Acórdão nº 22/14T8AGH-2.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelEZAG
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – Caixa Geral de Depósitos, S. A.

, requereu execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, baseada em documento titulador de contrato de mútuo, que designou de “outro documento autêntico”, contra RF e MF.

Alegando que os Executados deixaram de pagar, das acordadas prestações mensais, as que se venceram a partir de 11-04-2008, sendo assim devedores, à data de 14-08-2014, de €2.043,05 de capital vencido; €179,08, de juros (remuneratórios); €2.145,19, de juros de mora e €231,77, de comissões, num total de €4.599,09, acrescido de juros, sobretaxa, comissões e imposto de selo “se aplicável”.

Vindo a mesma exequente, em ato subsequente, requerer o aperfeiçoamento do requerimento executivo, no tocante à indicação do título executivo, “o qual deverá, antes, ser qualificado de “documento autenticado” e, ainda quanto à sua espécie, devendo a mesma passar a ter a natureza de “Execução ordinária (Ag. Execução)”.

Considerando, designadamente e…afinal, que “6. A execução em apreço funda-se num “contrato de mútuo”, formalizado por documento particular simples, i.e., sem ser autêntico ou autenticado.”.

Documento que deverá ser considerado título executivo, “face ao vertido na alínea d) do art. 703º do (novo) C.P.C., conjugado com o n.º 4 do art 9º do D.L. n.º 287/93 de 20 der agosto”.

Sobre tais requerimentos recaindo despacho liminar, reproduzido a folhas 23 a 26 – considerando que o disposto no artigo 9º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/1993, de 20 de Agosto, não se encontra em vigor – e com o seguinte dispositivo: “

  1. Declaro que a cópia certificada do "Contrato de Mútuo" dada à presente execução (fls. 5-10) não configura título executivo.

  2. Em fase da ausência de título executivo, indefiro liminarmente a presente acção executiva (artigos 10.°. n.ºs 5 e 6, a contrario, 551.°, n.º 5. 723.°, n.º 1. alíneas a) e d), 726.°, n.ºs 1, 2, alínea a), do Código de Processo Civil).

  3. Em consequência do acima decidido, indefiro na íntegra o pedido de aperfeiçoamento da exequente, com e para todos os efeitos, não havendo lugar à alteração da espécie dos presentes autos.”.

Inconformada, recorreu a C.G.D., S. A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. A exequente, é a Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo que a sua pretensão, quando alega que a dívida é certa, líquida e exigível; 2. E, salvo melhor opinião, encontra fundamento no disposto no artigo 9º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/8, diploma que estabeleceu o regime jurídico da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (artigo alterado pelo Decreto-Lei n.º 56-A/2005, de 3/5 – que manteve a redacção do referido n.º 4), o qual dispõe que «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».

  1. Assim sendo, uma vez que o referido preceito legal não foi objecto de revogação expressa, nomeadamente pelo artigo 4º da Lei n.º 41/2013, de 26/6; 4. Impõe-se concluir que o referido documento, por titular acto/contrato realizado pela Caixa, prevê a existência de obrigações por parte do mutuário, respectivamente assinado, cabendo na previsão do artigo 703º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, revestindo de “de força executiva, sem necessidade de outras formalidades”.

  2. Em todos os títulos enunciados na motivação, o legislador criou lei especial para que se integrem na alínea d) do n.º 1 do art.º 703.º do atual CPC [anterior alínea d) do art.º 46.º do antigo CPC]. Daqui se depreende que o legislador não quis que nenhum destes títulos fosse considerado "documento particular" abrangido, pelas diversas redações da alínea c) do n.º 1 do art.º 46.º do então CPC e não se podem confundir com "documentos particulares".(sublinhado nosso).

    Sem prescindir, 6. Serve de título à presente execução um contrato de mútuo assinado em 20/03/2008, que, não obstante a entrada em vigor novo Código mantém, a sua força executiva.

  3. Por força do artigo 6º, nº. 3 da Lei que aprovou o novo CPC, ainda que interpretado extensivamente, os títulos executivos que face ao antigo CPC tinham força executória, não perdem esse valor com entrada do novo CPC.

  4. A norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos, quando conjugada com o artigo 6º, nº3 da Lei nº41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático.

  5. A eliminação dos documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelos devedores do elenco dos títulos executivos, constitui uma alteração no ordenamento jurídico que não era previsível.

  6. Se, à data em que tais documentos foram constituídos os mesmos eram dotados de exequibilidade, é de esperar alguma constância no ordenamento no âmbito da segurança jurídica constitucionalmente consagrada. Assim, a alteração da ordem jurídica não era de todo algo com que se pudesse contar. Daí que os titulares de documentos particulares constituídos antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, que tinham a característica da exequibilidade conferida pela alínea c) do nº1 do artigo 46º do velho código, tivessem uma legítima expectativa da manutenção da anterior tutela conferida pelo direito.

  7. Por conseguinte, a aplicação retroativa do artigo 703º do novo Código de Processo Civil, a títulos anteriormente tutelados com a característica da exequibilidade, constitui uma consequência jurídica demasiado violenta e inadmissível no Estado de Direito Democrático, geradora de uma insegurança jurídica inaceitável, desrespeitando em absoluto as expectativas legítimas e juridicamente criadas.

  8. Se a nova lei se aplicar aos documentos particulares validamente constituídos antes da data da sua entrada em vigor, existirão certamente situações em que o credor, mesmo sabendo que a partir de 31 de agosto de 2013 já não pode utilizar aquele documento para intentar a respetiva ação executiva, nada poderá fazer porque o cumprimento da obrigação está, por exemplo, fixado para um momento posterior à data da entrada em vigor da nova lei.

  9. As expectativas dos credores (de que os documentos...

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