Acórdão nº 736/14.9TVLSB.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | ROQUE NOGUEIRA |
Data da Resolução | 26 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.
1 – Relatório: Na 2ª Vara Cível de Lisboa, Maria J. D. A. de A., António J. A. de A. e Irina Sofia A. de A. G., requereram contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., declaração de executoriedade de sentença estrangeira, nos termos e para os efeitos do art.38º do Regulamento (CE) Nº44/2001 do Conselho, de 22/12/2000, alegando que, por sentença proferida pelo Cour d´Appel du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13/11/13, foi a requerida condenada, entre outros, a pagar aos aqui requerentes a quantia de € 3.527.000,00, acrescida de juros legais desde o dia 24/5/2012 até integral pagamento.
Mais alega que a requerida, interpelada pelos requerentes para proceder ao cumprimento voluntário da dita sentença, nada pagou.
Conclui, pedindo que seja declarado carácter executório àquela sentença, com todas as legais e necessárias consequências.
Juntou cópia certificada da sentença estrangeira, bem como, certidão emitida pelo Tribunal que a proferiu, nos termos dos arts.53º e 54º, do citado Regulamento.
A 2ª vara Cível de Lisboa declarou-se incompetente para conhecer dos presentes autos e ordenou a remessa dos mesmos para os juízos cíveis de Lisboa, onde foram distribuídos ao 3º Juízo.
Neste Juízo foi proferida decisão, declarando a executoriedade da sentença em questão.
Inconformada, a requerida interpôs recurso daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: l.Os Recorridos requereram a "declaração e executoriedade de sentença estrangeira", ao abrigo do Regulamento [CE) n.° 44/2011, assim identificada: sentença proferida pela Cour d'Apell du Grand-Duché de Luxemburgo, de 13.11.2013, em que a Requerida foi condenada "a pagar aos aqui Requerentes a quantia de € 3.527.000,00" (art. l.º da p.i.) 2.Em face do pedido, a sentença em recurso, decretou a executoriedade da sentença proferida, sem qualquer restrição.
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Ora, conforme consta do acórdão, na versão original, aquele "condamne la SA Caixa Geral De Depósitos à payer par provision à (...)", ou, na versão traduzida, "condena a SA Caixa Geral de Depósitos a pagar a título provisório a (…)".
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E é este tipo de condenação, "par provísion", provisória, ou cautelar, como melhor seria traduzido, que obrigaria à restrição do âmbito da executoriedade da sentença em causa, o que não aconteceu.
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Compreender a natureza da condenação, supõe a prévia apreensão do ato que lhe deu origem - o référé -, ato que vem igualmente omitido na petição inicial.
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Os arts. 34.° e 35.° do Regulamento definem as condições de reconhecimento por forma negativa, indicando os casos em que não pode haver reconhecimento. O requerimento de declaração de executoriedade de uma decisão só pode ser indeferido com os mesmos fundamentos, conforme consta do art 45.°, n.°l.
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No entanto, há pressupostos de declaração de executoriedade que são impostos por outras normas do Regulamento, designadamente, que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art. 1.°) e que a decisão tenha força executiva (art. 38.°). Como se demonstrará, não se verificam os dois últimos requisitos.
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Em 30.10.2012, foi proferida decisão, nos termos da qual o juiz das decisões provisórias do Luxemburgo indeferiu o pedido de decretamento de todas as solicitadas pelos aqui Requeridos. Desta decisão foi interposto recurso para a Cour d'apell, que proferiu decisão parcialmente revogatória da anterior. A Recorrente interpôs recurso na Cour de Cassation, em 4.2.2014, ainda não decidido.
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Sendo o art 38.° bem claro ao exigir que a decisão a atribuir executoriedade tem que ter força executiva no Estado-Membro em que haja sido proferida, cabia a quem requer aquela a prova deste requisito, prova que não foi feita.
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Ao invés, resulta do documento junto, que não há trânsito em julgado, pelo que não pode a decisão ter força executiva, pelo menos no sentido em que lhe foi atribuído pela sentença em recurso, ou seja, sem qualquer limite.
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Para além da falta de trânsito em julgado, é essencialmente a natureza da decisão cuja executoriedade vem requerida que está em causa, atendendo ao tipo de decisão em que se suporta o pedido dos Requerentes.
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De facto, os Requerentes omitem no seu requerimento que a decisão cuja atribuição de executoriedade solicitam provém de um processo denominado de "référé", com um âmbito de eficácia bem restrito.
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O "référé" é um procedimento através do qual são ordenadas medidas provisórias ou cautelares, semelhante à providência cautelar do direito processual português, tal como consta, aliás, do próprio acórdão junto pelos aqui Recorridos.
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A provisoriedade da decisão cuja executoriedade foi requerida resulta ainda de outra questão, igualmente omitida ao tribunal pelos aqui Recorridos.
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Caso seja negado provimento ao recurso, o processo terá que voltar à l.
ª instância, para que o juiz decida o processo na sua totalidade.
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Com efeito, o tribunal tinha ordenado a apensação ao référé da demanda apresentada pela CGD contra a sua seguradora FOYER ASSURANCES SA, pedindo que esta se substitua ao banco no pagamento de qualquer indemnização em que aquele pudesse vir a ser condenado ainda que provisoriamente, até ao montante do seguro - 2.500.000,00 €.
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Na medida em que o despacho de 30.10.2012 não condenou o banco no pagamento do aludido montante, sobrestou a decisão sobre a condenação da seguradora em lugar e substituição do banco.
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Ou seja, mesmo que a Cour de Cassation não anule o acórdão da "Cour d'appel", de 13 de Novembro de 2013, sempre o "Tribunal d'arrondissement" terá ainda que decidir se a seguradora deve pagar ou não em lugar do banco, mesmo que apenas até ao montante máximo segurado.
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Se decidir favoravelmente a pretensão da CGD, esta apenas terá que pagar, e a título provisório, repita-se, cerca de l milhão de euros em vez de 3.5 milhões.
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Um processo de execução imediata em Portugal pela totalidade do valor em causa é, pois, contrário à real situação existente no país de origem, levando a que se possa afirmar, com inteira propriedade, que a sentença que condenou no pagamento de 3,5 milhões de euros não é título executivo no país de origem, assim saindo violado o art. 38.° do Regulamento.
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Defender-se o contrário equivaleria a algo de equivalente à violação do princípio da proibição da reformatio in pejus.
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Clarificada a natureza da decisão em causa - medida cautelar ou provisória -, há que apurar se a mesma pode ser objeto do processo de executoriedade em causa.
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Ora, sem dúvida que o art. 31.° do Regulamento prevê que "(a)s medidas provisórias ou cautelares previstas na lei de um Estado-Membro podem ser requeridas às autoridades judiciais desse Estado, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer da questão e fundo". O que sejam "medidas provisórias ou cautelares" não é, porém, pacífico.
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Como salienta, Luís Lima Pinheiro, "Dos diversas formulações ressalta a inclusão neste conceito das providências provisórias conservatórias. Não é tão claro até que ponto podem ser abrangidas providências provisórias antecipatórias.
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Ora, o TCE tem decidido que o pagamento a título provisório de uma contraprestação contratual, como é o caso dos autos, não constitui uma medida provisória na aceção desta disposição a menos que, designadamente, o reembolso ao demandado da soma atribuída esteja garantido na hipótese de o demandante não obter ganho de causa quanto ao mérito (acórdão Van Uden e Mietz).
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Assim sendo, falta novo requisito de executoriedade à decisão, qual seja o de que o objeto da decisão caia no âmbito material de aplicação do Regulamento (art l.
º).
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Havendo dúvidas na interpretação do Regulamento, no que respeita ao art. 31.° e, mediatamente, por força deste, quanto ao art. 38.°, torna-se obrigatório o reenvio prejudicial, que se requer, ao abrigo do disposto no art 267° do Tratado de Funcionamento da União Europeia para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
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Caso este Tribunal não decida pela inaplicabilidade do Regulamento à decisão provisória cuja executoriedade vem pedida, com os fundamentos antes invocados, requer-se utilize o mecanismo do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, reenvio, este, que cremos ser tendo como objeto a decisão das questões prejudiciais indicadas no texto das alegações.
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O presente pedido de executoriedade representa um manifesto abuso de direito por parte dos aqui Recorridos.
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Para além das omissões já antes salientadas, especialmente graves, os Requeridos omitem ainda outros factos de extraordinária relevância para impedir ou, pelo menos, limitar o âmbito da executoriedade da decisão em causa.
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Omitem os aqui Recorridos que em 17.5.2013, instauraram contra a Recorrente "assignation au fond", ou seja, a ação principal, em que formulam, entre outros, o pedido de condenação da CGD no pagamento de 3.527.000 €, Também nestes autos a aqui Recorrente chamou a sua seguradora. Até este momento, o processo está dependente da decisão sobre se prossegue ou se suspende devido à existência de processo-crime, instaurado pela CGD, e em que há já 8 acusações.
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Os Recorridos omitem ainda que deram já execução provisória à sentença no Luxemburgo, procedente a registo de duas hipotecas judiciais sobre dois imóveis da sucursal da Recorrente, sitos no Luxemburgo.
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Ora, sem sequer invocarem a insuficiência dos bens já apreendidos - insuficiência que aliás não existe - os Recorridos pretendem obter novamente em Portugal a execução de uma sentença que se encontra já executada e que tem, pois, já esgotados os seus efeitos.
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Por outro lado, bem sabem os Recorridos e o tribunal que a Recorrente tem património suficiente para responder pela dívida, caso esta venha ser reconhecida, o que se admite apenas por cautela de patrocínio, pelo que o risco de perda de garantia patrimonial...
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