Acórdão nº 2883/4.8TTLSB.L2-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução15 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-Relatório: 1- AA, 2- BB, 3- CC, 4- DD, 5- EE, 6- FF, 7- GG, 8- HH, 9- II, 10- JJ, 11- LL, 12- MM, 13- NN, 14- OO, 15- PP, 16- QQ, 17- RR, 18- SS, 19- TT, 20- UU, 21- VV, 22- XX, 23- ZZ, e 24- AAA, intentaram a presente acção declarativa de condenação contra Metropolitano de Lisboa, E.P.

, formulando os seguintes pedidos: a.-A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma dos autores, retomando o seu pagamento nos termos oportunamente acordados e praticados até Dezembro de 2013; b.-A pagar a cada um dos autores o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma a partir de Janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar a cada um dos autores, nos valores supra indicados, acrescidos de juros de mora desde a data de vencimento de cada um até integral pagamento; c.-A pagar a cada um dos autores, a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, igualmente acrescido dos competentes juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Alegaram como fundamento do pedido a inconstitucionalidade material do art. 75º da Lei do Orçamento de Estado de 2014 que determinou a suspensão do pagamento dos complementos de pensão previstos no AE, por violação o direito à contratação colectiva (art. 56º nº 3CRP), do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica ínsito na ideia de Estado de Direito consagrada no art. 2º, pela ausência de necessidade de adequação e de proporcionalidade de tal medida e por violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP).

A ré contestou por impugnação, concluindo pela absolvição do pedido.

Foi proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

Inconformados, apelaram os AA., cujas alegações culminam nas seguintes conclusões: (…) Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deve a sentença recorrida ser revogada e assim: a)Ser a presente acção julgada procedente com a consequente condenação da Ré no pedido e respectivas custas; b)Quando assim se não entender, deve ser proferido despacho saneador seleccionando todos os factos relevantes segundo as diversas soluções plausíveis de Direito e seguindo-se depois para a fase de julgamento; c)Em qualquer caso, deve ser fixado o valor de 30.000,01 à presente causa, com as respectivas consequências legais.

A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência e no mesmo sentido se pronunciou a digna PGA junto deste tribunal.

São questões colocadas no recurso a reapreciação, por um lado, da inconstitucionalidade do art. 75º da LOE de 2014, bem como da respectiva conformidade à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, por outro, do valor atribuído à causa.

Na 1ª instância foram considerados provados, por acordo nos articulados ou documento e com relevância para a discussão da causa, os seguintes factos: 1.-O autor AA recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 693,71.

  1. -O autor BB recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.150,72.

  2. -O autor CC recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.102,42.

  3. -O autor DD recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.384,49.

  4. -O autor EE recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 626,94.

  5. -O autor FF recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 665,16.

  6. -O autor GG recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 684,24.

  7. -O autor HH recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 605,28.

  8. -O autor II recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.199,03.

  9. -O autor JJ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 652,32.

  10. -O autor LL recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 708,55.

  11. -O autor MM recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.285,95.

  12. -A autora NN recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 370,08.

  13. -O autor OO recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 373,01.

  14. -O autor PP recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 860,44.

  15. -A autora QQ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 2.166,73.

  16. -O autor RR recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.436,84.

  17. -O autor SS recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.485,30.

  18. -O autor TT recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.071,48.

  19. -O autor UU recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 793,47.

  20. -O autor VV recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.150,95.

  21. -O autor XX recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 546,73.

  22. -O autor ZZ recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.510,59.

  23. -O autor AA recebia da ré a título de complemento de reforma a quantia mensal de € 1.181,80.

  24. -A ré vinha pagando aos seus trabalhadores que passaram à situação de reforma e respectivas famílias os complementos de pensões referidos nos números supra.

  25. -Com a publicação da Lei do Orçamento de Estado de 2014, Lei n.º 83-C/2013 de 31.12 e entrada em vigor desta, a ré suspendeu o pagamento dos complementos de pensão aos seus ex-trabalhadores em situação de reforma e familiares, beneficiários deste abono.

