Acórdão nº 3616/16.0T8LSB.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução27 de Outubro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.

I.-Relatório: C... Limitada instaurou o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra M... e T... Limitada, pedindo a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova por si efectuado em 5.2.2016.

Alegou, em síntese, ser arrendatária de três fracções dum prédio propriedade da primeira requerida, as quais ficarão parcialmente sem ventilação e iluminação natural em virtude de obras de construção inovatórias e de beneficiação – concretamente instalação de um elevador – de uso exclusivo de fracções que não as arrendadas, que as requeridas estão a levar a cabo num saguão do mesmo prédio. As obras decisivas – colocação de massas com malha de ferro – foram iniciadas na primeira semana de Fevereiro de 2016. No dia 5 desse mês, a requerente notificou, na ausência do dono da obra no local, a arquitecta responsável pela execução da obra do embargo extra judicial previsto no artigo 397º nº 2 do CPC.

Após diversas diligências, foram citadas as requeridas, que vieram apresentar oposição, na qual, em síntese, invocam a inexistência do direito ofendido, por via da resolução dos contratos de arrendamento, excepcionam a caducidade do direito de interposição de embargo de obra nova, pois que o conhecimento de que iam ser feitas as obras ocorreu em Janeiro de 2015, mês em que também se iniciaram as obras, com a escavação para execução da sapata para a caixa do elevador, e em Março de 2015, montou-se a armadura, foi feita betonagem e foi colocada malha de ferro até ao 1º piso, trabalhos a que a requerente assistiu.

Excepcionaram ainda a omissão da forma de realização de embargo extra judicial, por não elaboração de qualquer auto.

Impugnaram os factos, invocando que a área total do arrendado afectado corresponde a 3%, sendo constituído por instalações sanitárias, arquivos e corredores de acesso, área e utilização que não podem ter sido determinantes na vontade de arrendar, que a iluminação e ventilação através do saguão é naturalmente muito limitada para os andares arrendados (1º e 2º pisos) e que está previsto que a ventilação continue a ser assegurada por meios técnicos, não havendo pois lesão grave e irreparável do direito da requerente. A instalação do elevador é essencial, dado o avanço da idade, para a senhoria poder aceder à sua habitação no 3º piso, de que é proprietária, pelo que a providência não pode ser decretada por corresponder a uma imposição desproporcionada, na comparação dos 3% de área afectada do arrendado e da totalidade da sua habitação, inutilizando na totalidade o seu direito de propriedade sobre esta, e em face dos prejuízos que esta sofrerá se continuar a pagar o arrendamento da habitação em que provisoriamente se instalou.

Pronunciou-se a requerente sobre a matéria de excepção, invocando que a resolução foi notificada extrajudicialmente em data posterior à instauração do procedimento, e que de resto não tem efeito definitivo, e que o prazo de trinta dias para requerer o embargo se conta do início da construção que afecte o direito que se pretende acautelar, sendo que os trabalhos relativos ao tapamento das janelas e topo do saguão se iniciaram em Fevereiro de 2016. A requerente não fez auto de embargo extra judicial, mas também não estava obrigada a fazê-lo, procedendo a notificação com testemunhas. Não há desproporção pois que a senhoria pode instalar o elevador noutro local ou outro modo de acesso à sua habitação.

Procedeu-se à audiência final, com gravação no sistema informático, durante a qual se realizou também inspecção judicial ao local, e seguidamente foi proferida sentença cujo teor dispositivo é o seguinte: “Por tudo o exposto, julgo improcedente por não provado o presente procedimento cautelar e, em consequência, decido não ratificar o embargo extrajudicial realizado pela requerente. Custas pela requerente. Registe e notifique. Valor: € 30.000,01”.

Inconformada, interpôs a requerente o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões:

  1. A requerente e recorrente na providência cautelar agora em recurso considera-se ofendida no seu direito pessoal de gozo titulado pelos 3 contratos de arrendamento relativos ao 1º D, 2º E e 2º D de que a requerida é senhoria.

  2. Tal ofensa deriva duma obra projetada para, no âmbito de obras gerais no respetivo edifício, construir um elevador no saguão do prédio que servindo em exclusivo os 3º e 4º andares, implica o tapamento das janelas dos 1º e 2º andares que dão para esse saguão bem como o topo desse mesmo saguão, com a consequência de os compartimentos respectivos deixarem de usufruir luz e ventilação naturais como até agora acontecia.

  3. Na sentença, agora posta em crise, o recorrente reclama, recorrendo, não só duma questão de facto, mas também das duas questões de direito que fundamentaram a improcedência do pedido.

  4. Em concreto a recorrente considera que deveria ter sido dado como provado o facto por si invocado no seu requerimento inicial, a saber o inserto no ponto 12.

