Acórdão nº 1219-14.2TVLSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução09 de Junho de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO: E... S.A.

, instaurou a presente acção declarativa contra: C ..., Lda, peticionado que a R. seja condenada: a) a reconhecer a A. como a legitima proprietária do imóvel ocupado por aquela; b) a restituir à A. o imóvel, entregando o mesmo livre de pessoas e bens; c) a pagar à A., indemnização no valor equivalente ao dobro do montante da renda mensal, ou seja, € 1.589,58 (€ 794,79 x 2) por cada mês de atraso na restituição do locado, a qual deveria ter acontecido em 31-7-2014, nos termos e ao abrigo no disposto no artº 1045º nº 2 do Código Civil.

Alegou, para tanto, em suma, que é proprietária do prédio urbano que constitui actualmente o nº 11 da Praça Francisco Sá Carneiro, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o nº 3212. Autora e Ré foram, respectivamente, senhoria e inquilina do imóvel que corresponde ao 4º andar esquerdo do prédio supra identificado.

Em 14 de Abril de 2009, foi efectuada a redução do capital da R. de € 190.388,85 para € 0,00, mediante a extinção de todas as participações e efectuado, em simultâneo, um aumento de capital de € 50.000,00.

Tal constituiu uma transmissão inter-vivos da posição social que determinou a alteração da titularidade de mais de 50% do capital da sociedade ré, então arrendatária do 4º andar esquerdo, face à situação existente aquando da entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), em 28 de Junho de 2006.

Em consequência, a Autora denunciou o contrato de arrendamento com efeitos a 31 de Julho de 2014.

A Ré não entregou o 4º esquerdo à Autora.

O valor da última renda do locado, pago pela ré à autora, foi de € 794,79.

A Ré contestou, concluindo que a acção deve ser julgada improcedente.

Alegou, em síntese, que as participações sociais existentes à data da entrada em vigor da Lei nº 6/2006, de 27/2 não foram transmitidas, uma vez que os sócios da R. viram as suas participações sociais serem extintas assim que se considerou aprovada a redução do capital social de € 190.388,89 para 0 €.

Extintas todas as quotas que representavam a totalidade do capital social, não podiam os que tinham sido sócios transmitir as respectivas participações sociais à sociedade comercial “R... SGPS, SA” ou a qualquer terceiro.

Com a aprovação do aumento do capital social da R. para € 50.000,00 subscrito e realizado a 31 de Março de 2009 pela aludida sociedade, foi criada ex novo uma quota que passou a ser titulada por esta sociedade.

Não existiu transmissão inter vivos de posição ou posições sociais.

Atendendo ao conteúdo da carta registada com aviso de recepção de 25 de Fevereiro de 2013, a senhoria, ora A., manifestou tacitamente o propósito de manter em vigor o contrato de arrendamento, em causa, à luz do novo regime de arrendamento urbano.

Tendo em conta o disposto no art. 595º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo conheceu imediatamente do pedido, na medida em que considerou suficientes os elementos já constantes dos autos.

E assim, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência: “a) reconheceu a autora como proprietária do 4º andar esquerdo do nº 11 do prédio urbano sito em São Jorge de Arroios, Praça do Areeiro, nºs 11 a 11-D, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 3212/20100112; b) condenou a R. a restituir à autora, o 4º andar esquerdo do prédio aludido em a), livre e devoluto de pessoas e bens e c) condenou a R. a pagar à autora, desde 1 de Agosto de 2014 e até ao momento da restituição do imóvel à A., a título de indemnização, a quantia mensal de € 1.589,58.

” Inconformada com tal decisão, vem a Ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I. O Tribunal a quo julgou a acção procedente, por provada, ao considerar que “da redução e aumento, no mesmo acto, do capital social da ré e da subscrição deste por uma terceira, ocorreu uma real e efectiva alteração da titularidade, em 100%, de tal capital.”.

  1. O artigo 26.º n.º 6 alínea b) do NRAU apenas confere ao senhorio o direito de denunciar o contrato de arrendamento quando ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade superior a 50% do capital social face à situação existente no início de vigência da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.

  2. Resulta do artigo 9º do Código Civil que a interpretação das normas legais deve respeitar e incluir os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico - seguindo uma metodologia hermenêutica IV. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume I (artºs 1º a 761º), 4ª edição revista e actualizada, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, 1987, p. 58 referem que“o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei”.

  3. A expressão “transmissão inter vivos” não é todavia polissémica ou de sentido ambígua, obscura ou incompreensível, pelo que se há-de assumir que o legislador conseguiu aí exprimir-se de forma clara e adequada, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.

  4. O significado natural e correcto da expressão utilizada no artigo 26.º n.º 6 alíinea b) é “faculdade ou o facto de transmitir bens, direitos ou poderes” – Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Grande Biblioteca Multilingue, volume 7, página 174; “a passagem de um direito ou obrigação da esfera jurídica de um sujeito para a de outro” - Do dicionário jurídico – direito civil, direito processual civil, organização judiciária,- de Ana Prata, com a colaboração de Jorge carvalho, 4.º Edição, Almedina, página 1185.

  5. Deve concluir-se portanto que o legislador soube exprimir-se de forma adequada e correcta ao utilizar a expressão “transmissão inter vivos”,não tendo cabimento legal uma interpretação extensiva da referida expressão.

  6. Logo, a sentença recorrida materializa uma errónea interpretação das normas jurídicas aplicáveis, designadamente ao que tange o artigo 26.º n.º 6 alínea b) do NRAU.

  7. Não pode também proceder, na actualidade e in casu, o argumento, resultante do emprego de uma interpretação extensiva e teológica, que o legislador pretendeu com a norma em causa - artigo 26.º n.º 6 alínea b)- facultar ao senhorio um mecanismo para extinguir o contrato de arrendamento no caso da sua manutenção se revelar contrária aos seus interesses, ou seja, se não houvesse equilíbrio nas prestações contratuais, em particular nos contratos com rendas antigas (impulsionado sobretudo pela valorização do estabelecimento comercial quase exclusivamente pelo desajustamento do valor da renda em relação ao valor locativo do prédio arrendado), desde logo porque o legislador já conferiu ao senhorio um mecanismo -consolidado na Lei n.º 31/2012, de 14/08 - mais eficaz de actualização extraordinária da renda (o que permite por si o reequilíbrio das prestações contratuais).

  8. Actualmente o ordenamento jurídico faculta ao senhorio mecanismos que permitem a actualização extraordinária da renda – artigo 50.º e seguintes da Lei n.º 31/2012, de 14/08, mecanismo inclusive que a senhoria já aproveitou, o que despoletou a carta que se mostra transcrita no ponto 10. da Fundamentação de Facto da...

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