Acórdão nº 169/13.4TMFUN-A-L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Março de 2016
Magistrado Responsável | EZAG |
Data da Resolução | 10 de Março de 2016 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – AP requereu procedimento cautelar de arrolamento contra AS, por apenso ao processo de inventário em consequência de divórcio, que decretado foi entre ela aquela e este, pedindo seja aquele ordenado relativamente aos três prédios urbanos que identifica e ao conteúdo guardado num cofre de agência bancária, que igualmente referencia.
Alegando, para tanto, que: Requerente e Requerido casaram catolicamente um com o outro em 24-11-1979, sem qualquer convenção antenupcial – e que por isso “considera-se celebrado sob o regime de comunhão de bens adquiridos, que era o regime legal supletivo à data da sua celebração” – vindo tal casamento a ser dissolvido por divórcio decretado por decisão de 18-03-2008,do Supremo Tribunal da África do Sul, transitada em julgado e objeto de revisão e confirmação por decisão desta Relação, proferida em 08-10-2012, também transitada e averbada no respetivo assento de casamento.
Os aludidos imóveis estão na posse do Requerido que, nomeado cabeça de casal, os administra, sem que, no entanto, haja apresentado até à data a competente relação de bens.
Acontecendo que aquele, com o intuito de se furtar à partilha dos bens comuns existentes em Portugal, solicitou, recentemente, a alteração do regime de bens de casamento, de modo a que passe a constar que o regime de bens que vigorou entre o ex-casal foi o de separação de bens, alegando, para tanto, que o casamento não foi precedido do processo preliminar de publicações, o que nem corresponde à verdade.
Só recentemente, por carta datada recebida em meados de Agosto de 2014, a Conservatória dos Registos Centrais notificou a aqui requerente, "apenas para seu conhecimento de que (…) o mencionado assento de casamento vai ser retificado no sentido que o mesmo ficou sujeito ao regime imperativo da separação de bens. " Ora tal situação não tem qualquer correspondência com a atuação dos cônjuges durante quase todos os 29 anos que durou o casamento.
Posto o que “Ainda que o casamento entre a requerente e o requerido não tivesse sido precedido de publicações (…) o comportamento do requerido sempre configuraria uma actuação claramente abusiva, nos termos e para os efeitos do artigo 334.° do CC, o que desde já se invoca.
Dispensada a audiência prévia do Requerido, foi proferida decisão que declarando “procedente o peticionado”, decretou o arrolamento dos bens em causa.
Efetivado o arrolamento dos bens imóveis e frustrado aquele quanto ao conteúdo do aludido cofre, foi citado o Requerido, que interpôs recurso da proferida decisão.
Vindo esta Relação a dar provimento ao recurso, revogando a decisão proferida e determinando a observância do prévio contraditório por parte do Requerido.
O qual deduziu oposição, sustentando em suma a não verificação de todos os pressupostos de decretamento da requerida providência, rematando com o liminar indeferimento daquela ou, caso assim se não entenda, com o seu julgamento como improcedente, por não provada.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida decisão que, considerando não estarem demonstrados factos de que resulte o abuso de direito de parte do Requerido, declarou “improcedente, por não provada, a presente providência, não se decretando o arrolamento.”.
Inconformada, recorreu a Requerente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1. O arrolamento como preliminar ou incidente do processo de inventário segue as regras do arrolamento especial previstas no n.º 3 do artigo 409.º do CPC (vide Acórdãos do TRL de 19/12/2013 e de 18/09/2014 e TRP de 17/11/2009).
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Mesmo que se considere que o regime de bens é o da separação, e por essa razão não se possa afirmar que os bens são comuns, também não pode o tribunal assegurar que esses bens são próprios do requerido pois que nada há nos autos que permita retirar essa conclusão. Pondo a hipótese de os bens não serem comuns, podem os mesmos ser próprios da requerente ou do requerido, sendo certo que esta questão não foi discutida nestes autos.
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A aquisição de bens a título oneroso na constância do casamento de acordo com as regras do regime de bens supletivo, sem qualquer menção em contrário, presumem-se comuns.
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A decisão recorrida é nula nos termos da alínea d) do artigo 615.º do CPC, na medida em que o tribunal a quo, ao se pronunciar sobre a matéria referida nas duas conclusões anteriores, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
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A decisão recorrida é nula nos termos da alínea c) do artigo 615.º do CPC, na medida em que os fundamentos de facto estão em oposição com a decisão.
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A recorrente considera incorrectamente julgada a matéria do ponto 1.º dos factos provados, supra transcrito.
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O averbamento n.º 2 foi inserido no assento de transcrição do casamento n.º (…), da Conservatória dos Registos Centrais, em 20/02/2015, como consta na certidão de fls. 194 a 196. Nada permite situar o averbamento na data referida na sentença recorrida (20/02/2005).
