Acórdão nº 1626/12.5TBMTJ.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 22 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelTERESA PARDAL
Data da Resolução22 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO.

A… e AB… intentaram contra C…., SA e B… acção declarativa com processo ordinário, alegando, em síntese, que a 1ª autora é casada com o réu no regime de comunhão de adquiridos e a 2ª autora é filha de ambos, tendo o réu, que se encontrava endividado, pedido um empréstimo ao sócio gerente da ré, que conhecia a situação de endividamento do réu, no montante de 265 000,00 euros, a fim de financiar um projecto de turismo rural numa herdade doada à 1ª autora pelos seus pais, ficando acordado que a ré emprestaria ao réu a referida quantia de 265 000,00 euros mediante o pagamento de juros de 110 000,00 euros pelo prazo de dez meses, findo o qual o réu pagaria o valor de 375 000,00 euros e comprometendo-se este a pagar à ré a quantia mensal de 3 750,00 euros durante esse prazo.

Alegaram ainda que a ré tem por objecto a actividade imobiliária e, por ser contrário ao seu objecto social emprestar dinheiro e por razões de ordem fiscal, os réus acordaram em encobrir o empréstimo simulando um negócio imobiliário, não informando a 1ª autora da forma como iria ser formalizado o empréstimo, mas obtendo a sua procuração e, depois de desistirem de um projecto inicial de encobrirem o empréstimo como uma venda a retro, acordaram em ficcionar a compra e venda da referida herdade na qual se declararia como preço da venda o capital mutuado de 265 000,00 euros e se assinaria, na mesma data, um contrato promessa em que a ré prometeria vender a herdade ao réu, na data de vencimento do empréstimo, pelo preço de 375 000,00 euros, correspondente ao valor do capital mutuado e juros, assim se contornando o impedimento legal decorrente do objecto social da ré, bem como se dissimulando a entrada de dinheiro perante a Administração Tributária e, ao mesmo tempo, logrando-se que a herdade deixasse de ser um bem próprio da 1ª autora e passasse a ser também do réu seu marido; na execução deste plano dos réus, no dia 4 de Agosto de 2008 o réu, por si e em representação da 1ª autora, declarou vender a referida herdade à ré, que declarou comprar, pelo preço de 265 000,00 euros, o que fizeram sem quererem vender e comprar, respectivamente, tendo a ré entregue ao réu esta quantia mediante três cheques e, na mesma data, os réus subscreveram um documento em que a ré declarava prometer vender a mesma herdade ao réu pelo preço de 375 000,00 euros, devendo este marcar a escritura no prazo imperativo fixado até ao dia 31 de Maio de 2009.

Mais alegaram que, depois da escritura, a 1ª autora e o réu mantiveram-se sempre na posse da herdade, que tem um valor superior a 500 000,00 euros, tendo o réu efectuado várias diligências para promover o projecto de turismo rural e pago à ré a quantia de 37 500,00 euros até Junho de 2009, mas, devido aos vários encargos que assumiu, em Maio de 2009 não tinha a quantia de 375 000,00 euros para pagar à ré, pelo que as partes renegociaram as condições do empréstimo, acordando em o réu pagar imediatamente 25 000,00 euros e mais 400,00 euros até 15 de Abril de 2011, sendo 265 000,00 euros referentes à quantia mutuada e 135 000,00 euros de juros, tendo o réu pago ainda mais 50 000,00 euros, todos estes pagamentos mais uma vez disfarçados com outro contrato promessa, de 23 de Dezembro de 2010. Concluíram pedindo que a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda da herdade celebrado entre os réus, ordenando-se o cancelamento da inscrição do registo da propriedade a favor da ré. Apenas a ré contestou, arguindo a ilegitimidade da 2ª autora e a litispendência e impugnando a versão da petição inicial, alegando, em síntese, que acordou com o réu em comprar a herdade em causa pelo preço de 265 000,00 euros, que pagou, correspondendo as declarações negociais constantes na escritura de 4 de Agosto de 2008 às respectivas vontades reais e, tendo o réu sabido pela ré que esta pretendia revender o prédio por 375 000,00 euros, visando obter um lucro de 110 000,00 euros, mostrou-se interessado em comprar a herdade por esse preço na condição de pagar na escritura de compra e venda, a ser realizada até 31 de Maio de 2009, razão pela qual foi outorgado contrato promessa no dia da escritura, tendo, por mera tolerância da ré, sido permitido que o réu e a 1ª autora mantivessem na sua posse as chaves da herdade e, perante o incumprimento do réu em marcar a escritura no prazo acordado, foi renegociado o preço da revenda do prédio para 400 000,00 euros em novo contrato promessa e propondo-se o réu a pagar uma quantia mensal para obstar a que a ré pusesse o prédio à venda, bem como o montante de 50 000,00 euros, mas tendo pago apenas os montantes de 22 500,00 euros e de 45 000,00 euros, acabando por incumprir também este contrato, impedindo a ré de vender o prédio no prazo de três anos e de beneficiar da isenção de IMT e recusando-se a entregar à ré quando interpelado para o efeito. Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção e a absolvição do pedido.