    “Circunstância inclusivamente omitida no projecto apresentado e entretanto aprovado”.

  5. Tal, deriva de ser claro nos documentos juntos com esse requerimento, concretamente os documentos nº 4 - memória descritiva do projeto de arquitetura da obra - e documento nº 5 - desenhos em planta dos pisos 1 e 2 relativos aos compartimentos que dão para o saguão - que nesse projeto é omitido qualquer solução para a questão da luz natural e mesmo para a ventilação somente refere as IS do 1º piso, omitindo, até nos desenhos, a existência das janelas nos restantes compartimentos que dão para esse saguão.

  6. A Sentença ao ter omitido tal facto, não constando nem nos factos dados como provados, nem nos factos dados como não provados, merece censura e impõe diferente conclusão devendo por isso e em consequência ser sentença dado como provado também que, “Circunstância inclusivamente omitida no projeto apresentado e entretanto aprovado” e, em consequência e retificando também nos factos dados como provados, alterando parcialmente a redação do ponto 30. Passando este a ter a seguinte redação: “ A ventilação de alguns espaços cujas janelas serão fechadas, concretamente as ISs do 2º andar, está assegurada no projeto aprovado na Câmara Municipal de Lisboa”.

  7. Relativamente às questões de direito também não se concorda com a sentença agora recorrida quando afirma que dois dos requisitos plasmados no artº 397º do C.P.C. que regula o embargo de obra nova e que se aplica ao presente procedimento cautelar, não estão preenchidos.

  8. Concretamente não se concorda que se fundamente que o presente procedimento cautelar é extemporâneo em virtude que ter sido requerido mais de trinta dias após o conhecimento pela requerente do projeto de arquitetura em que se previa e estava projetado já a instalação dum elevador no saguão com o consequente tapamento das janelas do 1º e 2º piso que dão para esse saguão bem como o topo desse mesmo saguão.

  9. Na verdade, a requerente sabia desse projeto e sempre o afirmou, no entanto sempre quanto a isso se manifestou contra caso essa parte específica da obra viesse a ser concretizada, com decorre dos factos dados como provados, como também, em Fevereiro de 2016, assim que teve conhecimento do início do tapamento, no caso do topo do saguão e da iminência dessa concretização no caso das janelas, embargou extra judicialmente na pessoa da responsável da obra que confirmou essa realidade, cumprindo assim o prazo de tinta dias referido.

  10. Esse prazo, nos termos da totalidade da jurisprudência consultada e da melhor interpretação da lei, concretamente do artº 397º do C.P.C., deverá ocorrer e ser contado após a obra concreta que se pretende embargar, in casu tapamento das janelas servidas pelo saguão e topo do desse saguão, for evidente que será concretizada e não quando dela teve conhecimento por um projeto ou mera intenção declarada, mais ainda quando se trata duma obra muito mais vasta.

  11. Assim e com base nos fatos provados e nos termos do artº 397º do C.P.C. e da sua correta aplicação, o requerimento do presente procedimento cautelar ao ter sido proposto antes do prazo de trinta dias após o conhecimento, em fevereiro de 2016, da requerente do início da obra de tapamento das janelas e topo do saguão, deveria ter sido considerado, na sentença de que agora se recorre, em tempo, pelo exato cumprimento desse mesmo prazo.

  12. Também relativamente ao segundo requisito que a sentença considerou não estar demonstrado - ofensa do direito do recorrente -, por considerar não ter sido ilícita a obra realizada, com tal decisão não se concorda, porque essa ilicitude de facto existiu.

  13. Apesar de segundo a sentença não estar em causa o direito da requerente, neste caso o direito pessoal de gozo da requerente relativamente aos locados arrendados por força dos três contratos livremente celebrados, tal não pode ser considerado verdade.

  14. A alteração das condições em que os locados passam a ser usufruídos, com várias divisões ou compartimentos a sofrerem significativas mudanças na sua utilização por força da anulação de luz e ventilação natural, mais ainda quando essa alteração decorre e é no interesse exclusivo da requerida, é evidentemente uma ofensa por si só a esse direito contratualizado, que ao ser concretizado de forma unilateral, concretiza-se também de forma ilícita.

  15. Ofensa a um direito constituído por força dum contrato livremente estipulado e aceite e que põe em causa o princípio da confiança e da estabilidade que está subjacente a essa realidade jurídica.

  16. A que acresce não ser a obra uma imposição legítima de terceiros que decorresse duma imprevista, exigível e legal obrigação que por isso afetasse a recorrente no seu direito, mas aí impondo-lhe também esse sacrifício.

  17. Para além de também não ser verdade, com referido na sentença, estarem asseguradas soluções técnicas que dariam resposta a tais mudanças, aliás elas mesmas, se existissem, filhas de uma decisão unilateral e de...

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