Acórdão nº 349/14.5TTLRS.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Janeiro de 2016
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 13 de Janeiro de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
I–RELATÓRIO: O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, veio propor, em 02/06/2014, ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, CIF n.º 507 697 350 e com sede na Avenida... Lisboa, pedindo, com referência a AA, com o Cartão de Cidadão n.º (…), NIF (…) e residência na Rua (…), que o Tribunal declare a existência de um contrato de trabalho firmado entre a mesma e a Ré LCS- LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA.
Em abono da sua pretensão, alega que a referida enfermeira AA foi admitida ao serviço da Ré no dia 15/01/2011, tendo, para o efeito, assinado um documento denominado “Contrato de Prestação de Serviços”.
Desde essa data e até 15/01/2014, data em que cessou o contrato, AA exerceu funções de enfermeira comunicadora, no desenvolvimento das quais efetuava a triagem, atendimento e encaminhamento dos utentes, no cumprimento de ordens emanadas da Ré, na sede da Ré e com equipamento da Ré.
Mais refere que a Enfermeira AA cumpria horas de início e termo da respetiva prestação determinada pela Ré, através da emissão de uma escala de serviço mensal e estava sujeita a avaliações mensais e trimestrais de desempenho e que auferia um valor/hora, que lhe era pago mensalmente. Mais tinha que comunicar e justificar antecipadamente as suas ausências.
No dia 15/01/2014 a Enfermeira AA foi informada pela Ré da rescisão do contrato, com efeitos a partir de 15/02/2015, tendo de imediato e a partir da primeira data referida, sido impedida de entrar nas instalações da mesma.
Conclui o Ministério Público que os factos alegados traduzem-se na subordinação jurídica e económica de AA à Ré e que a mesma goza da presunção prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho, motivo pelo qual o contrato que vigorou entre ambas deve ser considerado contrato de trabalho.
* Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se no Auto de Utilização indevida de contrato de prestação de serviços, levantado no dia 17/04/2014 por uma Inspetora da ACT e que se mostra junto a fls. 5 a 15.
O Auto de Notícia certificava o procedimento imputado à arguida (e aqui Ré), constatado no dia 10/01/2014 e que se traduzia no facto da mesma ter AA ao seu serviço profissional, como enfermeira comunicadora, desde 16/11/2009, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, quando a forma quotidiana como aquela desenvolvia a sua atividade indiciava a existência de uma relação de índole laboral. Notificada a arguida, veio a mesma apresentar o requerimento de fls. 16 e seguintes, onde pugnava pela natureza autónoma, entre diversos outros, do vínculo estabelecido com a referida enfermeira AA, tendo ainda arguido a nulidade do respetivo auto, por falta de indicação dos meios de prova sobre os quais a ACT formou a sua convicção.
A ACT, face a tal posição da L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, procedeu à participação ao Ministério Público do expediente junto a fls. 2 a 46, nos termos n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. * A Ré foi citada a fls. 61 e 44, por carta registada com Aviso de Receção, tendo apresentado a contestação + documentos de fls. 65 a 167, tendo suscitado uma questão prévia quanto a custas, arguido, sucessivamente, as exceções de arquivamento dos autos pela ACT e de erro na forma do processo, radicadas no facto do contrato de prestação de serviço celebrado com a aludida enfermeira AA ter cessado os seus efeitos em 14/2/2014, o que era do conhecimento da ACT e a ação ter sido proposta em 2/6/2014 e, finalmente, impugnado os factos alegados pelo Ministério Público, pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público e pedindo a sua absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, do pedido. * Foi proferido, a fls. 170 e 171, despacho saneador, onde o juiz do processo determinou a notificação da contestação ao Ministério Público, na sua qualidade de Autor, considerou válida e regular a instância (no que respeita às nulidades ou exceções dilatórias de que cumprisse conhecer de imediato), designou data para a Audiência de Discussão e Julgamento e indeferiu a notificação das testemunhas requerida pelo aludido magistrado.
A alegada trabalhadora foi notificada das diversas peças processuais nos termos do artigo 186.º-L, n.º 4, do C.P.T. (fls. 176) e veio a intervir nos autos a fls. 178 a 180 (o que mereceu o esclarecimento judicial dado no despacho de fls. 192, 2.ª parte) e depois, a fls. 200 a 266, tendo o seu mandatário vindo renunciar entretanto ao mandato que lhe havia sido conferido pela mesma (fls. 182 e 183) e o seu requerimento de adesão, que havia já merecido a oposição da Ré (fls. 271 e seguintes) e parecer favorável do M.P. (fls. 276 e 277), sido considerado extemporâneo e, nessa medida, ordenado o seu desentranhamento dos autos (despacho de fls. 278 e 279, datado de 2/12/2014 e já transitado em julgado). Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respetiva ata (fls. 443 a 445, 551, 552 a 554 e 568 e 569), tendo a prova aí produzida sido objeto de gravação-áudio e sido juntos múltiplos documentos pela Ré.
