Acórdão nº 5991/15.4T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução20 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.-Relatório: C..., residente ..., veio intentar a presente acção com processo declarativo comum contra F... Companhia de Seguros S.A., com sede em Lisboa, e S... SA, com sede ..., peticionando que, reconhecido e declarado eficaz o contrato de seguro, e em função da incapacidade de que é portador, seja a 1ª Ré condenada a pagar-lhe a quantia de €76.203,50, acrescida de juros de mora no valor de €6.430,58 e juros vincendos, ou, em alternativa, caso se entenda aplicar as obrigações decorrentes da informação escrita do Manual da Empresa da S..., sejam as Rés solidariamente condenadas nos mesmos pagamentos.

Alegou em síntese que as Rés celebraram contrato de seguro de grupo, a que o A., na qualidade de trabalhador da 2ª Ré aderiu mediante preenchimento de boletim de participação, sendo que a única informação de que teve conhecimento relativamente ao mencionado seguro era a que constava do Manual da Empresa, segundo o qual a incapacidade permanente do trabalhador que acarretasse diminuição da sua capacidade de remuneração em mais de 2/3 dava lugar ao pagamento de uma indemnização. As Rés nunca o informaram do exacto conteúdo das cláusulas contratuais nem de quaisquer alterações a estas. O A. ficou incapaz para o exercício da sua profissão, incapacidade apreciada pela Comissão de Verificação de Incapacidades e que levou à sua reforma. Porém, accionando o seguro, foi-lhe pedido que confirmasse a incapacidade através de atestado multiusos, e obtido este, foi recusado o pagamento de indemnização com fundamento em que o atestado reportava a incapacidade a data posterior àquela em que o contrato de trabalho tinha caducado por reforma. As Rés não cumpriram os deveres de informação a que estavam obrigadas, e a 1ª Ré actua em abuso de direito ao escudar-se na data a que se reporta o atestado, pois as diligências de confirmação eram necessariamente posteriores à data de passagem à reforma.

Contestou a Ré seguradora, invocando essencialmente que é ao tomador de seguro que compete o cumprimento do dever de informar os segurados sobre o conteúdo dos contratos de seguro, bem como das suas alterações, competindo-lhe de resto o ónus de provar que o fez, e que o dever de informar do segurador só existe se e quando o segurado lho solicitar. Por outro lado, o A., quando participou a sua situação de invalidez e quando cessou o contrato de trabalho, não reunia as condições para beneficiar do seguro.

Contestou a 2ª Ré, empregadora e tomadora de seguro, invocando a sua ilegitimidade, não prevendo o contrato de seguro qualquer responsabilidade solidária ou subsidiária da ora Ré. Impugnando, além do mais, invocou que o seguro correspondeu a uma sua liberalidade, que não tinha qualquer responsabilidade na análise e decisão de qualquer pedido, e que o Manual da Empresa não dispensava a consulta junto da Seguradora das condições exaustivas da apólice, sendo pois infundada a alegação do A. sobre ter um conhecimento incompleto ou insuficiente. O dever de informação é sempre e em primeira linha, da seguradora.

O A. respondeu à excepção de ilegitimidade.

Foi dispensada a audiência prévia, fixado à acção o valor de € 76.203,50, e saneado o processo, julgada improcedente a excepção de ilegitimidade, definido o objecto do litígio, consignados os factos assentes por acordo e documento, e elencados os temas de prova, de que a 1ª Ré e o A. reclamaram, sem sucesso.

Instruída a causa, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, apos o que foi proferida sentença, fixando os factos e a respectiva motivação e, a final, do seguinte teor dispositivo: “Pelo exposto: a) Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno a Ré F... a pagar ao Autor a quantia de €69.772,92, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 9.7.2014 até integral pagamento; b) No mais, jugo a acção improcedente por não provada, absolvendo as Rés dos pedidos.

Custas pelo Autor e pela Ré F... na proporção do decaimento”.

Inconformada, interpôs a Ré F... o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões: 1.O Decreto-Lei 446/85 de 31 de Outubro regula, como lei ordinária geral, os deveres e os ónus relativos à pré-informação contratual e à comunicação das cláusulas predispostas constantes de um contrato de adesão, bem assim como as consequências de incumprimento/não satisfação de tais deveres/ónus; 2.O Decreto-Lei nº 176/95 de 26 de Julho, como lei ordinária especial, aplicável aos contratos de seguros de grupo, regulou em data posterior à da adesão do A. Ao contrato de seguros que nos autos se discute, tais ónus e deveres.

  1. O Decreto-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril, como lei ordinária especial, aplicável aos contratos de seguros de grupo, regulava, à data da participação à Ré, da alegada incapacidade do A., o regime de tais ónus/deveres.

