Acórdão nº 295/14.2TBPTS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelANABELA CALAFATE
Data da Resolução14 de Janeiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.

I – Relatório: Nestes autos de processo especial de revitalização requerido pela devedora V... Lda em 07/08/2014, foi apresentado o documento intitulado «Plano de Revitalização» que consta de fls. 155 a 226 acompanhado de documento com o resultado da votação.

Em 28/03/2015 foi decidido: «Nos termos do 17º-F nºs 5 e 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa não homologo o plano de revitalização da devedora V... Lda (…)».

Inconformada, apelou a requerente/devedora, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. Através do presente recurso, a recorrente pretende colocar em crise a questão da não homologação do plano de revitalização baseada na indisponibilidade do crédito tributário, recorrendo-se de direito.

  1. Na verdade, o Meritíssimo Juiz “A Quo” não homologou o plano de revitalização da devedora, ora recorrente uma vez que “nos termos do art. 30º nº2 da LGT o crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e legalidade tributária. (…).” Existindo, “assim, uma regra clara no sentido da indisponibilidade do crédito tributário e como únicas excepções a esta regra os princípios da igualdade e legalidade tributária.” 3. Concluindo a sentença recorrida, que ocorreu “violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impede a sua homologação, a saber dos arts. 30º nº 2, 36º nº 3 da LGT e 196º do CPPT, pelo que, nos termos do art. 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa aplicável ex vi art. 17º-F nº5 in fine do mesmo diploma há que recusar a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores.” 4. Salvo o devido respeito que é muito, no que respeita ao perdão e redução das dívidas fiscais no plano de revitalização, a recorrente entende não assistir razão ao Meritíssimo Juiz “A Quo”, pois os artigos referidos têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, assumindo uma função de regulação na relação entre Estado e contribuinte.

  2. A natureza imperativa das normas referidas sempre estarão limitadas ao processo e às relações tributárias.

  3. Sendo certo que, não encontram apoio nem aplicação na legislação especial que é o Plano Especial de Revitalização, enquanto imperativo à execução universal do património da devedora e à igualdade e soberania dos credores e no qual o Estado surge como um credor como tantos outros.

  4. Ou seja, no processo especial de revitalização, deixa de existir uma relação “Estado”/“contribuinte”, pois este desaparece nascendo, uma universalidade de credores, cujos interesses e regulação se pretende coeso e num único processo com fins, natureza e regimes diferentes do estatuído no CPPT e com este incompatíveis – O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

  5. Neste, cabe ao “Estado” exercer o seu poder através do direito de voto e participação nas negociações, em pé de igualdade com os demais credores da devedora pois, o CIRE aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março, também é lei e visa defender o interesse público de preservação do bom funcionamento do mercado.

  6. Nesse sentido decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-11-2008 (Relator: Dr. Carlos Portela), proferido no âmbito do processo n.º 0836085, que se aplica analogamente ao caso sub judice.

    Pois, salvo o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz “A Quo”, que é muito, entende-se que o processo especial de revitalização tem subjacente a auto-regulação dos credores, verdadeiros proprietários da empresa e a desjudicialização processual, colocando nas suas mãos a faculdade de decidir o futuro da empresa.

  7. Acresce que, as normas previstas no CIRE, às quais a administração está adstrita, visam regular a eliminação ou a reorganização financeira de uma empresa de acordo com uma lógica de mercado.

  8. Daí o CIRE fortalecer a desjudicialização do processo ao colocar o poder supremo de decisão nos credores e colocar o Estado em pé de igualdade com os demais.

  9. Assim, cabe aos credores, nos termos do disposto no art. 196.º, n.º 1, als. a) e c), do CIRE, deliberar o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a devedora quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, bem como a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro, sejam os créditos comuns, garantidos ou privilegiados.

  10. Aliás, o próprio art. 197.º do CIRE, que tem natureza supletiva, implica a possibilidade dos credores regularem de forma diversa e no próprio plano os privilégios creditórios, aflorando assim o princípio da igualdade dos credores.

  11. Neste sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-05- 2008, (Relator: Dr.ª Maria de Deus Correia), proferido no âmbito do processo n.º 0852239, que aqui se aplica por analogia.

  12. Com efeito, entende a recorrente que, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, não pode, atendendo aos fins e interesses do processo especial de revitalização, e da adequada ponderação de interesses em causa, ter no processo mais privilégios que aqueles que já lhe são atribuídos por lei.

  13. Sendo certo que, tal não se pode verificar porque o legislador teve cuidado ao regular esta matéria e os Tribunais e a jurisprudência têm, na sua aplicação, definido o papel do credor “Estado” no processo de insolvência e no processo especial de revitalização, remetendo-o e limitando-o às normas constantes do CIRE, em prol do interesse público e da preservação do bom funcionamento do mercado.

  14. Portanto, entende a ora recorrente que não pode o argumento da indisponibilidade do crédito tributário prevalecer, pondo em causa o princípio da igualdade entre todos os credores do processo especial de revitalização.

  15. Aliás, no presente processo, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, não é o credor maioritário da devedora/recorrente, tendo o plano especial de revitalização sido aprovado por 83,33 % dos credores, mesmo com os votos contra a aprovação do plano (nos quais se inclui o da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais).

  16. Logo, os credores ao deliberarem a aprovação do plano de revitalização nos moldes que o fizeram, não violaram normas constitucionais ou fiscais, limitaram-se sim, a observar e cumprir a lei obedecendo a um regime especial criado pelo próprio legislador.

  17. Sempre em prol da justiça entre credores ou seja, a repartição do sacrifício entre todos, tendo em consideração um fim maior que é a recuperação e viabilização da empresa recorrente em prol de valores maiores que os defendidos, na sentença recorrida.

  18. Se entendêssemos que, a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, tem o poder de não estar abrangido pelos normativos do CIRE, prevalecendo-se de outras leis avulsas, então entenderíamos que o legislador criou e aprovou um código inexequível - permitindo que alguns credores, mesmo em minoria, possam inviabilizar, na prática, a bondade da decisão da maioria dos credores.

  19. Ora, tal entendimento não pode (nem deve) ser defendido, pois o CIRE pretendeu evitar a utilização de dois pesos e duas medidas colocando, para o efeito, todos os credores em pé de igualdade e sempre com respeito pela detenção ou não de garantias ou privilégios especiais.

  20. Além de que, a Direcção...

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