Acórdão nº 1001/14.7TVLSB-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

1.

RELATÓRIO: P. Miguel P. F. intentou a presente ação de investigação da paternidade contra curador especial a nomear pelo Tribunal, P. , Jorge M., Maria H. (…) e Maria Teresa , pedindo que seja declarado que é filho de P. de S. M., ordenando-se o averbamento no registo civil do autor desta filiação e a dos avós paternos, nos termos legais.

Os réus P. (…) contestaram, excecionando a caducidade do prazo para a propositura da ação de investigação de paternidade.

O autor pronunciou-se quanto à exceção invocada.

Proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos: “Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 1817°, nº1, 1873° e 333°, n° 1 do CC e 576°, nºs 1 e 3, 579° e 595°, n° 1, b) do CPC, julgo verificada a exceção de caducidade do prazo para a propositura da presente ação de investigação de paternidade e, consequentemente: a) Absolvo os RR. do pedido.

*** Custas pelo A.

*** Notifique”.

Não se conformando, o autor apelou formulando as seguintes conclusões: 1 ª.- A decisão recorrida invoca existir uma lacuna, quanto ao prazo da acção de investigação de paternidade, por força da declaração de inconstitucionalidade constante no Ac. 23/2006, antes da entrada em vigor da Lei 14/09, fixadora do prazo de 10 anos - e tal lacuna, atento este prazo-regra, deveria ser colmatada por um igual, contando-o desde o início da maioridade do autor, ora recorrente, ocorrida em 1980.

  1. - Assim, preenchendo o alegado caso omisso, a sentença estabelece a regra segundo a qual, o prazo para o A. ter instaurado esta acção é o de 10 anos após a sua maioridade, ocorrida em 1980 - pelo que, tendo decorrido tal prazo, sem nele ter sido instaurada esta acção, caducou o direito e vão os RR. absolvidos.

  2. - Porém, ao contrário do afirmado e pressuposto na sentença, a norma do n.º 1 do artº 1.817.º, aplicável ex vi art.º 1.873.º, do Cód. Civil, na redacção de 1966, não vigorou até ao Acórdão n.º 23/2006, do Tribunal Constitucional- mas apenas até à entrada em vigor das normas da Constituição que, contrárias àquela regra, a tornaram inválida, o que ocorreu em 25 de Abril de 1976, assim, por força do disposto nos arts. 290.º n.º 2, 282.º n.º 2 e 296.º n.º 2 da CRP.

  3. - A sentença não apresenta quais as razões - de segurança ou outras - demonstrativas, a partir das normas e princípios da CRP, ou do direito ordinário, da existência de uma lacuna, causada pela eliminação da regra do n.º 1 do art.º 1.817.º do CC/1966.

  4. - Se existisse lacuna, impositiva de uma regulação, por razões de segurança, equidade ou interesse público, a única autoridade legitimada para o declarar seria o TC, pelo Acórdão 23/2006 que, nesse caso, poderia e deveria ter limitado o alcance da nulidade, daquela regra do direito ordinário, nos termos do n.º 4 do art.º 282.º da CRP - o que não sucedeu.

  5. - A força, o alcance prático dos efeitos normativos daquela declaração de inconstitucionalidade, do art.º 281.º n.º 3 (''fiscalização abstracta"), uma vez proferida, não podem ser alterados pelo legislador, nem pelo próprio Tribunal Constitucional, menos ainda pelos restantes tribunais.

  6. - Assim, quando no Acórdão 23/2006 o Tribunal Constitucional não restringiu o alcance temporal ou outro, decorrente da eliminação da norma do n.º 1 do art. 1.817.º do Cód. Civil, emitiu um consciente e deliberado juízo de abertura irrestrita às acções de investigação, ressalvados, nos termos do próprio n.º 3 do art. 282.º, os casos julgados ou aqueles em que o decurso do tempo anterior a 25 de Abril de 1976 já havia esgotado o prazo da até aí válida norma.

  7. - A ausência de limite quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do art.º 1.817.º, do Cód. Civil, pelo Acórdão 23/2006, está em coerência, desde logo, com a própria Constituição, na qual os interesses tradicionalmente invocados para restringir aquele direito de investigação de paternidade não têm maior preponderância do que os direitos à identidade pessoal e conhecimento do progenitor, o direito de constituir família, o direito de não discriminação por nascer fora do casamento, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, todos ali consagrados (arts. 26.º nº 1, 36.º nºs 1 e 4, da CRP).

  8. - De resto, a total abertura (ressalvados casos julgados ou os que já em 25 de Abril de 1976 haviam esgotado o prazo de 2 anos de caducidade), assim intencionalmente deixada pelo Acórdão 23/2006, ao revogar a norma do prazo sem ter usado do poder de limitar este efeito, encontra-se também em coerência com o direito civil, onde se salientam, justamente em matéria de relações familiares e hereditárias, a irrenunciabilidade do direito a alimentos (art.s 2.008.º n.º 1 do Cód. Civil), bem como do exercício "a todo o tempo" da acção de petição de herança e respectiva qualidade, do art. 2.075.º nº 2, bem como prazos que permitem acção de investigação até depois do falecimento do investigado, como decorre dos nºs 3 e 4 do art. 1.817.º na redacção actual do Cód. Civil, as quais, bem poderiam invocar-se como casos análogos, nos termos e para os efeitos como manda os nºs 1 e 2 do art. 10.º do CC.

