º Requerido nenhuma quantia por conta das seguintes garantias bancárias: i.Garantia bancária de 9.627.305,17 € emitida pelo 1.º Requerido em 13-9-2010, com o n.º GBA 9520004590; ii.Garantia bancária de 4.813.652,59 € emitida pelo 1.º Requerido em 1-7-2010, com o n.º GBA 9520004469.

b)Ordene ao 2.º Requerido que, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente, não pague ao 3.º Requerido nenhuma quantia por conta das seguintes garantias bancárias: i.Garantia bancária de 4.813.652,56 € emitida pelo 2.º Requerido em 7-7-2010, com o n.º 125-02-1676982; ii.Garantia bancária de 4.813.652,56 € emitida pelo 2.º Requerido em 7-7-2010, com o n.º 125-02-1676964.

c)Ordene ao 3.º Requerido que se abstenha de qualquer accionamento ou pedido de pagamento de quaisquer quantias junto dos 1.º e 2.º Requeridos relativas, respectivamente, às sobreditas Garantias Bancárias.

Alegou para tanto ter celebrado com o 3º requerido, em Junho de 2010, um contrato de contrato de empreitada e que os 1º e 2º Requeridos, a pedido da Requerente, prestaram ao 3ºRequerido, garantias bancárias autónomas, à primeira solicitação, que a partir de Setembro/Outubro de 2014 ascendiam ao valor global de € 18.018.567,22 destinadas a garantir o bom e integral cumprimento das obrigações assumidas pela Requerente no referido contrato de empreitada.

Todavia, a requerente foi confrontada, no decurso da execução da obra, em início de 2012, com uma rebelião tuaregue e de grupos jihadistas, o que determinou a sua suspensão por iniciativa do dono da obra, em 7.2.2012.

Mercê de tais conflitos, a requerente sofreu prejuízos, vindo subsequentemente a ser celebrado um adicional ao contrato de empreitada tendente a ressarci-la.

Entretanto estavam pendentes negociações destinadas a definir as condições de retoma dos trabalhos que não chegaram a ser concluídas, tendo sobrevindo, em Agosto de 2014, nova rebelião armada dos citados grupos e uma epidemia de ébola.

Sem embargo, a 3ª requerida instou a requerente a retomar os trabalhos e diminuindo o prazo da execução da obra sem que as negociações tendentes a restabelecê-los estivessem concluídas e sem quaisquer garantias de segurança para o efeito.

Tendo a requerente feito sentir à requerida através de reclamação formal, a inadequação de tal decisão, solicitou a prorrogação da suspensão dos trabalhos, tendo, porém, a requerida se limitado a notificar a requerente, em 3.11.2014, para apresentar um plano de trabalhos de mobilização , sob pena de se reservar o direito de rescindir o contrato de empreitada.

A requerente apresentou o referido plano de trabalhos, reiterando, todavia, a reclamação apresentada e manifestando a sua disponibilidade para novas reuniões de negociação para acordar os termos do plano de segurança, incluindo meios de evacuação, i.e. a negociação do adicional nº2.

Após uma reunião havida entre a requerente, a requerida e o FED que se revelou inconclusiva, foi posteriormente acordado iniciar um processo de negociação tendente à rescisão amigável do contrato de empreitada que estava a decorrer quando a requerente foi surpreendida com uma notificação do requerido, recebida no dia 30 de Março de 2015 mediante a qual rescindia o contrato de empreitada, com fundamento no incumprimento da notificação de 3 de Novembro de 2014, produzindo tal rescisão efeitos no prazo de 15 dias, requerendo, concomitantemente, em igual prazo o pagamento pela requerente da quantia de € 8,4 milhões respeitante aos adiantamentos por amortizar.

Salienta, ainda, os acentuados prejuízos decorrentes do eventual accionamento das garantias bancárias em apreço.

Foi proferido despacho no qual se indeferiu a pretensão do requerente da providência de a ver decretada sem audiência prévia dos requeridos, mas que, dada a urgência que a mesma revestia, determinava que, concomitantemente com a citação, e até ser proferida decisão na 1ª instância, os mesmos se abstivessem de as executar e pagar, respectivamente.

Citados os Bancos requeridos, não deduziram oposição.

Citada a requerida através das competentes vias diplomáticas, limitou-se a mesma a suscitar a incompetência deste Tribunal para impedir a “liberação das referidas garantias“ em conformidade com o disposto pelo artº 46/7 das condições gerais aplicáveis às empreitadas financiadas pelo FED.

