Acórdão nº 1025/09.6TYLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelALZIRO CARDOSO
Data da Resolução07 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


I – Relatório CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.

instaurou a presente acção declarativa com a forma de processo ordinário contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE, pedindo a condenação do réu:

  1. A cessar o uso da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos e/ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada, como seja, nos documentos relativos ao concurso público para construção desse hospital e no sítio da Internet do Ministério da Saúde; b) A abster-se de pedir e usar a expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “TODOS-OS-SANTOS”, ou “TODOS OS SANTOS”, para identificar estabelecimentos de saúde; e c) A pagar à autora uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, cujo montante deverá ser liquidado em sede de execução de sentença.

    Fundamentou o pedido na alegada infracção, pelo réu, do direito de exclusivo relativo à firma “CLÍNICA DE TODOS OS SANTOS, S.A.”, ao nome de estabelecimento n.º 33717 “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, à insígnia de estabelecimento n.º 8426 , à marca nacional n.º 427210 “UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” e à marca comunitária n.º 006611181, para além da prática, pelo demandado, de actos que podem ser qualificados de concorrência desleal.

    Alegou, em síntese, que é titular dos sinais distintivos acima indicados, exercendo há mais de trinta anos a actividade de prestação de serviços médicos e hospitalares no seu estabelecimento designado “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, instalado num edifício com vários andares situado em Lisboa.

    Dispõe no seu estabelecimento de um vasto corpo clínico nas especialidades que enuncia na petição inicial, possuindo ainda serviços de internamento com quartos e enfermarias e bem assim de atendimento permanente vocacionado para a sinistralidade associada a acidentes de viação, de trabalho, domésticos, escolares ou desportivos, a que acresce ainda a “Unidade Oncoplástica da Mama”, criada em Outubro de 2007.

    Sucede que o Estado, através do Ministério da Saúde, adoptou o projecto de edificação de um novo hospital, na zona oriental de Lisboa, designado por “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, o qual se encontra em fase de concretização.

    O Estado terá escolhido o nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” para o novo hospital em Lisboa porque pretende igualmente, tal como a autora o fez há mais de trinta anos, recordar o nome do antigo Hospital Real de Todos-os-Santos, dada a sua dimensão e importância na época em que existiu.

    Assim que teve conhecimento da séria probabilidade da utilização do nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, a autora encetou contactos sucessivos visando a resolução extrajudicial da situação, para o que enviou cartas ao então Ministro da Saúde, alertando para a confusão entre as designações e que a referida denominação poderia constituir violação de direitos de exclusivo da titularidade daquela, e apresentou exposições à Autoridade da Concorrência e à Entidade Reguladora da Saúde (ERS), tentativas essas que não obtiveram qualquer resultado.

    A utilização da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” não constitui uma mera possibilidade ou eventualidade futura, decorrente de uma simples intenção anunciada, uma vez que a nível governamental não só foi anunciada oficialmente a utilização do referido nome para identificar o futuro hospital, como também já se iniciou esta utilização através dos actos públicos concretos indicados na petição inicial.

    A expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” confunde-se com os sinais distintivos titulados pela autora, sendo que já sucederam inúmeros casos de confusão entre o nome desta e a designação do futuro estabelecimento hospitalar que ainda não entrou em funcionamento nem foi construído, casos esses que a demandante enuncia na petição inicial.

    O Ministério Público, em representação do ESTADO PORTUGUÊS, veio contestar, pugnando pela improcedência da acção, alegando, em síntese: É impossível a efectiva concorrência entre a sociedade comercial de tipo anónima, ora autora, e um estabelecimento hospitalar integrado no Serviço Nacional de Saúde como será o futuro “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sendo igualmente impossível qualquer hipótese de confundibilidade entre os sinais em questão nos autos; Tal como resulta da Lei de Bases da Saúde, o futuro estabelecimento hospitalar “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” é o único habilitado a utilizar a designação de hospital, o que permite desde logo distingui-lo, sendo que quando entrar em funcionamento e se encontrar ao serviço da comunidade, ocupará uma posição relativamente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) que será impossível de ocupar pela autora, uma vez que a prestação de cuidados de saúde no âmbito do SNS é financiada pela cobrança de taxas moderadoras que em momento algum se confundem com a facturação da prestação de cuidados médicos efectuada no âmbito da actividade e escopo de uma sociedade comercial como a demandante; O réu tem o direito ao uso exclusivo e legítimo da designação globalmente considerada “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, o que dissipa qualquer hipótese de confusão entre a componente da denominação legalmente reservada “HOSPITAL” e a de “CLÍNICA”, que é genericamente admitida no mercado para as entidades prestadoras de serviços de saúde; Nunca abandonou o uso da componente do nome “TODOS-OS-SANTOS” no exercício e meio hospitalares, designadamente ao ter consagrado a mesma ao serviço do Hospital de S. José, herdeiro directo do Hospital Real de Todos os Santos e actualmente integrado no Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE que usa a insígnia caracterizada por um “S” maiúsculo circundado por um “O” também maiúsculo que, como é do conhecimento público, quer significar Omnium Santorum, ou seja, “TODOS-OS-SANTOS”.