* Foi então proferida a fls. 571 a 582 e com data de 03/06/2015, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes[1]: “Por todo o exposto, julgo procedente a presente ação e, em consequência, reconheço a existência de um contrato de trabalho firmado entre a Ré LCS - LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA e AA, com início em 16/11/2009 e termo em 14/02/2014.
Custas pela Ré (art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).
Ao abrigo do disposto no art.º 186.º-Q do CPT, fixo à causa o valor de € 2.000,00 (dois mil euros).
Registe e notifique (inclusive AA).
Oportunamente, comunique à ACT e ao Instituto da Segurança Social, IP (art.º 186.º-O, n.º 9 do CPT).” * A Ré L.C.S. – LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 587 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 829 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo derivado do número 1 do artigo 83.º do C.P.T.
* A Apelante apresentou, a fls. 588 verso e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva a Recorrente do pedido formulado!” * O Ministério Público apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 801 e seguintes): (…) 11.
Em nosso entender, deve a douta decisão ser mantida nos seus precisos termos.
Vossas Excelências, no entanto, com maior prudência, decidirão como for de JUSTIÇA.» * Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – OS FACTOS.
O tribunal da 1.ª instância deu como provados e não provados os seguintes factos: Da petição inicial: 1.
A Ré “LCS – LINHA DOS CUIDADOS DE SAÚDE, SA” presta cuidados aos respetivos utentes, em situações de doença, mediante triagem, aconselhamento e encaminhamento para assistência e tratamento nas Unidades do Serviço Nacional de Saúde.
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AA foi admitida ao serviço da LCS em 16/11/2009, tendo assinado o documento junto a fls. 10 e 11 denominado “Contrato de Prestação de serviços”.
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Desde essa data e até 15/01/2014, AA exerceu funções de enfermeira comunicadora na Ré, na sede da Ré, na Av. das Forças Armadas, n.º 125, 1.º B, em Lisboa.
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Como enfermeira comunicadora AA efetuava a triagem atendimento e encaminhamento dos utentes, conforme formação que lhe foi ministrada pela Ré e seguindo os algoritmos do sistema informático da Ré.
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A Ré afetava semestralmente a AA um supervisor, com vista a realizar a avaliação da qualidade do serviço prestado pela mesma.
(5.
A Ré afetava semestralmente a AA um supervisor.) 6.
A atividade de AA era realizada nas instalações da Ré, tendo em consideração que os equipamentos e software específicos se encontram aí instalados, assim como o apoio clínico ou uma segunda opinião de um colega ou supervisor, que se mostrassem necessários em situações pontuais.
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Todos os equipamentos de trabalho como Computador, software, rato, headseats, secretária e cadeira eram pertença da “LCS - LINHA DE CUIDADOS DE SAÚDE, SA”.
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Nos termos da cláusula 3.ª do contrato a Enfermeira AA obrigou-se a “(…) de seis em seis meses informar o responsável da linha de saúde 24 da sua possibilidade de prestar serviços por referência aos concretos modelos temporais de funcionamento da linha de saúde 24 e compromete-se à prestação do serviço nos tempos do modelo da sua opção que aquele responsável, em cada semestre lhe adjudicar”, pelo que após a comunicação da disponibilidade, a Ré, duas ou três semanas antes do início de cada mês emitia uma escala de serviço mensal, com as horas a que a Enfermeira AA deveria iniciar o turno e terminar o mesmo, que comunicava à AA através da Intranet, não havendo autorização para impressão.
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Mesmo no caso de existirem trocas de horários, eram as mesmas reduzidas a escrito e comunicadas ao administrativo responsável pela emissão dos horários, em folha própria, sendo que tais trocas não poderiam ser efetuados pelo mesmo enfermeiro comunicador dois turnos consecutivos e, já após a enfermeira AA ter deixado de prestar serviço para Ré, só eram permitidas entre as próprias equipas (equipa A ou B) que vieram a ser posteriormente organizadas.
(9.
Mesmo no caso de existirem trocas de horários, eram as mesmas reduzidas a escrito e comunicadas ao administrativo responsável pela emissão dos horários, em folha própria, sendo que tais trocas só eram permitidas entre as próprias equipas (equipa A ou B), com a limitação de que não poderiam ser efetuados pelo mesmo...
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