  26. -A ré apresentou nos três últimos exercícios apurados de 2011, 2012 e 2013 resultados líquidos negativos assim como resultados operacionais em 2011 e 2012 igualmente negativos.

Apreciação: Os recorrentes, ex-trabalhadores da recorrida na situação de reformados, que vinham sendo pagos por esta, desde a passagem à reforma, de um complemento de pensão, em conformidade com o estabelecido nos instrumentos de regulação colectiva de trabalho aplicáveis na empresa, desde, pelo menos, 1971[1], perante a suspensão desse complemento - que a R. deixou de pagar desde Janeiro de 2014 em obediência ao disposto pelo art. 75º da L. 83-C/2013, de 31/12 que aprovou o Orçamento do Estado para 2014[2] - reclamam da R., nesta acção, a respectiva reposição, invocando a inconstitucionalidade da norma em causa, por violação do direito à contratação colectiva, do princípio da protecção da confiança e do princípio da igualdade.

A sentença recorrida não lhes deu razão, baseando-se para tanto essencialmente no acórdão do Tribunal Constitucional nº 413/2014, proferido no âmbito de recurso de fiscalização abstracta sucessiva que, entre o mais, decidiu “d) não declarar a inconstitucionalidade das normas do art. 75º da L. 83-C/2013, de 31/12”.

Contra a sentença se insurgem os recorrentes, começando por sustentar que a mesma não analisou todas as vertentes da problemática, referindo-se em especial a princípios e direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), uma vez que, tratando-se de uma medida de consolidação orçamental, de redução de despesas com pessoal, que se insere, entre outras obrigações assumidas pelo Estado Português no pedido de assistência financeira, no quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União (denominação do TJUE), e, porque susceptível de lesar direitos fundamentais, teria de estar sujeita a validação jusfundamental decorrente daqueles princípios - da igualdade e proibição de discriminação (art. 2º do Tratado[3], art. 20º e 21º da CDFUE[4]), direito de negociação e acção colectiva (art. 28º CDFUE[5]) e direito a condições de trabalho justas e equitativas, que tem na base o respeito pela dignidade humana (art. 31º CDFUE[6]).

Na verdade, as normas do mencionado art. 75º da LOE para 2014 (nº 83-C/2013, de 31/12) inserem-se no esforço de consolidação orçamental e redução de níveis de dívida pública visados pelo programa de ajustamento económico e financeiro acordado entre o Governo Português, o FMI, a Comissão Europeia e o BCE.

Como se lê no ponto I (Introdução) da anotação de Teresa Freixes[7] ao Preâmbulo da CDFUE[8] “… apesar de o Tratado de Lisboa (com a Carta dos Direitos Fundamentais) não ser formalmente uma constituição em sentido estrito, tanto o Tratado como a Carta se inserem no denominado constitucionalismo multinível. Por um lado, os Tratados comunitários (o próprio direito comunitário inclui a Carta dos Direitos Fundamentais com valor de Tratado) constituem a ordem jurídica superior, fundada no princípio da primazia sobre o direito interno que com eles não seja compatível. Por outro lado, as Constituições dos Estados-Membros da União formam um conjunto normativo que se relaciona com os Tratados comunitários através do artigo 6º do TUE (…) o entramado de normas e competências que se configurou na União não se pode conceber nem entender sem uma interrelação harmoniosa e coerente deste constitucionalismo multinível”.

As coordenadoras da obra acabada de citar consideram, por sua vez, na apresentação do livro, ser o termo interconstitucionalidade, introduzido entre nós por Francisco Lucas Pires, mais feliz que a expressão de origem saxónica constituição multinível por exprimir “a ideia de um modelo de interconexão onde não há espaço para níveis, que pressupõem hierarquia”.Segundo as mesmas autoras “Interconstitucionalidade, no âmbito da União Europeia, corresponde à interacção reflexiva entre normas constitucionais de distintas fontes que convivem naquele espaço político – e implica a actuação em rede para a solução de problemas jusfundamentais comuns.” Como os próprios recorrentes referem, existe efectivamente sobreposição dos direitos fundamentais referidos...

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