    Assim, a componente da designação “TODOS-OS-SANTOS”, através do referido símbolo Omnium Santorum é ainda hoje utilizada pelo Estado pelo que, tratando-se de expressão genérica e de uso corrente, a mesma é insusceptível de monopolização em sede de registo de marca; Acresce que o sinal do réu “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, consagrado publicamente por comando régio (testamento do rei D. João II, feito em Alcáçovas, em 29 de Setembro de 1495), é um sinal com prioridade relativamente a qualquer dos registos invocados pela autora e que, por isso, prevalece sobre estes e fora do âmbito de aplicação do artigo 245.º do Código da Propriedade Industrial.

    A Autora apresentou réplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pelo réu, alegando que a concorrência resulta desde logo do ordenamento jurídico invocado pelo contestante, que prevê que o sistema de saúde é também constituído pelas entidades privadas que acordem com o Estado a prestação de actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, sendo que os serviços da autora são os mesmos que o futuro hospital irá desenvolver e prestar ao mesmo universo de destinatários. Alegou ainda que o público de utentes, em geral, entende “Clínica” e “Hospital” como sinónimos, ou seja, como locais onde são prestados cuidados de saúde, sem os assimilar ao SNS ou ao sector privado, sendo, pois, ambos termos descritivos quando aplicados a tais locais. E impugnou o invocado uso continuado pelo Estado, até aos dias de hoje, do nome “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sendo o próprio réu a admitir que o Hospital Real de Todos os Santos deixou de existir e que o seu herdeiro passou a designar-se Hospital de S. José, a que acresce que o público em geral não conhece o símbolo ou desenho Omnium Santorum nem o seu significado de “TODOS-OS-SANTOS”.

    Conclui dizendo que os seus sinais distintivos de que é titular são válidos pois, ao contrário do que sustenta o Réu, a autora não utiliza em tais sinais qualquer símbolo ou emblema do Estado ou de entidade pública, nem um sinal com elevado valor simbólico.

    Findos os articulados, dispensou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e indicação dos temas da prova, de acordo com o preceituado no Novo Código de Processo Civil (NCPC).

    Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Réu:

  2. A cessar o uso da designação “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, sob qualquer forma, nomeadamente em todos os documentos e/ou meios de divulgação em que a mesma já tenha sido utilizada, como seja, nos documentos relativos ao concurso público para construção desse hospital e no sítio da Internet do Ministério da Saúde; b) A abster-se de pedir e usar a expressão “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS” ou qualquer outra designação que contenha a expressão “TODOS-OS-SANTOS”, ou “TODOS OS SANTOS”, para identificar estabelecimentos de saúde; e c) A pagar à autora uma indemnização em quantia que vier a ser liquidada, no termos do disposto no artigo 609.º, n.º 2 do NCPC, pelos danos patrimoniais sofridos em resultado dos comportamentos do réu descritos nos factos provados na presente sentença.

    E absolveu o réu do pedido de condenação no pagamento à autora da pedida indemnização por danos não patrimoniais.

    Inconformado o Réu interpôs o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões: 1. A Recorrida é titular das marcas nacionais “CLINICA DE TODOS-OS SANTOS” e “UNIDADE ONCOPLÁSTICA CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS” e da marca comunitária “CLÍNICA DE TODOS-OS-SANTOS”, as quais assinalam os serviços da classe 44 da Classificação Internacional de Nice; 2. O Recorrente Estado Português – Ministério da Saúde, projectou a edificação de um novo hospital, na zona oriental de Lisboa, designado por “HOSPITAL DE TODOS-OS-SANTOS”, denominação que tem sido utilizada pelo Ministério da Saúde nos documentos oficiais relativos ao lançamento do concurso público destinado à edificação do novo hospital de Lisboa e em diferentes despachos ministeriais; 3. A apelada intentou acção declarativa de condenação, com processo comum...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT