Acórdão nº 137606/14.6YIPRT.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelONDINA CARMO ALVES
Data da Resolução03 de Março de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I. RELATÓRIO PECUÁRIA, S.A., com sede ………, intentou, em 12.09.2014, contra SERVICES, S.A., com sede ……, acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transacção comercial, iniciada como procedimento de injunção, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 6.732,23, bem como a condenação da ré na emissão do recibo referente à liquidação da quantia de €1.314,30 e no reconhecimento da nota de débito por si emitida.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de ter sido acordada a prestação de serviços e fornecimento de produtos, por parte da ré à autora, tendo aquela incumprido o contratualmente assumido com a autora, tendo ainda rescindido unilateralmente o contrato sem observar o período de pré-aviso contratualmente acordado de noventa dias, sendo a autora credora da ré com relação ao montante de € 7.605,00 de indemnização, € 441,53 atinente a nota de débito emitida pela autora, devendo ser operada a compensação com o montante de € 1.324,30 de que a autora deve à ré, por virtude da prestação de serviços de limpeza por esta efectuada.

Citada, a ré apresentou contestação, em 08.10.2014, negando, por um lado, ter sido acordado qualquer período de pré-aviso, porquanto a prestação de serviços seria renovada mensalmente com opção de alteração em qualquer altura, nos termos acordados, e que, apesar de ter remetido minuta de um contrato para análise e pronúncia por parte da autora, esta não chegou a assinar o contrato, apresentando-se suficientes as condições apresentadas na proposta de prestação de serviços anteriormente apresentada pela ré, encontrando-se tal minuta direcionada para contratos cuja duração inicial prevista seja igual ou superior a um ano.

Invocou ainda a ré não ter denunciado unilateralmente o contrato, tendo-se verificado a cessação do mesmo por acordo entre as partes, reunidas em 31 de Julho de 2014, que veio a ser formalizado em 4 de agosto seguinte, uma vez que a prestação de serviços não estava a corresponder às expectativas de ambas as partes, considerando, a ré, um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, a pretensão da autora, devendo ser absolvida do peticionado.

Por despacho de 28.11.2014 foi designada data para a realização da audiência de julgamento, a qual teve lugar em 05.03.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 31.07.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Pelo exposto e decidindo, julgo a ação procedente, por provada, e, em consequência: Condeno a ré, SERVICES, S.A., a pagar à autora, PECUÁRIA, S.A. a quantia de €6.732,23 (seis mil setecentos e trinta e dois euros e vinte e três cêntimos).

Julgo extinto, por compensação, o crédito da ré no montante de €1.314,30 (mil trezentos e catorze euros e trinta cêntimos), traduzido na fatura e na nota de crédito emitidas pela ré, no valor de €1.943,50 e de €629,20, respetivamente, mencionadas nos pontos 12 e 13 dos factos provados.

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, em 29.09.2015, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i. Em Junho de 2014, Apelante e Apelada encetaram negociações com vista à contratação dos serviços prestados pela Apelante no âmbito da limpeza das instalações da Requerente.

ii. A Apelante apresentou uma proposta para a prestação de serviços de limpeza, proposta que se encontra junta à Oposição apresentada pela Apelante, como documento 1, e se dá por integralmente reproduzida.

iii. Foi acordado entre as Partes que a prestação de serviços teria uma periodicidade mensal e, portanto, o prazo do contrato a celebrar era de um mês, como resulta do documento n.º 2, junto à Oposição apresentada pela Apelante, e se dá por integralmente reproduzida.

iv. O documento nº 2 referido em III. é da autoria da Apelada – Interaves -, o qual se destina a transmitir, de forma clara e inequívoca, a sua vontade de fixar a duração do contrato de prestação de serviços a celebrar com a Apelante com o prazo de 1 (um) mês.

v. A proposta apresentada pela Apelante à Apelada foi aceite por esta nos seus exactos termos, tendo igualmente sido aceite pela Apelante as condições constantes do documento nº2 mencionado Em III. e IV., nomeadamente, no que concerne à data de início da prestação de serviços e à duração do contrato – 1 (um) mês.

vi. A Apelante enviou à Apelada minuta “draft” do que poderia ser o contrato a celebrar de forma a que o mesmo fosse objecto de análise e pronúncia por parte da Apelante, tal como se considera provado no ponto 5. da sentença, e que nem se encontra sequer assinado pelos representantes legais da Apelante, conforme documento n.º 3 junto com a Oposição.

vii. No entanto, a Apelada não devolveu a minuta que recebeu, não a assinou, não a preencheu mas, abusivamente, utilizou-a no seu estrito e exclusivo interesse, pretendendo enriquecer sem causa à custa da Apelante, o que não se pode aceitar.

viii. A minuta do contrato não contém a identificação da 2ª Contraente, que no caso concreto seria a Interaves, não contém o local onde é prestado o serviço, não contém o preço a pagar pelos serviços, não contém o prazo nem a data do seu início, nem a data do seu fim, nem mesmo a data da sua celebração.

ix. A minuta do contrato prevê um prazo de um ano de duração que está em completa contradição com os termos da proposta apresentada pela Apelante, assim como está em completa contradição com o prazo de duração de um mês fixado pela Apelada aquando da aceitação da proposta e adjudicação dos serviços à Apelante.

x. Portanto, decidiu bem a Mª Juiz "a quo" ao considerar o facto nº 3 da matéria assente, mas desconsiderou, de forma incompreensível, este facto ao incluir a alínea a) nos factos não provados.

xi. Na verdade, o Tribunal a quo não atendeu à real vontade das partes, nomeadamente, e ao que aqui importa, à vontade expressa pela Apelada no documento que acima se fez referência, em que claramente estipula que duração do contrato era de um mês com possibilidade de renovação, fez aplicar uma cláusula de um documento que não tem força de contrato, nem reflecte a vontade das partes, mas bastou isso para considerar procedente a acção, condenando a Apelada no pagamento de uma indemnização que não devida.

xii. Na verdade, não se entende como se dá como provado o facto constante em 1. da sentença, porquanto do contrato em causa não constam informações como início do contrato – 8 de julho – nem o preço dos serviços – 2.535,00 € (doc. n.23 junto com a Oposição), concluindo a sentença pela aplicação da cláusula Décima do contrato ao caso concreto.

xiii. A matéria considerada provada encontra-se em clara contradição com a prova documental produzida, designadamente o facto provado em 1) com o documento n.º 3 junto com a Oposição.

xiv. Assim, a sentença proferida pelo Tribunal a quo é em si mesma contraditória considerando a mesma matéria provada – veja-se 3. da sentença – e não provada – veja-se alínea a. da matéria não provada.

xv. Pelo que nessa medida deverá a mesma ser declarada nula nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C..

xvi. Ora, tendo o contrato duração de um mês, prazo acordado entre as partes e proposto no email enviado pela Apelada em 25 de Junho de 2014 (documento n.º 2 junto com a Oposição), não faz qualquer sentido, que se considere que num contrato de duração mensal com possibilidade de renovação, note-se que não é automaticamente renovável, mas apenas hipoteticamente, se possa considerar aplicável um pré-aviso seja de 60 ou 90 dias, quando o prazo acordado para a sua vigência é de metade ou de um terço daquele em que se pretende aplicar ao pré-aviso.

xvii. Tivesse, também aqui a sentença considerado as "regras da experiência", que tanto invoca para condenar a Apelante, para concluir, pelo menos, por uma impossibilidade prática no recurso às regras dos prazos de pré-aviso.

xviii. Concluindo quanto a esta matéria, não restam dúvidas que, as condições constantes na Proposta, conjugadas com o teor do documento nº 2 da autoria da Apelada, apresentavam-se suficientes para reger a relação contratual estabelecida entre as Partes, a qual existia nestes exactos termos e não noutros.

xix. Ao considerar-se procedente a acção objecto do presente recurso, conferindo à Apelada o direito de receber uma indemnização por incumprimento de aviso prévio está a ferir-se as normas legais aplicáveis, assim como os fundamentos e condições em que assentaram a vontade das partes.

xx. A minuta do contrato que se encontra junto à proposta da Apelante não produziu qualquer efeito jurídico, porque as partes, mormente, a Apelada assim entendeu, pelo que não pode invocar qualquer cláusula para enriquecer injustificadamente à custa da Apelante, sendo a sua conduta considerada "Venire contra factum proprium".

xxi. "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM": são os casos em que a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando por exemplo, determinada causa de nulidade e anulação, resolução ou denúncia de um contrato, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dado causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação do contrato" (Antunes Varela, obra citada, página 517).

xxii. A proibição do "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM" cai no âmbito do "ABUSO DE DIREITO" através da fórmula legal que considera ilegítimo o exercício de um direito " quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé" (Antunes Varela, obra citada, página 517; Baptista Machado, Tutela de confiança e Venire Contra Factum Proprium", in "Obra Dispersa, vol. I, página 385).

xxiii. Deste modo, não temos dúvidas em precisar que o caso "sub judice" é um caso de "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM"! xxiv. Chegados aqui e concluindo que o prazo de pré-aviso de 60 ou 90 dias previstos na...

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