A Requerente pronunciou-se no sentido de tal excepção ser desconsiderada por a requerida a ter deduzido sem cumprimento das regras processuais (i.e. através de oposição subscrita por mandatário constituído e mediante o pagamento de taxa de justiça).

Não obstante a requerida não ter apresentado formalmente uma oposição, nem constituído mandatário - constituindo-se, por isso, numa situação de revelia absoluta - foi entendido que a competência internacional é um pressuposto processual de conhecimento oficioso e, por isso, conheceu dessa questão decidindo que “sendo o domicílio dos Bancos requeridos em território nacional, resulta ser internacionalmente competente este Tribunal para apreciar a presente providência”.

Apreciado o pedido foi decidido julgar o procedimento cautelar procedente e por consequência decidiu-se intimar : 1)O 1º Requerido no sentido de que, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente, não pague ao 3.º Requerido nenhuma quantia por conta das seguintes garantias bancárias: i.Garantia bancária de 9.627.305,17 € emitida pelo 1.º Requerido em 13-9-2010, com o n.º GBA 9520004590; ii. Garantia bancária de 4.813.652,59 € emitida pelo 1.º Requerido em 1-7-2010, com o n.º GBA 9520004469.

b)O 2.º Requerido no sentido de que, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente, não pague ao 3.º Requerido nenhuma quantia por conta das seguintes garantias bancárias: i.Garantia bancária de 4.813.652,56 € emitida pelo 2.º Requerido em 7-7-2010, com o n.º 125-02-1676982; ii.Garantia bancária de 4.813.652,56 € emitida pelo 2.º Requerido em 7-7-2010, com o n.º 125-02-1676964.

c)A 3ª Requerida a abster-se de qualquer accionamento ou pedido de pagamento de quaisquer quantias junto dos 1.º e 2.º Requeridos relativos, respectivamente, às sobreditas Garantias Bancárias.

Inconformado com esta decisão, o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DA REPÚBLICA DO MALI veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: a.Resulta claro dos autos, maxime do próprio texto das garantias bancárias em causa, que o Recorrente, que é um estado soberano estrangeiro age, perante a Requerente e perante os demais Requeridos investido de poderes de autoridade; b.O que se verifica tanto no que diz respeito às relações jurídicas emergentes do contrato de empreitada de obras públicas no quadro de cuja execução foram emitidas as sobreditas garantias bancárias, quer no que diz especificamente respeito às relações jurídicas emergentes das próprias garantias bancárias autónomas em que o Requerido é impressivamente identificado como “o poder adjudicante”; c.O que foi peticionado no procedimento, e o que foi ordenado na decisão ora recorrida, foi uma intimação para abstenção de determinado comportamento que não pode ser, de acordo com o Direito Internacional Público, dirigida por um Tribunal de um Estado a um Estado soberano estrangeiro; d.Pelas razões expostas nas conclusões supra procede a excepção de imunidade de jurisdição de que o Recorrente beneficia e ora expressamente invoca; e.As garantias bancárias em questão dispõem expressamente que os pedidos de pagamento a efectuar ao seu abrigo devem ser efectuados por escrito assinado conjuntamente pelo ora Recorrente e pela Delegação da União Europeia no Mali ou até, em alguns casos, apenas pela dita Delegação ou por outro representante devidamente habilitado da União Europeia; f.Assim, é evidente, salvo o devido respeito, que uma intimação para abstenção da apresentação de pedidos de pagamento ao abrigo das mesmas garantias tem de ser dirigida pelo menos contra ambas as entidades que têm de efectuar conjuntamente os pedidos de pagamento e portanto sempre, também, contra a Delegação da União Europeia no Mali; g.Verifica-se portanto um caso manifesto de preterição do litisconsórcio necessário passivo, quer porque o negócio exige expressamente a intervenção dos vários interessados bem como um caso em que a decisão proferida não pode produzir o que seria o seu efeito útil normal; h.Os pactos privativos de jurisdição expressamente constantes das garantias bancárias em causa abrangem quaisquer litígios relacionados com essas garantias bancárias, sendo manifesto que se quis com a expressão incluir quaisquer procedimentos cautelares; i.Tais pactos privativos de jurisdição são vinculativos para as três partes nos contratos de garantia em causa: os bancos garantes, os beneficiários e o ordenador da garantia, ou seja a aqui Requerente, estando para mais comprovada a solicitação da emissão das garantias de acordo com o texto especificamente aprovado e comunicado por esta; j.Ainda que não se considerem procedentes as excepções dilatórias alegadas, a providência cautelar nunca poderia ter sido decretada, em face da manifesta falta de indícios do preenchimento do requisito do fumus bonus iuris, sendo manifesto, salvo o...

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