Acórdão nº 8249/08.1TCSC.L1-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

1.

RELATÓRIO: Farmácia das A., Unipessoal, Lda., pessoa coletiva com sede na Urbanização das A., lote 12, cave direita, intentou a presente ação, que segue a forma de processo ordinário, contra CCEA – Centro de C., Lda, pessoa coletiva com sede na Rua 4, Pavilhão 2, sala 4, M., pedindo que seja “o contrato de venda de coisa defeituosa anulado e a Ré condenada a pagar à autora o montante pecuniário pago”.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que: Em 21/06/2006 celebrou com o “Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” um contrato de locação financeira, com vista à aquisição de equipamentos eletrónicos, pelo valor de 120.554,72€.

Tais equipamentos eletrónicos – hardware, software informático de gestão de senhas de utentes e informação eletrónica das farmácias de serviço – foram fornecidos pela ré, à data com a designação de “S. – Sistemas Informáticos , Lda.”.

Uma vez instalado, o software começou a funcionar com problemas, avariando-se com frequência, nomeadamente o equipamento denominado “Quiosque com Internet”.

A autora contactou a ré, que enviou à sede da autora uma empresa denominada “LPL Multimédia”, a qual efetuou algumas reparações, após o que o equipamento continuou a não satisfazer a sua função normal.

Por tal razão, e porque a ré nem devolveu o montante despendido, nem procedeu ao levantamento do equipamento, a autora teve de substituir o equipamento fornecido pela ré por outro de outro fornecedor.

Assiste à autora o direito de anular o contrato.

A ré atuou com dolo, porquanto sabia da existência dos defeitos e da persistência dos mesmos.

A ré contestou, por impugnação, invocando que as avarias de equipamento foram sempre no hardware e não no software, e que os erros de equipamento foram assistidos e resolvidos pela sociedade “LPL”, nunca tendo sido solicitado à ré a substituição de equipamento, apenas a sua devolução.

Foi proferido despacho saneador, com seleção da matéria de facto assente e controvertida; realizado o julgamento e proferida sentença, foi interposto recurso.

Na sequência de acórdão proferido por esta Relação a autora deduziu incidente de intervenção principal da sociedade Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. (atualmente Banco Santander Totta SA), que, citada, não teve qualquer intervenção nos autos nem constituiu mandatário judicial.

Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a presente acção procedente por provada e em consequência.

1-Declaro anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a ré C.Lda. e a interveniente principal Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA; 2-Declara-se extinto o contrato de locação financeira com efeitos a partir da sua celebração (por força da retroactividade da anulação); 3-Condena-se a ré C., Lda a receber a máquina objecto do contrato e a restituir à Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA o preço correspondente; 4-Condena-se a Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito SA a restituir à autora o valor das rendas e demais prestações pecuniárias por si pagas em execução do contrato.

* Custas a cargo da ré - (cfr. artigos 527.º do CPC).

* Notifique e registe”.

Não se conformando a ré apelou, formulou as seguintes conclusões: “1-Vem o presente recurso interposto da decisão da Meritíssima Juíza a quo que anulou o contrato de compra e venda celebrado entre a aqui Recorrente e a ora Interveniente Principal, declarou extinto o contrato de locação financeira com efeitos a partir da sua celebração, condenou a Recorrente a receber a máquina objecto do contrato e a restituir à Interveniente o preço correspondente e ainda condenou a Interveniente a restituir à A. o valor das rendas e demais prestações por si pagas; 2-Existe na decisão recorrida um manifesto erro na apreciação da matéria de facto, e, consequentemente, na decisão sobre o mérito dos autos; 3-Efectivamente, a sentença recorrida olvidou a prova produzida na audiência e não considerou factos que deveriam ter sido dado como provados; 4-Não atendeu ainda a factos decorrentes do depoimento das testemunhas que imporiam uma decisão de natureza diferente, 5-E ainda à notória falta de elementos de prova fundamentais para a apreciação da presente lide, nomeadamente a factura do equipamento em causa; 6-A sentença recorrida violou os artigos 905º, 908º, 909º, 911º e 913º do C.C; 7-Efectivamente, os vários meios jurídicos facultados ao comprador de coisa defeituosa pelos arts. 913.º e seguintes do Código Civil não podem ser exercidos de forma aleatória ou discricionária; os mesmos acham-se estruturados de forma sequencial e escalonada; 8-A A. não respeitou esse escalonamento; 9-Nunca existiu mesmo por parte da A. nenhuma comunicação de resolução do contrato; 10-A Recorrente, sempre que a A. reclamou, reparou todos os defeitos; 12-A própria A. procedeu à substituição parcial do equipamento, nunca podendo, por via disso, esta peticionar a anulação do contrato, uma vez que esta substituição do equipamento, convalidou o contrato 13-Neste termos, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por uma que absolva a Recorrente do pedido, ou, quando muito a condene a liquidar o valor despendido pela A. na substituição parcial do equipamento.