  2. A lei especial prevalece sobre a lei geral.

  3. A obrigação de comunicação das cláusulas contratuais ao aderente a um seguro de grupo recai sobre a entidade tomadora do seguro, no caso sobre a Ré S... (artº 4º nº 1 do Dec.-Lei nº 176/95 e artº 78º do Dec.-Lei nº 72/2008); 6.Nos seguros de grupo a lei não impõe ao segurador o dever de prestar a cada um dos aderentes/pessoas seguras, informações/explicações/esclarecimentos pré-contratuais, nem o de lhe entregar, comunicar ou esclarecer o conteúdo das cláusulas predispostas nas condições contratuais, nem mesmo no caso de o tomador não cumprir tais obrigações, que, nos termos legais, são somente e em primeira linha deste; 7.Sem embargo de tudo o que se deixou dito nas precedentes conclusões, a lei especial estabelece para o Segurador, o dever (subsidiário) de facultar aos aderentes/pessoas seguras, isto é a quem, como o A. Nos presentes autos, não seja o directo tomador do seguro, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato… 8.Mas somente se tais aderentes/pessoas seguras tal lho solicitarem (cfr. artº 4º nº 5 do Dec.-Lei nº 176/95 de 26 de Julho e artº 78º, nº 4 do Dec.-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril) 9.No caso dos autos, o A. não alegou, como seria naturalmente seu ónus (o que aliás é expressamente reconhecido na sentença recorrida) que, antes de contratar, ou alguma vez durante a vigência do contrato, muito em particular antes da participação de sinistro apresentada à Ré ora contestante, alguma vez tivesse tomado a iniciativa de a esta solicitar qualquer tipo de esclarecimento sobre qualquer das cláusulas de seguro; 10.Resulta assim demonstrado nos autos que não incumpriu a Ré F..., em qualquer momento da vigência do contrato, as obrigações de pré-informação contratual e de comunicação e explicação das cláusulas do contrato de seguro, o que só teria acontecido se, tendo-lhe o A. demonstradamente solicitado tais informações /esclarecimentos, esta lhos não tivesse prestado; 11.A ter ocorrido incumprimento de tais deveres, é o mesmo exclusivamente imputável à Ré S...; 12.O incumprimento do dever de informar repercute-se natural e exclusivamente na esfera jurídica daquele sobre quem o mesmo impende, sendo para este fonte de responsabilidade civil nos termos gerais. É o que decorre do disposto no artº 79º do Dec.-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril; 13.Nada na lei permite “estender “ ou alargar ao Segurador, nem sequer a título de responsabilidade solidária ou subsidiária, a legalmente fixada para o tomador, por incumprimento do dever de informação e de comunicação das cláusulas “sub-judice”… 14.E muito menos opor à seguradora a pretensa inaplicabilidade das cláusulas contratuais, nomeadamente as constantes dos factos provados nº 17 a 21, como fundamento na sua pretensa exclusão, as quais, ao invés são perfeitamente válidas e aplicáveis ao caso dos autos; 15.Não tendo ficado provado no caso dos autos que a tomadora do seguro de grupo “sub-judice”, isto é a S..., tivesse cumprido o ónus que legalmente era seu de ter prestado, em momento anterior ao da celebração do contrato de seguro, as informações pré-contratuais que ao A. eram devidas, e de lhe ter explicado as cláusulas contratuais que do mesmo faziam parte, é a ela Ré S... que cabe responder perante o A. pelos prejuízos que tal falta de comunicação lhe causaram, e não à ora Recorrente, prejuízos esses cuja medida é igual ao que o mesmo teria direito de exigir à Seguradora, ao abrigo do contrato de seguro, se algo a esta pudesse opor; 16.Ao assim não ter entendido, e sendo certo que o julgador não se pode substituir à lei, nem interpretá-la contra o mais elementar sentido literal da mesma, a douta decisão recorria aplicou mal ao caso dos autos o disposto nos artº 4º nº 1 e 5 do Dec.-Lei nº 175/96 de 26 de Julho, 78º nº 1, 3 e 4, e 79º do Dec.-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril, disposições essas que por tal entendimento foram violadas; 17.A situação em que o A. se encontrava à data em que foi reformado por invalidez não era subsumível à definição da cobertura da apólice “invalidez total e permanente por doença”, sendo certo que, já depois de reformado a 31 de Outubro de 2012, ao A., avaliado em Setembro de 2013, foi reconhecida uma incapacidade de 62%, inferior portanto à exigível nos termos contratuais, para que a sua situação de saúde pudesse ser considerada como enquadrável na cobertura supra referida.

  4. Ademais nenhuma prova foi feita nem resultou provado qualquer facto, do qual se pudesse concluir que o A. tivesse ficado impossibilitado de exercer qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, o que também é um dos requisitos da ocorrência de invalidez “elegível” nos termos da supra citada cobertura.

  5. Por tudo o exposto, a douta decisão sob recurso deve ser substituída por outra que absolva a Ré ora Recorrente do pedido, e que, quando muito, condene a co-Ré no mesmo, atento o disposto no artº 79º do Dec.-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril, dada a sua responsabilidade nos termos gerais do direito.

    Contra-alegou o Autor formulando a final as seguintes conclusões: 1. A...

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