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O tribunal a quo, por lapso, tomou como pressuposto que o averbamento para rectificação do regime de bens precedeu o divórcio, a revisão e confirmação de sentença estrangeira e o próprio pedido de partilha quando, na verdade, o que aconteceu, e os documentos invocados demonstram-no claramente, foi precisamente o inverso.
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Impõem-se, pois, a alteração do ponto 1 dos factos provados, no sentido de aí passar a constar apenas o seguinte: «1.º Encontra-se inscrito na Conservatória dos Registos Centrais que requerente e requerido contraíram, entre si casamento católico em 24 de Novembro de 1979, sem convenção antenupcial, em Pretória, África do Sul.» 10. Uma vez que o tribunal a quo não considerou factos relevantes para a boa decisão da causa, existentes no processo, impõem-se a ampliação da matéria de facto, devendo se considerar documentalmente provados os seguintes factos: Em 05/07/1983, o AS requereu a transcrição do casamento, junto da Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pretória – vide doc. de fls. 102 dos autos principais, que se anexa cópia.
A transcrição do casamento foi precedida do processo preliminar de publicações perante a referida Secção Consular, sem que nada fosse referido ou registado no que respeita à ausência de publicações antes do casamento – vide doc. de fls. 103 a 107 dos autos principais, que se anexa cópia.
O casamento foi registado por transcrição na referida Secção Consular em 14/07/1983, nada tendo sido referido na parte destinada à aposição de “Menções Especiais”, ou seja, no respectivo assento não foi feita qualquer menção referente à ausência de processo preliminar que justificasse o regime imperativo de separação de bens, nem foi feita qualquer menção quanto à sujeição do casamento a este regime – vide doc. de fls. 17 a 21 destes autos e doc. 105 dos autos principais, que se anexa cópia.
A Conservatória dos Registos Centrais admitiu a integração do casamento nos respectivos registos em 30/11/1983 (registo n.º…), sem suscitar qualquer impedimento de ordem formal – vide doc. de fls. 17 a 21.
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Ainda que o casamento não tivesse sido precedido de processo preliminar de publicações, a transcrição do casamento foi precedida do processo preliminar de publicações perante a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Pretória – vide doc. de fls. 102 a 107 dos autos principais – razão pela qual, em nosso entender, o casamento não se considera submetido ao regime da alínea a) do n.º 1 do artigo 1720.º do CC.
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Meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida: Prova documental - docs. De fls. 17 a 21, 22 a 26, 58, 60 a 62, 194 a 196, 34 a 38, 44 a 49, 54 a 57, 96 a 101 destes autos e, ainda, documentos escritos de folhas 102 a 107 e 109 a 113 dos autos principais.
Prova por confissão – vide matéria vertida nos artigos 3.º do requerimento registado sob o n.º 18938712 e documento de folhas 109 a 113, ambos dos autos principais.
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Nas circunstâncias supra descritas, a iniciativa do requerido no sentido rectificar o regime de bens, com exclusivo relevo patrimonial, não pode deixar de ser entendida como instrumentalização dos mecanismos registrais para fins diversos daqueles a que o registo verdadeiramente se destina, revelando a tentativa de, desse modo, obter benefícios decorrentes da indicação tardia do regime de separação de bens, em clara deturpação dos objectivos visados pelo registo civil quanto à definição do estatuto patrimonial dos cônjuges, à sua estabilidade e à protecção das expectativas individuais.
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Ou seja, o averbamento foi requerido não com o objectivo de proceder à correcção do registo civil mas unicamente como meio de buscar vantagens patrimoniais.
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Situação expressamente assumida pelo requerido em vários requerimentos juntos quer aos presentes aos autos quer aos autos principais.
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A ilegitimidade do resultado não poderá deixar de ser apreciada num contexto em que o averbamento foi inserido depois da persistente ausência de qualquer referência ao regime de bens durante um largo período de tempo (mais de 35 anos), numa altura em que o vínculo matrimonial já se encontrava dissolvido há mais de 6 anos e o respectivo processo judicial de partilha instaurado há quase 2 anos.
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Situação que não tem qualquer correspondência com a actuação dos cônjuges durante todos os 28 anos, 3 meses e 23 dias que durou o casamento, tempo durante o qual a actuação de ambos sempre se pautou pelo regime de comunhão de bens.
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Donde resulta que, a manter-se o averbamento de rectificação do regime de bens, devem ser restringidos os efeitos de natureza patrimonial que nele se pretendem fundar, por se mostrar substancialmente ilegítima a aplicação retroactiva do regime de separação de bens, em lugar do regime supletivo de comunhão de adquiridos.
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No caso concreto, a aplicação tardia, apenas na ocasião em que se pretende proceder à partilha dos bens, de um regime patrimonial diverso fere de forma manifesta e intolerável a relação de confiança...
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