Acórdão nº 14/14.3JDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA GUILHERMINA FREITAS
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em audiência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa I. Relatório 1.

No âmbito do Proc. n.º 14/14.3JDLSB, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Inst. Central – 1.ª Secção Criminal – Juíz 2, foram submetidas a julgamento, em processo comum, mediante intervenção de tribunal colectivo, as arguidas C..., (…), O..., (…), acusadas da prática, em co-autoria material, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código Penal.

  1. Realizada a audiência de julgamento foi proferida decisão condenando as arguidas C... e O... pela prática do crime de que estavam acusadas nas penas, respectivamente, de 4 anos de prisão e 4 anos e 2 meses de prisão, suspensas na sua execução por período idêntico ao da respectiva pena, com regime de prova e ainda com a obrigação de pagarem, cada uma delas, à ofendida A... a importância total de 4.000,00€ (quatro mil euros), nos seguintes termos: - a quantia de 1.000,00€ (mil euros) durante o primeiro ano após o trânsito em julgado da decisão; - a quantia de 1.000,00€ (mil euros) durante o segundo ano após o trânsito em julgado da decisão; - a quantia de 1.000,00€ (mil euros) durante o terceiro ano após o trânsito em julgado da decisão; - a quantia de 1.000,00€ (mil euros) durante o quarto ano após o trânsito em julgado da decisão.

  2. Inconformadas com a decisão, dela recorreram as arguidas, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.

    Nos termos do artº 36º nº 1 al.b) do Decreto-lei nº 381/98 de 27 de Novembro e artº 10º nº 1 do Decreto-Lei nº 62/99 de 2 de Março, os documentos contendo informação sobre identificação criminal que já não possa ser mantida em ficheiro, nos termos do artº 24º da Lei nº 57/98 de 18 de Agosto, são destruídos, de forma segura e com impossibilidade de reconstituição dos originais, até ao máximo de dois anos após a data em que cesse a eficácia jurídica dos registos individuais que os integram.

  3. Ora no CRC da Arguida ora Recorrente a mesma não tem registos criminais.

  4. Logo nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do C.P.P. o tribunal conheceu de questões que legalmente não podia tomar conhecimento.

  5. Na verdade valorou prova de que não podia conhecer pois estava proibido por lei de o fazer.

  6. Donde o Tribunal recorrido violou os dispositivos acima indicados e bem assim o art.º 125.º, do CPP, porquanto valorou provas não permitidas por lei, conforme se motivou e para integralmente se remete.

  7. Assim, conhecendo o Tribunal de uma condenação antes do prazo previsto para o cancelamento do seu registo criminal, e interpretando normativamente que pode valorá-la em sede de medida concreta da pena, tal interpretação das citadas disposições é violadora do princípio da dignidade humana e do princípio da igualdade (artº 13º da C.R.P.), na medida em que permitiria uma “pena” eterna ou ilimitada (cfr. artº 30º nº 1 da nossa Lei Fundamental).

  8. O douto acórdão recorrido mais não fez do que tutelar no artigo 217º nº 1 do C.P. as entregas de quaisquer bens para prestação de serviços com cariz religioso, culto, crença ou doutrina similar, como fazendo parte do tipo de crime de burla, 8.

    Fazendo uma interpretação normativa do tipo legal de crime em que existe «astúcia», sempre que o erro ou engano versa sobre “tratamento espiritual”, ou seja crenças idênticas às religiões.

  9. Tal interpretação normativa do artigo 217º nº 1 do CP é violadora do principio constitucional da legalidade previsto no artigo 29º nº 1 da nossa lei Fundamental, o que desde já vai alegado para os devidos e legais efeitos.

  10. Tendo em conta que não se mostram preenchidos os elementos do tipo de crime previsto no art.º 217.º, do CP, devem as mesmas ser absolvidas, com todas as legais consequências.

  11. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação o disposto no art.º 217.º, do CP.

  12. Uma pena que exceda a medida da culpa não é compreendida pelo condenado, não pode ser sentida como justa e como tal não pode produzir qualquer efeito ressocializador.

  13. Ponderando todas as circunstâncias relevantes para determinação da medida da pena, mormente, o facto das exigências da culpa serem o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio político-criminal da necessidade da pena (art.º 18.º, n.º 2, da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.º 18.º, n.º 1, da CRP) pena não poder ultrapassar a medida da culpa, 14.

    E tendo, ainda, em conta que são as exigências de prevenção especial de socialização que determinam, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena, 15.

    Mostra-se como adequada e proporcional que às Recorrentes seja aplicada pena não superior a 3 anos de prisão, tanto mais, que não registam antecedentes criminais, não obstante as respetivas idades, suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova.

