Acórdão nº 864/12.5TCFUN.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2016
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 13.12.2012 E, S.A.

, intentou nas Varas de Competência Mista do Funchal ação declarativa, com processo ordinário (impugnação pauliana), contra A, S.A.

e Construções, Lda.

A A. alegou, em síntese, que no âmbito de um contrato de empreitada, que no exercício da sua atividade celebrara com a 2.ª R., esta está a dever-lhe, desde 2009, a quantia de € 442 000,50, acrescida de juros à taxa legal. Sucede que em 22.01.2010 foi constituída a 1.ª R., cujos sócios são, em parte, os mesmos que os da 2.ª R., e os restantes têm fortes laços familiares com estes, e em 26.11.2010 a 2.ª R. vendeu à 1.ª R. uma fração autónoma, pelo preço de € 140 000,00, a ser pago em 10 anos, em modalidade e forma de pagamento “a acertar entre as partes”. Ora, uma fração similar àquela foi vendida pela 2.ª R. a outrem pelo preço de € 425 000,00. A 2.ª R. ficou sem património que lhe permita pagar à A. o que lhe deve, bem assim aos restantes credores. As duas RR. tinham consciência, quando realizaram a escritura de compra e venda da identificada fração, que esse ato representava um prejuízo para os seus credores, nomeadamente a A., tendo-se concertado entre si para a prejudicarem.

A A. terminou pedindo que fosse julgada válida a impugnação pauliana da compra e venda do identificado prédio, para que a A. pudesse executar esse bem no património da 1.ª R., no que fosse necessário para a completa satisfação do seu crédito.

As RR. contestaram, alegando, em síntese, que a aludida venda foi integrada numa reestruturação de dívidas da 2.ª R. à banca, da qual resultou um incremento patrimonial para a 2.ª R., com benefício para os seus credores, incluindo a A..

As RR. concluíram pela improcedência da ação, por não provada, com a consequente absolvição do pedido.

A A. replicou, reiterando o peticionado.

Foi proferido saneador tabelar, selecionada a matéria de facto assente e fixada a base instrutória.

Realizou-se audiência final e em 01.6.2015 foi proferida sentença que julgou a ação procedente por provada e consequentemente condenou as RR. a reconhecerem que a A. tem direito à restituição do imóvel objeto da mencionada transação, na medida dos seus interesses, podendo executá-lo no património dos obrigados à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

As RR. apelaram da sentença, tendo apresentado alegação em que formularam as seguintes conclusões:

  1. A Sentença de que se recorre, desconsidera em absoluto, a cronologia da causa viciando a interpretação de cada um dos negócios realizados, bem como da globalidade da operação em que se inserem, com prejuízo para a apreciação de uma ação de impugnação pauliana, reduzindo a operação objeto dos autos a uma mera saída de património.

  2. Contradiz-se entre fundamentos da decisão e os Factos Provados nos Pontos 40 a 46.

  3. Desconsidera os bens entregues por parte do sócio Arlindo (…) à sua participada a R. Construções, para pagamento do credor hipotecário BCP, S.A., uma moradia T4 avaliada em € 440.800,00, e a casa de habitação deste no valor de € 2.200.000,00, acrescida do pagamento de € 140.000,00, pela aquisição pela R. A da fracção M.

  4. Tal operação constitui um saldo positivo real a favor da R. Construções no valor de € 2.500.800,00.

  5. Essa operação ainda permanece positiva, caso se considere em vez do valor real de € 140.000,00, o valor de € 417.900,00, valor de mercado fixado na perícia realizada nos autos, mas que o mercado nunca ofereceu, fixando-se esse valor em € 2.222,900,00.

  6. Não releva que tal operação bancária visou a obtenção do distrate da fração “L” para pagamento à A. de parte do preço da empreitada, pelo que, a A. beneficiou de um incremento da liquidez da R. Construção que daí adveio, vindo, anos mais tarde, atacar a mesma operação que lhe garantiu parte da liquidação do seu crédito.

  7. Por maioria de razão, tendo a fração “M” um valor superior a € 400.000,00, e constando, dos Fatos Provados ns.º 30 e 31 e a alínea I) dos Fatos Assentes – a propriedade pela R. Construções de 07 frações inseridas no Edifício “Piornais Palace” e de 02 unidades destinadas a armazém localizadas ao sítio da Abegoaria, à data da venda da fracção “M”, há que concluir que por aplicação do método comparativo, também aquelas 07 frações terão um valor aproximado àquele – o que se impõe por sistematicidade e coerência da fundamentação da sentença.

  8. Como FATO NOTÓRIO, deve ser considerado como provado que com os pagamentos parciais da dívida, os valores garantidos pela hipoteca reduziram, apesar de registralmente o montante garantido pelas hipotecas não ser alterado, por esta ser uma prática generalizada e conhecida da banca.

