Acórdão nº 150/14.6JBLSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

Nos autos, em fase de inquérito, com o n.º 150/14.6JBLSB, que correm termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, veio a arguida A...

, de nacionalidade romena, titular do Cartão de Identidade n.º X, natural de X, na Roménia, onde nasceu a xx de xx de 1989, filha de Y e Z, casada, empregada de limpeza, residente na Rua W, e atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Tires, interpor recurso do despacho proferido, pela Mmª Juíza 2 da 1ª Secção de Instrução Criminal da Instância Central da Comarca de Lisboa, em 30 de setembro de 2015, na sequência do 1º interrogatório, a que alude o art. 141.º do CPP, e pelo qual lhe foi imposta como medida de coação a prisão preventiva.

  1. Nas conclusões alega a recorrente que: "1. O douto despacho recorrido considerou a existência do pressuposto do art.º 160.º n.º 1 alínea a) e b) e 4 do Código Penal (indícios de que a agente actuou como membro de organização criminosa e sendo sua a prática reiterada de crimes contra o património), quando não tinha elementos de facto suficientes que indiciassem isso mesmo, sendo que as suspeitas das autoridades não podem transformar-se, na ausência de outros elementos mais objetivos, em agravantes qualificativas para a arguida, apenas pelo facto de esta ser cidadã Romena averbando no seu CRC uma pena de multa.

  2. O douto e recorrido despacho violou assim, por mero erro interpretativo, o disposto nos art. 160.º do Código Penal e o disposto no art.º 127.º do CPP.

  3. O douto despacho recorrido faz, com o devido respeito, interpretação ou valoração extensiva do art.º 144.° alínea c) do CP, uma vez que não se pondo em causa que o cidadão Romeno V... tenha sido agredido, o certo é que a ora recorrente não participou nessa agressão, como os autos devem dar conta.

  4. Tão pouco existe nos autos matéria fáctica que aponte para a existência de fortes indícios da prática, pela recorrente, do crime de ofensa à integridade física qualificada (art.º 144.° do CP).

  5. O perigo cominado nas alíneas do mencionado artº 204° do CPP, ("in casu" perigo de fuga ou de continuação da actividade criminosa) não se pode presumir, (atenta, desde logo, a primariedade da recorrente) antes devendo resultar da condição concreta da arguida ou do eventual posicionamento processual por parte da mesma.

    Sem conceder, 6. O douto despacho recorrido violou o disposto no art.º 202.° n.º 1 do CPP o qual não é de aplicação automática. O comando em causa diz que o juiz "pode" impor ao arguido a prisão. Não é obrigado a tal e só a deve ordenar quando se revelarem inadequadas ou insuficientes quaisquer outras medidas de coacção menos gravosas. O despacho recorrido é inteiramente omisso a esse propósito, apenas valorando a gravidade e a censurabilidade da conduta da arguida e as necessidades de prevenção geral, aliás com recurso a elementos exteriores aos autos (como esse de a arguida integrar associação criminosa) 7. O douto despacho ora em crise violou, ainda, o comando dos art.º 193.º n.º 2 do CPP, e 28.º n.º 2 da CRP uma vez que a prisão preventiva como medida de coacção reveste natureza residual ou subsidiária, ou seja, apenas a aplicar em "ultima ratio" e, assim, também por imposição constitucional ("maxime" o art.º 28º nº 2 da Lei Fundamental), não devendo nunca ser aplicada por ser de prever que com relação a um simples crime de furto Violados foram pois os comandos dos art.ºs 193.° n.º 2, 202.° n.º 1 b) e 204 alínea a) e c) do CPP.

    Pelo que o despacho ora em crise deverá ser revogado e substituído por outro que, por mais douto e acertado, ordene a restituição à liberdade da recorrente, sujeitando-a a qualquer outra medida cautelar de liberdade provisória (simples ou agravada com regime de apresentações), "maxime" - o que em última instância se admite, a sujeição à medida mais benévola de prisão domiciliária prevista no art.º 201.° do CPP (OPH/C.V.E), com vigilância electrónica Assim exercendo Vossas Excelências a melhor e a mais acostumada JUSTIÇA!" (fim de transcrição).

  6. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 49.

  7. Não respondeu o Ministério Público em primeira instância.

  8. Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu visto e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pela arguida A... (cfr. fls. 62/63).

  9. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

  10. Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

  11. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

    II – Fundamentação 1.

    Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

    As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior são, em síntese, as seguintes: - Inexistem nos autos indícios de que a ora recorrente atuou como membro de organização criminosa e de que prática reiteradamente crimes contra o património; - Não se pode presumir da existência dos perigos de fuga ou de continuação da atividade criminosa; - A sujeição da recorrente a medida de coação não detentiva ou à de Obrigação de Permanência na Habitação com sujeição a Vigilância Eletrónica, prevista no art. 201.° do CPP, mostra-se justa, suficiente e adequada; - Foram violados os princípios consagrados no art. 193.° do CPP e 28.º, n.º 2, da C.R.P., tendo sido a prisão preventiva aplicada, não como "Ultima Ratio", mas sim como primeira e única, ainda que os indícios não sejam conclusivos a qualquer nível.

  12. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, que é do seguinte teor (transcrição): "Julgo válida a detenção dos arguidos, na sequência de mandados de detenção emitidos por entidade competente para o acto, os quais foram presentes em Tribunal no prazo das 48 horas- cfr- art. 141º, n.º1 e 257º , 258º, todos do Código de Processo Penal e art.º 28º da CRP.

    Do teor de declarações prestadas nos autos a fls.15 e ss, 199 e ss, 202, e ss, dos reconhecimentos pessoais de fls.226- 228 e de fls.236-238; das fotografias de fls.26-35; dos documentos clínicos de fls.36-37 e 205-206; do documento de fls. 45-46; e 54-56; do RDE de fls.61; do relatório de análise de fls.138-152; do documento de fls. 166; da cópia auto de notícia de fls.211, dos documentos de fls.216-217; fls.269 e ss; da diligência externa de fls.208; e dos documentos de fls.271 e ss, do teor das declarações dos arguidos, que não merecerem a credibilidade do tribunal, julgam-se fortemente indiciados os seguintes factos: Em data não concretamente determinada anterior a Novembro de 2014, os arguidos A..., N..., B…, G… juntamente com outros indivíduos, cuja identidade ainda importa apurar, fizeram parte de um grupo que recrutava pessoas oriundas da Roménia para praticarem furtos em zonas turísticas de Portugal, Espanha ou Itália, com o objectivo de obter proventos económicos do exercício de tal actividade.

    Os arguidos deslocavam-se frequentemente a vários países da União Europeia, aproveitando as facilidades aplicáveis à entrada, circulação e permanência de cidadãos no Espaço Schengen, fazendo igualmente circular os cidadãos por si recrutados pelo espaço europeu, escolhendo os respectivos destinos de acordo com a época alta de turismo de cada um desse países.

    Por vezes, os cidadãos recrutados anuíam num primeiro momento em praticar ilícitos contra o património e dividir os lucros com o grupo formado pelos arguidos, de acordo com a percentagem estipulada por aqueles.

    No entanto, caso viessem a mostrar a intenção de largar o grupo, ou os arguidos desconfiassem de que os cidadãos recrutados não estavam entregar a percentagem “devida”, os arguidos infligiam-lhes violentas agressões físicas e ameaças de morte, extensíveis aos respectivos familiares na Roménia, iniciando-se assim um estado de sujeição e de vulnerabilidade por parte daqueles, que os impedia, na prática, de deixar de exercer a actividade por conta dos arguidos .

    Os arguidos seleccionavam os locais onde os indivíduos por eles recrutados iriam cometer os furtos, transportando-os a tais locais, vigiando-os, e providenciando pelo seu alojamento.

    Era assim comum os arguidos e os restantes suspeitos frequentarem as zonas onde eram praticados os furtos, até porque ali vigiavam a actuação dos indivíduos recrutados. Era também frequente revistarem os carteiristas que actuavam por conta da organização, a fim de garantir que todas as somas “devidas” lhes eram entregues.

    Por este motivo foi possível à PSP identificá-los em inúmeras ocasiões (cfr. fls.139-152), junto de locais onde se verificaram suspeitas furtos (tentados ou consumados).

    Relativamente à actividade delituosa contra o património exercida em Portugal, mormente em Lisboa, os arguidos definiram zonas territoriais onde só eles podiam “operar”, tais como a Avenida da Liberdade, o Bairro Alto e a Rua Costa do Castelo, “punindo” com severidade e violência, quem achassem que havia desrespeitado tal regra.

    - Do recrutamento de E...: Chegou a Portugal em Julho/Agosto de 2014, após ter conhecido A... na Roménia. Ao saber que E... ultrapassava sérias dificuldades económicas, pois que havia recorrido a empréstimos junto dos arguidos, para fazer face às suas...

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