  14. Ao decidir, como decidiu, pela aplicação às Recorrentes de penas de 4 anos de prisão e de 4 anos e 2 meses de prisão, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação o disposto no art.º 71.º, do CP.

  15. Nos termos do 51.º, n.º 2, do CP, só pode ser imposto o dever de pagamento como condição de suspensão da pena de prisão quando do juízo de prognose realizado resultar que existem condições para que essa obrigação possa ser cumprida.

  16. Da matéria de facto provada (pontos 33.4 e 33.5) resulta que a Recorrente C... é reformada por invalidez desde os 37 anos de idade e tem, como único rendimento mensal, um apoio social do valor de € 250,00.

  17. Relativamente à Recorrente O... apurou-se que o único rendimento mensal fixo de que dispõe, é um apoio social do valor de € 80,00 (ponto 34.6 da matéria de facto provada).

  18. Todos os factos julgados provados e relacionados com as condições sócio-económicas das Recorrentes, denotam que quer elas, quer os respetivos agregados, sobrevivem abaixo do limiar da pobreza.

  19. Em face da matéria de facto provada, no que respeita aos rendimentos das Recorrentes, o único juízo de prognose que se pode formular conduz à conclusão de que as Recorrentes não têm qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido ou noutro, cumprir o dever que lhes é imposto por não terem, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam.

  20. Nesta situação, a imposição de um tal dever representaria para as condenadas uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2, do art.º 51.º, do CP.

  21. No caso em apreço, tendo em conta o montante fixado, o valor dos apoios sociais recebidos pelas Recorrentes, o montante dos seus e o facto de não ser conhecida a titularidade de qualquer bem, não se pode exigir que as Recorrente paguem no prazo para o efeito estabelecido a quantia fixada.

  22. Assim, a suspensão da execução da pena não deve ficar condicionada ao pagamento dos montantes fixados, sob pena de violação do princípio constitucional da dignidade humana ínsito no art.º 18.º, n.º 2, da CRP.

  23. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação o disposto no art.º 51.º, n.º 2, do CP.

  24. Mesmo que se entenda, o que se admite para facilidade de raciocínio e sem conceder, que às Recorrentes poderá ser imposta, como condição da suspensão da execução da pena de prisão, uma obrigação de pagamento de uma quantia, 27.

    Para que não se mostre violado o disposto no art.º 51.º, n.º 2, do CP, sempre o quantum dessa obrigação terá de ser substancialmente reduzido.

    Nestes termos e nos mais e melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e o, aliás, douto acórdão recorrido ser substituído por outro em que, por ausência do elemento tipo do crime de burla se absolva as Recorrentes da prática do crime que lhes foi imputado, ou caso assim não se entenda, que reduza as penas de prisão aplicadas e, mantendo a suspensão das mesma sujeita a regime de prova, não as condicione ao pagamento de qualquer quantia, assim se fazendo a inteira sã e costumada JUSTIÇA!” 4.

    O recurso foi admitido por despacho de fls. 424 dos autos.

  25. Respondeu o MP junto da 1.ª instância, concluindo que ao recurso deve ser negado provimento.

  26. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos e para os efeitos previstos no art. 416.º do CPP, no sentido da improcedência do recurso.

  27. Foi dado cumprimento oficiosamente ao disposto no n.º 2, do art. 417.º, do CPP, tendo as arguidas/recorrentes reiterado a posição assumida na motivação do recurso.

  28. Procedeu-se à audiência de julgamento a requerimento das arguidas, com observância do legal formalismo.

    1. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º n.ºs 2 e 3 do CPP).

    As questões suscitadas pelas recorrentes são: - a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia; - o erro de direito no que concerne ao preenchimento dos requisitos objectivos e subjectivos do crime de burla; - medida da pena e condição da suspensão da execução da pena de prisão.

  29. A decisão recorrida No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): “1. - No início do mês de Janeiro de 2014, mas em data anterior ao dia 4, no período da manhã, na Rua X, em Lisboa, a arguida O... abordou A..., procurando vender-lhe de uma pulseira; 2. - Enquanto convencia A..., a arguida O... começou a dizer a esta que previa a ocorrência de “grandes males” na vida e saúde dos seus filhos, os quais poderia evitar com o uso das suas “artes”; 3. - Verificando que a ofendida A... é uma pessoa emocionalmente frágil e crédula, a arguida O... pediu-lhe o número de telefone de modo a que aquela pudesse combinar com a mesma novos encontros onde a ofendida se faria acompanhar das...

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