Assim decidindo, farão V. Exas. a tão costumada Justiça!” A interveniente Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A., notificada da sentença, constituiu mandatário judicial e apelou, formulando as seguintes conclusões: “

  1. O pressuposto jurídico essencial da decisão recorrida é o reconhecimento ao locatário do direito de anular o contrato de compra e venda do equipamento locado.

B) Ora, no entender do BST, o locatário não dispõe do específico direito em causa.

C) Com efeito, a "atribuição do direito de resolução da compra e venda ... ao locatário equivaleria à frustração dos interesses do locador, o que não parece admissível" - vd. Rui Pinto Duarte, in "O Contrato de Locação Financeira - Uma Síntese", Revista da Faculdade de Direito da UNL, nº 19, 2010.

O) Aliás, admitir-se a solução preconizada na sentença recorrida de atribuir ao locatário o direito de pôr fim ao contrato de compra e venda traria consequências claramente contrárias ao espírito e objectivos do regime legal da locação financeira.

E) Assim, a sentença sob recurso, ao considerar que o locatário tem o direito de anular a compra e venda do bem locado, chegou à seguinte consequência: condenou o BST a restituir à locadora o montante das prestações que recebeu em cumprimento da locação financeira.

F) Ora, a lei protege expressamente o locador, pondo-o a coberto da obrigação de responder perante o locatário pelos vícios da coisa locada (artº12° do citado DL 149/95).

G) Ora, por via da tese da sentença recorrida, chega-se a uma solução que se afigura claramente contrária ao espírito da lei, pois protegendo esta o locador de responder pelos pelos vícios da coisa locada, julga-se que não é compatível com tal protecção vir depois expor o locador à obrigação de, exactamente por causa de tais vícios, ter de restituir ao locatário as rendas que deste recebeu em consequência da anulação do contrato de compra e venda.

H) Sendo que tal protecção não é, obviamente, assegurada pelo facto de a sentença recorrida ter condenado o fornecedor a devolver ao BST o preço recebido, dado o risco de incumprimento/insolvência que então sempre se verificará.

I)Face ao exposto, julga-se que o acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou o disposto nos art.s 1 o, 12 o e 23 o do DL 149/95 de 24/6.

NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, por consequência, a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!” Foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar.

II.

FUNDAMENTOS DE FACTO.

A primeira instância deu por provada a seguinte factualidade: 1.A autora, em 21 de Junho de 2006, celebrou com o “Totta Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A.” o contrato de Locação Financeira n.º 160674, com vista à aquisição de equipamentos eletrónicos, cujo fornecedor era a “S., Lda.” – alínea A) dos factos assentes.

  1. Tal contrato teve o seu início em 15 de Julho de 2006 e foi celebrado pelo valor total de 120.554,74€ (IVA incluído), e ainda com a opção de compra por 5.977,92€ – alínea B) dos factos assentes.

  2. O equipamento em causa consistia em hardware (computadores) e um software informático de gestão de senhas de utentes na farmácia da autora e informação eletrónica das farmácias de serviço, visível aos seus utentes – alínea C) dos factos assentes.

  3. Tal equipamento foi fornecido e instalado pela sociedade com a firma “S. – Sistemas Informáticos de Gestão para a Saúde, Lda” em Maio de 2006 – alínea D) dos factos assentes.

  4. A empresa fornecedora “S., Lda.” alterou o seu objeto e firma, sendo atualmente designada por “CCEA – Centro de Cirurgia Experimental Avançada, Lda.” – alínea E) dos factos assentes.

  5. A autora contactou a ré no sentido de resolver a situação de modo a que o equipamento informático funcionasse devidamente – alínea F) dos factos assentes.

  6. Em resposta ao solicitado a ré enviou à morada da autora uma empresa denominada “LPL Multimédia” – alínea G) dos factos assentes.

  7. De cada deslocação feita, a “LPL” emitiu folhas de serviço onde se descrevem as reparações efetuadas designadamente: • Folha de Serviço n.º 09951, onde se substituíram splitters, datada de 09/10/2006; • Folha de Serviço n.º 09996, onde se desligaram monitores, repararam splitters, atualizaram-se softwares e substituíram-se transformadores, datada de 28/12/2006; • Folha de Serviço n.º 10518, onde se verificaram problemas de monitores por avaria dos B-68, tendo os monitores sido desligados por avaria dos transformadores, datada de 19/04/2007; • Folha de Serviço n.º...

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