As autoras replicaram opondo-se às excepções.

Foram saneados os autos, julgando-se improcedentes as excepções e procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente e declarou a nulidade, por simulação absoluta, do contrato de compra e venda celebrado entre os réus e determinou o cancelamento da inscrição do registo de propriedade a favor da ré no prédio objecto do contrato. Inconformada, a ré interpôs recurso e alegou, formulando conclusões com os seguintes argumentos: - Devem ser considerados não provados os factos das alíneas I, K a O (1ª parte), Q a Z, AA, FF, HH, II, JJ, KK a OO (1ª parte), QQ, RR, TT a VV e deve ser dada como provada a factualidade julgada não provada nos pontos 14 a 35, todos da sentença. - A prova produzida não foi bem avaliada, quer na parte testemunhal e de declarações das partes, quer na parte documental, nomeadamente não foi respeitado o artigo 371º do CC na apreciação dos documentos autênticos, não tendo as autoras feito prova da existência de um negócio simulado, facto que lhes cabia provar nos termos do artigo 342º do CC.

- As declarações negociais dos réus não foram fictícias, não ficou provado que houvesse intenção de enganar a autora e não podia o Tribunal concluir que houve intenção de enganar a Administração Tributária, não havendo intenção de enganar terceiros.

- Ao considerar que existe uma situação de simulação absoluta, a sentença recorrida violou o artigo 240º nº1 do CC.

- Os negócios jurídicos celebrados entre os réus foram genuínos e legítimos, sofrendo a ré um prejuízo manifesto aproximado de 500 000,00 euros, incorporado no património da autora e do réu, tendo a sentença recorrida ignorado tal enriquecimento injustificado, a que se refere o artigo 473º do CC, com omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º nº1 d) do CPC, pois deveria o tribunal ter ordenado a restituição à ré do valor recebido pela autora e o réu, ainda que remetesse para liquidação de sentença.

- Ainda que assim não se entenda, afastada a simulação, deverá concluir-se que a relação contratual existente entre a ré e o réu integra uma venda fiduciária, que é válida, já que não existe, nem foi alegada a existência de usura.

- Deverá ser revogada a sentença recorrida e ser julgada a acção improcedente com a absolvição da ré do pedido de declaração de nulidade formulado.

As recorridas contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.

As questões a decidir são: I) Impugnação da matéria de facto.

II) Natureza da relação contratual estabelecida entre os réus e existência de simulação.

III) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia FACTOS.

São factos provados e não provados considerados na sentença recorrida são os seguintes: Provados.

  1. Por escritura pública outorgada no dia 26 de Fevereiro de 2008, os pais da 1a autora doaram-lhe, por conta da legítima, o prédio misto denominado “Herdade da M…”, sito na freguesia da …, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o nº… da referida freguesia, inscrito na matriz rústica sob o artigo … da Secção cadastral …, e na matriz urbana sob o artigo…, de ora em adiante designada apenas por M….

  2. A 1ª autora e o réu contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, em 19/10/1974.

  3. A 2ª autora é filha da 1ª autora e do réu.

  4. Em 2008, a 1ª autora e o réu tinham dívidas bancárias que não conseguiam pagar, fruto de um envolvimento num projecto de construção de um hotel em Évora.

  5. Constavam da lista de devedores do Banco de Portugal e não tinham qualquer fonte de rendimento.

  6. Nessa ocasião, decidiram criar um projecto de turismo rural na referida Herdade da M….

  7. Para esse efeito, as autoras e o réu constituíram, a sociedade denominada «ABT…, Lda.», cujo contrato de sociedade se encontra a fls. 22 a 26 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

  8. Autoras e réu precisavam de financiamento para iniciar aquele projecto de turismo, sendo que não conseguiam aceder a financiamento bancário.

    I. Para regularizar os empréstimos bancários e suportar as despesas iniciais com o projecto, o réu decidiu pedir Presidente do Conselho de Administração da ré, CG… um empréstimo de € 265.000,00.

  9. A ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade imobiliária.

  10. A ré, representada por Presidente do Conselho de Administração, decidiu então emprestar ao réu a quantia de € 265.000,00, comprometendo-se o réu a restituir aquela quantia no prazo de dez meses, com o acréscimo de € 110.000,00.

    L. Ficou, ainda, acordado que o réu, durante o período do empréstimo, entregaria à ré, em numerário, a quantia mensal de € 3.750,00.

  11. Atendendo às limitações emergentes do objecto social da ré, por razões de ordem fiscal e contabilística e como forma de garantir o cumprimento daquele empréstimo, acordaram os réus em encobrir o mesmo...

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