  9. - Portanto, a sentença mostra-se equivocada e apresenta um erro de direito, quando acaba por revogar, violando logo aí, o próprio n.º3 do art.281.º da CRP, os efeitos do Acórdão 23/2006, invocando uma lacuna jurídica realmente inexistente à luz do Acórdão, da Constituição e do direito civil, acima citado, que constituem, no seu conjunto, os casos análogos e "espírito do sistema", pressuposto no art. 10º, nºs 1,2 e 3, do Cód. Civil, normas assim também violadas.

  10. - A sentença, na interpretação que faz destes preceitos e dos efeitos do Acórdão 23/2006, viola frontalmente e desobedece ao alcance deste mesmo Acórdão - uma vez que não lhe é lícito fixar limites temporais restritivos para o exercício da acção, corrigindo o Acórdão, tanto mais que este, podendo tê-lo feito, não o fez.

  11. - Mesmo que não se julgue assim, nenhuma lacuna existe, maxime porque, o direito de investigar a paternidade, para todos os efeitos legais de obter a qualidade de filho, de acordo com a Constituição, designadamente na sua consagração do direito a conhecer o progenitor e identidade pessoal (art.s 26.º n.º 1), direito a constituir família (art.s 36.º n.º 1), direito ao livre desenvolvimento da personalidade (art.s 26º nº 1), direito a não discriminação por nascer fora do casamento (art.s 36.º n.º 4) e de acordo com os princípios de proibição desproporcionadas a estes direitos (art.s 18.º n.º 3) e ao próprio direito de aceder à justiça, atempada e célere, sem injustificados entraves processuais ou de prazo, dizia-se, o direito a esta acção não pode estar limitado pelo referido prazo de 10 anos.

  12. - Aquela norma, quando aplicada ao autor, ora recorrente, a partir da sua maioridade, como foi no caso, pressupõe uma regra de prazo de contagem dez anos, que é inconstitucional, por violar, desde logo, estes preceitos constitucionais, como acima alegado e pelas acrescidas razões doutamente invocadas na declaração de voto do Conselheiro S. Ribeiro, no Acórdão 401/2011, do Plenário do TC, e dos demais Ex.mos Conselheiros a ela aderentes.

  13. - Mas mesmo que não se conclua assim, e sem prescindir, a sentença apresenta uma norma que aplica à decisão, igual à do art. 1.817.º n.º 1 do Cód. Civil, mas numa interpretação retroactiva à data em que o A atingiu a maioridade, a qual é violadora dos princípios fundamentais da certeza, segurança, proporcionalidade e dos próprios direitos à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade, proibição de retroactividade na restrição de direitos fundamentais (designadamente, art.? 18º n.º3 da CRP), ao estabelecer que o exercício do direito a investigar a paternidade tivesse de depender da capacidade de previsão, pelo A, da lacuna alegada e da regra que, agora, e à posteriori o Tribunal declara, exigindo-lhe adivinhar uma regra em sentido contrário ao da jurisprudência do STJ posterior aos Acórdão 23/2006 e Acórdão 24/2012.

  14. - Portanto, não existe lacuna a necessitar de uma regra como a criada pela sentença, mas, mesmo que não se julgue assim, o que se não aceita, a criação pelo Juiz, de um prazo-regra de 10 anos, decalcado da Lei 14/2009, e contado com efeitos retroactivos à menoridade do ora recorrente, seria sempre uma regra violadora, no mínimo, do n.º 3 do art. 18.º da CRP - que proíbe a retroactividade de normas restritivas de direitos fundamentais.

  15. - Este tipo de regra, que o art.? 3.º da Lei 14/09 dispunha para os casos pendentes, mandando-lhes aplicar o prazo de 10 anos após a maioridade, foi declarado inconstitucional CAco 24/2012), por decisão dotada da mesma força cogente e normativa que o Ac. 23/2006, isto é, ambos como actos normativos de vinculação obrigatória e geral, nos termos do art. 281 º nº 3 da CRP.

  16. - Pelas mesmas razões da decisão constante no Acórdão 24/2012 - ou seja, é proibida pelo art.? 18.º n.º 3 da CRP a interpretação do novo art. 1.817.º n.º 1 do Cód. Civil, de modo a contar o prazo desde a pretérita maioridade do ora recorrente - tem de concluir-se, igualmente, que regra criada e aplicada pela sentença, quando afirma que o autor, ora recorrente, disporia de 10 anos após a maioridade para exercer o direito em causa, viola aquele mesmo normativo, do nº 3 art. 18.º da CRP.

  17. - A única interpretação daquela nova regra que a sentença apresenta e/ou da nova redacção do nº 1 do art. 1817º do CC, consiste em, por força das razões constantes no Acórdão 23/2006 e no Acórdão 24/2012, aplicar-se o prazo novo e o facto a partir do qual ele se conta, inteira e unicamente para o futuro - como, aliás, decorre do disposto no art. 12.º nºs 2 e 3 e art. 297.º do Cód. Civil, combinado com o n.º 3 do art. 18.º da CRP, sendo ilícita outra interpretação que retire ao A/recorrente o direito em causa, por violar esta regra, bem como os princípios constitucionais da protecção da...

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