  9. A avaliação da perícia ao valor comercial da fração “M”, à data da sua venda, não foi alvo da apreciação crítica devida, pois apesar de ter sido avaliada € 417.900,00, em Novembro de 2010, resultando dos autos que em Setembro de 2012, a R. Construções procedeu à dação ao banco BCP, S.A. - cfr. Facto Provado n.º 11 – das frações “C”, “E”, “G”, “H”, “I” e “J”, é notório que não houve procura pelo mercado de frações do Edifício “Piornai Palace”, devendo, por isso, aquele valor ser criticamente desconsiderado.

  10. A própria A. recebeu em pagamento a Fração L, do mesmo prédio por um valor consideravelmente inferior: € 369.000,00.

  11. A operação bancária exposta nos Pontos do Factos Provados 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 46 permitiu o distrate da fração “L”, transmitida à sociedade Edimade II a 22 de Março de 2010.

  12. Na mesma operação que permitiu a entrega da Fração “L”, à E II, ocorreu o distrate da fração “M”, a favor do sócio da Ré Construções, Arlindo (…), para compensação da entrega do seu património pessoal no valor global de € 2.640.800,00 (dois milhões seiscentos e quarenta mil e oitocentos euros).

  13. Assim, a fração “M” poderia ter sido registada em seu nome pessoal, no entanto, por critérios de natureza idênticos aos da A. quanto à E II, este optou por fazer adquirir a mesma pela R. A, onerosamente, a 26 de Novembro de 2010.

  14. Assim, considerada a cronologia dos atos, é notório que as RR. não quiseram, nem tiveram consciência, por não se verificar tal facto, de que a venda da fração “M” agravaria a impossibilidade de pagamento à A.

  15. A gerência e administração das RR. pretenderam, e no seu entender conseguiram, aumentar a capacidade da R. Construções em liquidar as suas responsabilidades, reduzindo o peso das hipotecas.

  16. A referida fração “M” transmitida pela R. Construções à R. A, foi distratada no âmbito do supra aludido Plano de Reestruturação, tendo este, optado por vendê-la à R. A por forma a que a R. Construções aumentasse em € 140.000,00 o seu ativo patrimonial.

  17. Por tais factos, não pode a sentença considerar procedente a impugnação pauliana quando do contexto negocial não resulta um decréscimo patrimonial da R. Construções, nem actos gratuitos de esvaziamento patrimonial.

  18. Apesar de se considerar “que a prova directa da existência da má-fé é extremamente difícil de alcançar”, tal pressuposto não pode constituir um desvalor prévio das condutas do réus numa ação pauliana, desonerando os autores, ou reduzindo o seu grau ao de prova indiciária.

  19. O recurso a “meios lógicos e mentais da descoberta de factos, mediante o recurso a regras da experiência, podendo aquela prova emergir de factos indiciários, instrumentais ou circunstanciais”, deve ser aplicado, quer no que concerne à prova do autor, quer quanto à prova do réu, com especial relevo no caso sub judice na consideração global da operação bancária e do comportamento da banca quanto ao distrate das hipotecas.

  20. Matematicamente, o resultado global da operação é largamente positivo a favor da R. Construções, que com um património de um terceiro, o sócio Arlindo (…), liquida parte das suas responsabilidades bancárias, e das suas responsabilidades para com a A., numa operação que eliminou mais de € 2.500.000,00 de passivo, e representou apenas a saída de um imóvel com um valor que se estima em torno dos € 300.000,00, a fração “M”.

  21. Por coerência na avaliação patrimonial da Fração “M”, € 400.000,00, deve igualmente ser seguido o método comparado para a avaliação das 07 frações do Edifício “Piornais Palace”, que permaneceram na titularidade da R. Construções, também com um valor a rondar os € 400.000,00, como garantia geral do pagamento dos credores.

  22. Na livre apreciação da prova, o Tribunal deve ter em conta os factos adquiridos para o processo conjugados com a normalidade social do seu desenvolvimento, fazendo uma interpretação conjugada das diversas provas e circunstâncias em que os factos se verificaram.

  23. Nessa medida, deve desconsiderar a prova produzida de forma artificial, como é o caso da avaliação comercial de um imóvel, quando o processo revela que após a venda das Frações “L”, “M” e dação das frações ao BCP, nenhuma venda de uma fração do Edifício “Piornais Palace” atingiu o valor de € 400.000,00.

  24. Não houve por parte da gerência e administração das RR. consciência de causar qualquer prejuízo à Autora, muito pelo contrário, o seu intuito foi o de aumentar a liquidez da R. Construções, o que no seu entender se verificou.

  25. Aliás posteriormente ao negócio celebrado entre as RR. foram celebrados os negócios que titularam a alienação de mais NOVE frações pertencentes à R. Construções, quer de compra e venda, quer de dação em pagamento.

  26. Nunca as RR. quiseram esconder a identidade dos titulares da R. A, pois se assim não fosse, não lhe seria dada tal denominação, nem o certificado de admissibilidade da firma seria requerido pelo sócio gerente da R. Construções, não devendo a familiaridade entre os seus administradores e sócios constituir um desvalor no âmbito da presente causa.

    A

  27. O crédito da A., em caso de graduação em instância executiva, ficaria atrás do credor hipotecário, pelo que, só a liquidação de parte dos créditos do credor que a antecede permitiu, a Fracção “L”, entregue à A...

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